Possibilidade legal de remuneração da Diretoria Estatutária de entidades sem fins lucrativos possuidoras de CEBAS
Josenir Teixeira
Advogado, Mestre em Direito pela FADISP, Pós-Graduado em Direito Processual Civil pela UNIFMU/SP, em Direito Empresarial pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (SP), em Direito do Trabalho pelo Centro de Extensão Universitária (CEU/SP-IICS) e em Direito do Terceiro Setor pela FGV/SP. É vice-presidente do Instituto Brasileiro de Advogados do Terceiro Setor – IBATS. É fundador, editor e articulista da Revista de Direito do Terceiro Setor – RDTS. É membro da Comissão de Direito do Terceiro Setor da OAB/SP. Foi professor do curso de Direito do Terceiro Setor da Escola Superior de Advocacia (ESA) da OAB/SP. Foi professor do curso de Pós-Graduação em Administração Hospitalar e Negócios da Saúde da UNISA/SP. Foi Conselheiro Fiscal do Instituto de Administração para o Terceiro Setor Luiz Carlos Merege – IATS. É autor dos livros Prontuário do Paciente: Aspectos Jurídicos e Assuntos Hospitalares na Visão Jurídica (www.abeditora.com.br), Opiniões, Opiniões 2 (edições próprias) e O Terceiro Setor em Perspectiva: da estrutura à função social (www.editoraforum.com.br). É articulista da Revista Brasileira de Direito da Saúde (www.rbds.com.br), editada pela CMB – Confederação das Santas Casas de Misericórdia, Hospitais e Entidades Filantrópicas. É consultor jurídico da Federação Brasileira de Administradores Hospitalares – FBAH. OAB/SP 125.253
Sumário: 1. Introdução. 2. Inexistência de proibição legal de remuneração de dirigente estatuário. 3. Histórico da lei de regência do CEBAS. 4. A alteração da postura governamental. 5. Análise das condições viabilizadoras da remuneração de dirigentes estatutários de entidades portadoras de CEBAS. 6. A previsão do Código Tributário Nacional. 7. A alteração da previsão da Lei n. 9.532/97 e do RIR. 8. Permissivos da Secretaria da Receita Federal 9. A necessidade de as entidades observarem as leis específicas que concedem títulos diferentes do CEBAS para mantê-lo. 9.1. O título de utilidade pública federal. 9.2. Os títulos de utilidade pública estaduais e municipais. 9.3. As qualificações de OS e OSCIP. 10. Vínculo jurídico do dirigente estatutário remunerado com a entidade. 11. Conclusão
Resumo: A remuneração da diretoria estatutária de entidades sem fins lucrativos que possuem títulos sempre foi uma reivindicação do Terceiro Setor. A Lei n. 12.868/13 foi editada para resolver esta pendenga histórica e permitir que a pessoa alçada à diretoria estatutária de uma instituição pudesse ser remunerada pelo exercício de tal função. Todavia, há que se analisar esta possibilidade com parcimônia, pois, como a lei trata apenas de um dos títulos possíveis de serem obtidos pelas entidades – o Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social – CEBAS -, consequentemente ela não abrangeu, não alcançou e nem alterou a legislação que rege outras qualificações, como as utilidades públicas federal, estadual e municipal, as Organizações Sociais – OS – e as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público – OSCIPs -, sendo que as duas últimas já possuíam legislação autorizativa neste sentido[1]. A entidade deve conter seu ímpeto e analisar com critério as leis dos títulos que possui, pois o que uma permite pode ser que seja proibido por outra, o que eventualmente poderá colocá-la em xeque e/ou lhe trazer prejuízos. A legislação brasileira está a um abismo de ser lógica e de boa qualidade. Ao contrário, ela é antagônica, contraditória e exímia em atrapalhar a vida das entidades do Terceiro Setor. É sobre a possibilidade de remuneração da diretoria estatutária das entidades portadoras de CEBAS (somente deste título), seus riscos e os reflexos de tal atitude nos demais títulos que trataremos brevemente neste artigo.
Palavras-Chave: Lei. Remuneração. Possibilidade. Diretoria Estatuária. Alcance. Consequências. Limites financeiros. Riscos. Terceiro Setor. Entidades sem fins lucrativos.
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Introdução
Vem de décadas a restrição de remuneração[2] de membros da diretoria estatutária de entidades que possuem o Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social – CEBAS.[3]
Esta hipocrisia dissonante da realidade e impeditiva do progresso das entidades, que se viam limitadas e até mesmo tolhidas de contar com profissionais mais bem preparados e que necessitam ser remunerados, teve seu fim, finalmente, com a edição da Lei n. 12.868, em outubro de 2013.
Um mês antes, em setembro de 2013, a possibilidade de remuneração dos dirigentes das entidades sem fins lucrativos havia sido contemplado pela Lei n. 12.863/13, cuja redação, neste particular, foi vetada pela Presidência da República sob o argumento de que
“os dispositivos ampliam inadequadamente a possibilidade, excepcional, de remuneração de dirigentes de associações assistenciais ou fundações sem fins lucrativos, ampliando, inclusive, as hipóteses de imunidade e isenção tributárias. Ainda que se entenda o mérito da proposta, há que se fixar um limite a tais remunerações, mais seguro juridicamente que o ‘valor de mercado’, como previsto na proposta. Além disso, há outra proposição, já aprovada pelo Congresso Nacional e a ser enviada também para sanção, que trata justamente desta matéria, impondo, no entanto, limites mais adequados e juridicamente mais seguros a tais remunerações.”[4]
Apesar da edição da lei, as entidades estão receosas de aplicar livremente o dispositivo legal mencionado, haja vista a sua incompletude normativa e alcance restrito unicamente ao CEBAS, que tinha sua conquista sempre ligada umbilicalmente a obtenção de outras qualificações paralelas e prévias que não tiveram suas regras alteradas pela Lei n. 12.868/13 e, portanto, continuam válidas e devem ser respeitadas.
Paira no âmbito do Terceiro Setor aguçada desconfiança e enorme insegurança jurídica sobre o tema, o que fez com que entidades fizessem consultas a órgãos públicos, inclusive à Secretaria da Receita Federal do Brasil (SRFB), para que ela delineasse exatamente o que pode e o que não pode no que diz respeito ao assunto, como se ela dispusesse de tal prerrogativa.
Enquanto a resposta às perguntas não vem oficialmente muitas entidades optaram por retardar a utilização da normativa legal e postergar a remuneração dos seus dirigentes estatuários.
É sobre o enleio do assunto que pretendemos tecer considerações que possam subsidiar tecnicamente a conclusão apontada no final.
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Inexistência de proibição legal de remuneração de dirigente estatutário
Nunca houve a proibição de remunerar os dirigentes estatuários de pessoas jurídicas constituídas sob a forma de associação civil sem fins lucrativos. Não se vê restrição neste sentido no Código Civil (CC) na sua redação de 1916 e nem na de 2002. E é este o diploma legal que rege a criação de tais pessoas jurídicas, conforme prevê a Lei n. 10.406/02, nos seus artigos 53[5] e seguintes. Se não era proibido, era permitido. Uma associação civil sem fins lucrativos pode, e sempre pôde, remunerar a sua diretoria estatutária.
A confusão talvez tenha se originado porque leis que criaram títulos, qualificações e certificações proibiram a remuneração da diretoria[6] [7] estatutária por parte das associações civis que manifestassem interesse em pleiteá-los ou obtê-los.
Entretanto, a associação civil que não tenha a intenção de conquistar títulos não é alcançada pelas leis que instituíram estas qualificações, que regem apenas aquelas instituições que foram agraciadas com a concessão delas.
Permanecendo a entidade com a intenção de manter a titularidade de títulos eventualmente conquistados ela deverá analisar as leis específicas que os regem e, se estas contiverem normas que impossibilitem a remuneração da diretoria estatutária, assim ela deverá se portar, sob pena de perda da qualificação.
A definição legal do que seja “associação sem fins lucrativos” consta de diversos e antigos dispositivos.[8] Para efeito deste breve apontamento tomamos emprestada a conceituação mais recente, constante da Lei n. 12.873, editada em 24 de outubro de 2013, que institui o Programa de Fortalecimento das Entidades Privadas Filantrópicas e das Entidades sem Fins Lucrativos que Atuam na Área da Saúde e que Participam de Forma Complementar do Sistema Único de Saúde – PROSUS, e que assim dispõe:
Art. 25. Para efeitos desta Lei, considera-se entidade de saúde sem fins lucrativos a pessoa jurídica de direito privado que não distribua ou transfira entre os seus sócios, associados, conselheiros, diretores, empregados, doadores ou terceiros, excedentes operacionais, brutos ou líquidos, dividendos, bonificações, isenções de qualquer natureza, participações ou parcelas do seu patrimônio, auferidos mediante o exercício de suas atividades, e que aplica os excedentes integralmente na consecução de seu objeto social.
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Histórico da lei de regência do CEBAS
Desde 1991, a Lei n. 8.212, que foi alterada ao longo do tempo e teve artigos revogados pela Lei n. 12.101/09, proibia textualmente a remuneração da diretoria estatuária e exigia que a entidade que pretendesse obter o CEBAS – Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social – hoje concedido pelos Ministérios da Saúde, Educação ou Desenvolvimento Social e Combate à Fome, dependendo da área de atuação da entidade – também possuísse a qualificação de utilidade pública federal. Eis a redação do art. 55 da Lei n. 8.212/91, que foi revogado e aqui é transcrita meramente para facilitar a concatenação das ideias:
Art. 55. Fica isenta das contribuições de que tratam os arts. 22 e 23 desta Lei a entidade beneficente de assistência social que atenda aos seguintes requisitos cumulativamente:
I – seja reconhecida como de utilidade pública federal e estadual ou do Distrito Federal ou municipal;
II – seja portadora do Registro e do Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social, fornecidos pelo Conselho Nacional de Assistência Social, renovado a cada três anos;
[…]
IV – não percebam seus diretores, conselheiros, sócios, instituidores ou benfeitores, remuneração e não usufruam vantagens ou benefícios a qualquer título; (gr)
O Decreto federal n. 2.536, que regulamentou a concessão e renovação do CEBAS e vigorou de 1998 até 2009, repetia as proibições da Lei n. 8.212/91.
A Lei n. 12.101/09 revogou o artigo 55 da Lei n. 8.212/91 e o Decreto n. 2.536/98 e estipulou novas regras para a concessão e renovação do CEBAS. Porém, manteve a proibição de remuneração da diretoria estatutária, em dispositivo assim transcrito:
Art. 29. A entidade beneficente certificada na forma do Capítulo II fará jus à isenção do pagamento das contribuições de que tratam os arts. 22 e 23 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, desde que atenda, cumulativamente, aos seguintes requisitos:
I – não percebam seus diretores, conselheiros, sócios, instituidores ou benfeitores, remuneração, vantagens ou benefícios, direta ou indiretamente, por qualquer forma ou título, em razão das competências, funções ou atividades que lhes sejam atribuídas pelos respectivos atos constitutivos; (gr) […]
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A alteração da postura governamental
Em outubro de 2013, a sequência legislativa proibitiva de remuneração da diretoria estatutária da entidade que possui CEBAS foi quebrada com a edição da Lei n. 12.868, que deu nova redação ao artigo 29 da Lei n. 12.101/09, acima parcialmente transcrito, passando a assim disciplinar o assunto:
Art. 29. A entidade beneficente certificada na forma do Capítulo II fará jus à isenção do pagamento das contribuições de que tratam os arts. 22 e 23 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, desde que atenda, cumulativamente, aos seguintes requisitos:
I – não percebam, seus dirigentes estatutários, conselheiros, sócios, instituidores ou benfeitores, remuneração, vantagens ou benefícios, direta ou indiretamente, por qualquer forma ou título, em razão das competências, funções ou atividades que lhes sejam atribuídas pelos respectivos atos constitutivos;
[…]
- 1oA exigência a que se refere o inciso I do caput não impede:
I – a remuneração aos diretores não estatutários que tenham vínculo empregatício;
II – a remuneração aos dirigentes estatutários, desde que recebam remuneração inferior, em seu valor bruto, a 70% (setenta por cento) do limite estabelecido para a remuneração de servidores do Poder Executivo federal.
- 2oA remuneração dos dirigentes estatutários referidos no inciso II do § 1o deverá obedecer às seguintes condições:
I – nenhum dirigente remunerado poderá ser cônjuge ou parente até 3o (terceiro) grau, inclusive afim, de instituidores, sócios, diretores, conselheiros, benfeitores ou equivalentes da instituição de que trata o caput deste artigo; e
II – o total pago a título de remuneração para dirigentes, pelo exercício das atribuições estatutárias, deve ser inferior a 5 (cinco) vezes o valor correspondente ao limite individual estabelecido neste parágrafo.
- 3oO disposto nos §§ 1o e 2o não impede a remuneração da pessoa do dirigente estatutário ou diretor que, cumulativamente, tenha vínculo estatutário e empregatício, exceto se houver incompatibilidade de jornadas de trabalho.[9] (gr)
A redação primitiva do inciso I do art. 29 da Lei n. 12.101/09 foi mantida, mas a Lei n. 12.868/13 incluiu neste artigo os parágrafos 1º, 2º e 3º, que flexibilizaram tal restrição e estabeleceram os requisitos e as condições a serem cumpridos para utilização do direito de remuneração dos dirigentes estatutários, agora positivado.
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Análise das condições viabilizadoras da remuneração de dirigentes estatutários de entidades portadoras de CEBAS
O art. 29 da Lei n. 12.101/09 sofreu a inclusão de três parágrafos pela Lei n. 12.868/13, sendo a redação deles acima transcrita.
O inciso I[10] do parágrafo primeiro[11] trata dos dirigentes não estatutários, que não é objeto deste estudo. A lei positivou a possibilidade de cumulação da função executiva com a estatutária, que é tratada mais amiúde no parágrafo terceiro[12] do mesmo artigo, que a autoriza, desde que haja compatibilidade de horários das jornadas de trabalho.
O inciso II[13] do parágrafo primeiro limita o ganho do dirigente estatutário a 70% (setenta por cento) do limite estabelecido para a remuneração de servidores do Poder Executivo federal. Levando em consideração o salário da Presidente da República[14], servidora chefe do Poder Executivo Federal, que é de R$26.723,13 (vinte e seis mil, setecentos e vinte e três reais e treze centavos) e sobre ele obtivermos o percentual indicado, chegaremos ao valor máximo de remuneração de R$18.706,19 (dezoito mil, setecentos e seis reais e dezenove centavos).
O inciso I[15] do parágrafo segundo[16] impede que o dirigente estatuário que pretenda ser remunerado tenha parentesco até terceiro grau com as pessoas que ele identifica.
O inciso II[17] do parágrafo segundo prevê que o valor total a ser pago aos diretores estatutários que formam a diretoria não pode ultrapassar R$93.530,95 (noventa e três mil, quinhentos e trinta reais e noventa e cinco centavos), se levarmos em consideração a base de cálculo acima apontada (R$18.706,19 x 5).
Finalmente, o parágrafo terceiro[18] permite a remuneração do dirigente estatutário que, também, ocupa cargo na diretoria executiva, desde que não haja incompatibilidade de jornadas de trabalho, ou seja, não se podem utilizar as mesmas horas do dia para realizar ambas as funções.
Por dedução lógica, se a função exercida na diretoria executiva for realizada no horário comercial e a da diretoria estatutária for cumprida à noite, viabilizada está a possibilidade de cumulação das funções e recebimentos distintos, mas somados. De outro jeito, mas se chegando à mesma conclusão, se a função exercida na diretoria executiva for realizada de manhã e a da diretoria estatutária à tarde, da mesma forma é viável a remuneração de ambas, concomitantemente.
Não vamos aqui nos ater aos eventuais reflexos trabalhistas que a hipótese autorizada pela Lei n. 12.868/13 podem acarretar, pois não é este aspecto que interessa a este artigo, apesar da sua enorme importância para o dia a dia das entidades.
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A previsão do Código Tributário Nacional
O artigo 29 da Lei n. 12.101/09 reproduz nos seus incisos[19] as mesmas disposições constantes do artigo 14 do Código Tributário Nacional (CTN, Lei n. 5.172/66), lei que possui status de complementar, em que pese ser ordinária na sua origem. Devemos tecer comentários a respeito do art. 14, CTN, que assim dispõe:
Art. 14. O disposto na alínea c do inciso IV do artigo 9º é subordinado à observância dos seguintes requisitos pelas entidades nele referidas:
I – não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer título;
II – aplicarem integralmente, no País, os seus recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais;
III – manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão.
- 1º Na falta de cumprimento do disposto neste artigo, ou no § 1º do artigo 9º, a autoridade competente pode suspender a aplicação do benefício.
- 2º Os serviços a que se refere a alínea c do inciso IV do artigo 9º são exclusivamente, os diretamente relacionados com os objetivos institucionais das entidades de que trata este artigo, previstos nos respectivos estatutos ou atos constitutivos.
O previsto no inciso I, acima transcrito, consistente na proibição de “distribuição de parcela do patrimônio”, não pode ser confundido com a “remuneração” dos membros da diretoria estatuária prevista no art. 29, § 1º, II, da Lei n. 12.101/09, alterada pela Lei n. 12.868/13, haja vista que são situações jurídicas e contábeis absolutamente distintas entre si e que dispensam maiores comentários neste momento.
Enquanto a hipótese prevista no inciso I do artigo acima transcrito encerra a ideia de “distribuir” (o patrimônio), que significa “entregar uma parcela (de algo); repartir, dividir; doar (bens, donativos, presentes etc.); espalhar”[20] etc., a “remuneração” implica na “retribuição por serviço ou favor prestado; gratificação, ger. em dinheiro, por trabalho realizado;”[21] [22]
As situações são distintas e não se confundem, o que nos leva a afirmar que o ato de remunerar os membros da diretoria estatutária de uma entidade certificada com o CEBAS, agora permitido, não implica no descumprimento do inciso I do artigo 14 do CNT, diante da distância conceitual existente entre tais institutos.
O Código Tributário Nacional, portanto, não é impeditivo legal que possa ser invocado para não se remunerar os componentes da diretoria estatutária de uma entidade portadora do CEBAS.
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A alteração da previsão da Lei n. 9.532/97 e do RIR
A Lei n. 9.532/97 trata de diversos aspectos relacionados à legislação tributária federal. A sanha arrecadatória desmesurada do governo federal incluiu nela uma série de inconstitucionalidades, o que fez com que o Supremo Tribunal Federal assim declarasse a respeito do seu artigo 12, nos seus parágrafos primeiro e segundo, e outros, em ementa assim redigida:
[…] II. Imunidade tributária (CF, art. 150, VI, c, e 146, II): “instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei”: delimitação dos âmbitos da matéria reservada, no ponto, à intermediação da lei complementar e da lei ordinária: análise, a partir daí, dos preceitos impugnados (L. 9.532/97, arts. 12 a 14): cautelar parcialmente deferida.
- Conforme precedente no STF (RE 93.770, Muñoz, RTJ 102/304) e na linha da melhor doutrina, o que a Constituição remete à lei ordinária, no tocante à imunidade tributária considerada, é a fixação de normas sobre a constituição e o funcionamento da entidade educacional ou assistencial imune; não, o que diga respeito aos lindes da imunidade, que, quando susceptíveis de disciplina infraconstitucional, ficou reservado à lei complementar.
- À luz desse critério distintivo, parece ficarem incólumes à eiva da inconstitucionalidade formal argüida os arts. 12 e §§ 2º (salvo a alínea f) e 3º, assim como o parág. único do art. 13; ao contrário, é densa a plausibilidade da alegação de invalidez dos arts. 12, § 2º, f; 13, caput, e 14 e, finalmente, se afigura chapada a inconstitucionalidade não só formal mas também material do § 1º do art. 12, da lei questionada.
- Reserva à decisão definitiva de controvérsias acerca do conceito da entidade de assistência social, para o fim da declaração da imunidade discutida – como as relativas à exigência ou não da gratuidade dos serviços prestados ou à compreensão ou não das instituições beneficentes de clientelas restritas e das organizações de previdência privada: matérias que, embora não suscitadas pela requerente, dizem com a validade do art. 12, caput, da L. 9.532/97 e, por isso, devem ser consideradas na decisão definitiva, mas cuja delibação não é necessária à decisão cautelar da ação direta.[23]
A Lei n. 9.532/97 proíbe a remuneração dos dirigentes estatutários das entidades sem fins lucrativos que pretendam ter seu direito a imunidade reconhecido, em dispositivo assim redigido:
- 2º Para o gozo da imunidade, as instituições a que se refere este artigo, estão obrigadas a atender aos seguintes requisitos:
- a) não remunerar, por qualquer forma, seus dirigentes pelos serviços prestados; […]
Entretanto, a Lei n. 12.868/13 também provocou alterações na Lei n. 9.532/97 e incluiu dispositivos com redação idêntica àqueles inseridos no art. 29 da Lei 12.101/09:
[…] § 4o A exigência a que se refere a alínea “a” do § 2o não impede:
I – a remuneração aos diretores não estatutários que tenham vínculo empregatício; e
II – a remuneração aos dirigentes estatutários, desde que recebam remuneração inferior, em seu valor bruto, a 70% (setenta por cento) do limite estabelecido para a remuneração de servidores do Poder Executivo federal.
- 5oA remuneração dos dirigentes estatutários referidos no inciso II do § 4o deverá obedecer às seguintes condições:
I – nenhum dirigente remunerado poderá ser cônjuge ou parente até 3o (terceiro) grau, inclusive afim, de instituidores, sócios, diretores, conselheiros, benfeitores ou equivalentes da instituição de que trata o caput deste artigo;
II – o total pago a título de remuneração para dirigentes, pelo exercício das atribuições estatutárias, deve ser inferior a 5 (cinco) vezes o valor correspondente ao limite individual estabelecido neste parágrafo.
- 6oO disposto nos §§ 4o e 5o não impede a remuneração da pessoa do dirigente estatutário ou diretor que, cumulativamente, tenha vínculo estatutário e empregatício, exceto se houver incompatibilidade de jornadas de trabalho.
Portanto, a limitação ou mesmo proibição constante uma das normas legais mais temidas pelas entidades sem fins lucrativos foi flexibilizada pela Lei n. 12.868/13, não havendo mais óbice à remuneração de dirigentes estatutários para o gozo da imunidade do Imposto sobre a Renda.
O Regulamento do Imposto de Renda (RIR), editado pelo Poder Executivo e positivado pelo Decreto n. 3.000/99, regulamenta a tributação, fiscalização, arrecadação e administração do imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza. Ele traz previsão (e redação) idêntica à constante da Lei 9.532/97 no que diz respeito a até então impossibilidade de remuneração de dirigentes estatutários de entidades sem fins lucrativos que pretendessem gozar de imunidade tributária[24]. Eis o seu dispositivo:
Art. 170. Não estão sujeitas ao imposto as instituições de educação e as de assistência social, sem fins lucrativos.
[…]
- 3º Para o gozo da imunidade, as instituições a que se refere este artigo estão obrigadas a atender aos seguintes requisitos):
I – não remunerar, por qualquer forma, seus dirigentes pelos serviços prestados;
Ora, se a Lei n. 9.532/97, que regulamenta a legislação tributária federal foi alterada pela Lei n. 12.868/13, no particular aqui tratado, há que se convir que o Decreto que trata do mesmo assunto também e obrigatoriamente deve seguir a mesma linha de raciocínio e de postura e se render à nova regra estabelecida pela lei superveniente, mesmo que ainda não tenha tido sua redação alterada e formalizada por outro dispositivo legal.
Não seria lógico, nem de bom senso, nem legal, aceitar que um decreto contrarie ou modifique a previsão de uma lei, já que aquele obrigatoriamente deve ser compatível com esta e serve, tão somente, para regulamentá-la[25], desenvolvê-la, tratar dos pormenores para a sua aplicação e garantir a sua fiel execução.
A Lei n. 9.532/97 e o Decreto n. 3.000/99 (RIR) não são impeditivos legais que possam ser invocados para não se remunerar os componentes da diretoria estatutária de uma entidade portadora do CEBAS.
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Permissivos da Secretaria da Receita Federal
A Secretaria da Receita Federal do Brasil, de há muito, possui posicionamentos dos quais se extrai conclusão permissiva para que sejam feitos pagamentos aos diretores, inclusive estatutários, de entidades sem fins lucrativos sem colocar em risco o reconhecimento da imunidade que é “conferida pelo CEBAS”, na visão do Fisco.
Eis algumas decisões neste sentido que, por analogia, podem ser aproveitadas para o contexto do tema aqui abordado:
Superintendência Regional da Receita Federal – SRRF – 4ª Região Fiscal
Processo de Consulta nº 039/97
Assunto: Entidades sindicais – imunidade – Obrigações Acessórias. Normas Gerais de Direito Tributário. Ementa: As entidades sindicais dos trabalhadores são beneficiárias de imunidade de imposto sobre a renda relacionada com suas finalidades essenciais, atendidos os requisitos legais, sendo-lhes permitido remunerar seus dirigentes. (gr)
Dispositivos Legais: Arts. 150, inciso VI, alínea “c”, e § 4°, da Constituição Federal; 9°, § 1°, e 14 incisos I a Ill, do Código Tributário Nacional (Lei n° 5.172/66), e 159 do Regulamento do Imposto de Renda (RIR), aprovado pelo Decreto n° 1.041/94. – DISIT – 17.10.1997[26]
Ministério da Fazenda – Secretaria da Receita Federal
DECISÃO Nº 137 de 27 de Outubro de 2000
ASSUNTO: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ. EMENTA: REMUNERAÇÃO DE DIRETORES Por não ser vedada por lei, a remuneração atribuída aos diretores da entidade sindical não desfigura a imunidade tributária prevista no artigo 150, VI, da Constituição Federal, desde que atendidas as exigências estabelecidas no artigo 14 do CTN (Código Tributário Nacional), não estando a entidade sujeita ao Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica. (gr)
Ministério da Fazenda – Secretaria da Receita Federal
SOLUÇÃO DE CONSULTA Nº 105 de 09 de Dezembro de 2009
ASSUNTO: Normas Gerais de Direito Tributário. EMENTA: A eventual remuneração paga a dirigente de entidade religiosa – o qual, na espécie, é ministro do Evangelho – a título de serviços administrativos a ela efetivamente prestados, não elide o gozo da imunidade tributária pela Igreja, sem prejuízo da incidência do Imposto de Renda, na fonte e na Declaração de Ajuste Anual, sobre os mencionados rendimentos auferidos pelo pastor, de vez que estes não são abrigados pela norma imunizante. (gr)
Ministério da Fazenda – Secretaria da Receita Federal
SOLUÇÃO DE CONSULTA Nº 140 de 25 de Outubro de 2007
ASSUNTO: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ. EMENTA: Dirigente. Partido político. Atendidos os requisitos estabelecidos no art. 14 do CTN e, em não havendo qualquer vedação expressa na legislação quanto à questão remuneratória, o partido político que remunera seus diretores continuará amparado pela imunidade tributária prevista no artigo 150, VI, “c”, da Constituição Federal de 1988, relativa a impostos. Entretanto, a contraprestação do serviço tem que corresponder a valores que não vislumbrem a prática de distribuição disfarçada de lucro, sob pena de ser suspenso o benefício nos termos do § 1º do referido artigo. Não há isenção total da Cofins para os partidos políticos, mas tão-somente das receitas das atividades próprias dessas instituições. Consideram-se receitas derivadas das atividades próprias somente aquelas decorrentes de contribuições, doações, anuidades ou mensalidades fixadas por lei, assembléia ou estatuto, recebidas de associados ou mantenedores, sem caráter contraprestacional direto, destinadas ao seu custeio e ao desenvolvimento dos seus objetivos sociais. No caso dos partidos políticos, a contribuição para o PIS/PASEP será determinada com base na folha de salários, à alíquota de um por cento, e não pelo faturamento, ainda que remunere seus dirigentes. Remuneração e distribuição de lucros ou de participação nos resultados não se confundem. (gr)
Ministério da Fazenda – Secretaria da Receita Federal
SOLUÇÃO DE CONSULTA Nº 28 de 08 de Abril de 2004
ASSUNTO: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ. EMENTA: Não perdem a condição de imunes a impostos os templos de qualquer culto que remunerem seus dirigentes. No entanto, devem ser informados na Declaração de Informações Econômico-Fiscais da Pessoa Jurídica – DIPJ, os valores dos rendimentos pagos, a qualquer título, às referidas pessoas físicas, sujeitando-se estes à incidência do Imposto sobre a Renda na Fonte e na Declaração de Rendimentos dos beneficiários, visto que não gozam de imunidade ou isenção.
Vê-se que esses posicionamentos, aliados aos acima delineados, indicam que há base jurídica sólida para sustentar a possibilidade de remuneração dos membros da diretoria estatutária de entidades portadoras de CEBAS sem que se macule o instituto jurídico da imunidade tributária constitucional.
É bem verdade que as entidades não podem confiar no modo de proceder da Secretaria da Receita Federal do Brasil em razão do seu ideal de arrecadação a qualquer custo, inclusive pelo menosprezo, desrespeito[27] e interpretação restritiva e parcial da legislação com a qual atua, se necessário for, para atingir seu objetivo.
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A necessidade de as entidades observarem as leis específicas que concedem títulos diferentes do CEBAS para mantê-los
A autorização de remuneração dos membros da diretoria estatuária de entidades sem fins lucrativos, dada pela Lei n. 12.868/13, se restringe ao Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social – CEBAS, pois esta norma alterou especificamente a Lei n. 12.101/09, que trata especialmente de referida qualificação, e que foi regulamentada pelo Decreto n. 7.237/10.
Portanto, se a entidade possuir outros títulos e qualificações ela deverá analisar detidamente as leis próprias que tratam deles e norteiam a concessão e renovação para ver se a adoção da faculdade de remunerar os dirigentes estatutários não contraria as suas previsões, já que, repita-se, a Lei n. 12.868/13 tratou especificamente da certificação do CEBAS.
Caso a entidade identifique que determinado titulação ou certificação [diferente do CEBAS] da qual é titular é essencial para a sua manutenção e/ou finalidade e as suas normas jurídicas próprias não permitam a remuneração de dirigentes estatuários ela não poderá se valer do permissivo constante da Lei n. 12.868/13, mas, ao contrário, deverá obedecer aquelas regras legais específicas e próprias, sob pena de, se assim não proceder, perder as certificações e os eventuais benefícios que elas lhe trazem.
- O título de utilidade pública federal
A lei federal mais antiga que concede títulos é a de n. 91, editada em 1935, que trata da utilidade pública federal, e que está em vigor até hoje. Eis a sua redação (no original):
Art. 1º As sociedades civis, as associações e as fundações constituidas no paiz com o fim exclusivo de servir desinteressadamente á collectividade podem ser declaradas de utilidade publica, provados os seguintes requisitos:
- a) que adquiriram personalidade juridica;
- b) que estão em effectivo funccionamento e servem desinteressadamente á collectividade;
- c) que os cargos de sua diretoria, conselhos fiscais, deliberativos ou consultivos não são remunerados.
No caso de uma entidade que prefira manter a posse/detenção do título de utilidade pública federal, ela não poderá remunerar a diretoria estatuária, pois a Lei n. 91/35, que o regulamenta, não foi revogada neste particular e coexiste com a Lei n. 12.868/13.
A eventual perda do título de utilidade pública federal, em tese e dependendo de cada situação concreta vivenciada pela entidade, pode ter impacto zero, principalmente para aquelas instituições que obtiveram a qualificação de Organização Social nos estados ou municípios que editaram leis específicas para tratarem do tema.
Isso porque, se essas legislações estaduais e municipais seguiram (ou copiaram) o texto da Lei Federal n. 9.637/98, que trata da qualificação de Organização Social, é muito provável (e isso deverá ser verificado em cada uma delas) que haja artigo que preveja exatamente ou algo muito próximo do seguinte:
Art. 11. As entidades qualificadas como organizações sociais são declaradas como entidades de interesse social e utilidade pública, para todos os efeitos legais.[28]
A título de curiosidade e para comprovar a afirmação acima, a Lei de Organização Social do estado de São Paulo, n. 846/98, possui previsão cuja redação é praticamente idêntica à acima transcrita:
Artigo 13. As entidades qualificadas como organizações sociais ficam declaradas como entidades de interesse social e utilidade pública para todos os efeitos legais.
A Lei que trata de Organização Social do município de São Paulo/SP, n. 14.132/06, traz previsão que se situa na mesma linha acima delineada:
Art. 13. As entidades qualificadas como organizações sociais ficam declaradas como entidades de interesse social e utilidade pública, para todos os efeitos legais.
A Lei do estado do Mato Grosso que trata das Organizações Sociais, LC n. 150/04, possui dispositivo semelhante:
Art. 14. As entidades qualificadas como organizações sociais ficam declaradas como entidades de interesse social e utilidade pública para todos os efeitos legais.
A Lei do estado do Pará que dispõe da qualificação de entidades como Organizações Sociais, n. 5.980/06, também possui dispositivo praticamente idêntico e vai mais além:
Art. 7°. As entidades qualificadas como Organizações Sociais ficam, desde logo, declaradas de interesse social e de utilidade pública para todos os efeitos legais, inclusive tributários.
Numa análise avançada, mas ainda superficial, seria possível defender formas legais para substituir a utilidade pública federal por algo equivalente, como se pode aferir da leitura do dispositivo abaixo transcrito, contido na Lei n. 9.249/95, sendo que a concretização de tal afirmação necessitaria da edição de norma jurídica específica:
Art. 13. Para efeito de apuração do lucro real e da base de cálculo da contribuição social sobre o lucro líquido, são vedadas as seguintes deduções, independentemente do disposto no art. 47 da Lei nº 4.506, de 30 de novembro de 1964:
[…]
- 2º Poderão ser deduzidas as seguintes doações:
[…]
III – as doações, até o limite de dois por cento do lucro operacional da pessoa jurídica, antes de computada a sua dedução, efetuadas a entidades civis, legalmente constituídas no Brasil, sem fins lucrativos, que prestem serviços gratuitos em benefício de empregados da pessoa jurídica doadora, e respectivos dependentes, ou em benefício da comunidade onde atuem, observadas as seguintes regras:
[…]
- c) a entidade civil beneficiária deverá ser reconhecida de utilidade pública por ato formal de órgão competente da União. (gr)
Conclui-se que a utilidade pública federal deixou de ter a importância de outrora, especificamente no que diz respeito à necessidade de sua existência como requisito prévio à conquista do CEBAS e sua manutenção.
- Os títulos de utilidade pública estaduais e municipais
No que diz respeito aos títulos de utilidade pública estaduais e municipais, as leis próprias de cada ente político deverão ser analisadas pelos assessores jurídicos das entidades para verificar se é condição sine qua non a não remuneração dos dirigentes estatutários para a sua manutenção.
Se for, e a entidade quiser mantê-los, ela não poderá remunerar os membros da diretoria estatutária e, consequentemente, não se beneficiará dos efeitos produzidos pela Lei n. 12.868/13.
- As qualificações de OS e OSCIP
A qualificação de instituições sem fins lucrativos como Organizações Sociais – OS – é regulamentada por leis estaduais e municipais, cuja quase totalidade buscou inspiração na Lei federal n. 9.637/98, que dispõe justamente sobre a qualificação de entidades como organizações sociais.
Já nos debruçamos sobre a análise do previsto na lei federal acima mencionada e nas leis estaduais e municipais e apontamos o equívoco da transposição cega de previsões daquela para estas sem levar em consideração o contexto e a finalidade de outorga da qualificação e, principalmente, a origem das entidades sem fins lucrativos, assunto que tangencia o aqui abordado, mas que não será explorado.[29]
No que toca especificamente ao assunto da remuneração dos membros da diretoria estatutária, a Lei n. 9.637/98 é permissiva e prevê textualmente a sua possibilidade:
Art. 4o Para os fins de atendimento dos requisitos de qualificação, devem ser atribuições privativas do Conselho de Administração, dentre outras:
[…]
V – fixar a remuneração dos membros da diretoria;
Art. 7o Na elaboração do contrato de gestão, devem ser observados os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, economicidade e, também, os seguintes preceitos:
[…]
II – a estipulação dos limites e critérios para despesa com remuneração e vantagens de qualquer natureza a serem percebidas pelos dirigentes e empregados das organizações sociais, no exercício de suas funções.
A Lei n. 9.637/98 proíbe a distribuição de patrimônio, assunto totalmente diverso da remuneração da diretoria estatutária, como vimos acima, no seguinte dispositivo:
Art. 2o São requisitos específicos para que as entidades privadas referidas no artigo anterior habilitem-se à qualificação como organização social:
[…]
- h) proibição de distribuição de bens ou de parcela do patrimônio líquido em qualquer hipótese, inclusive em razão de desligamento, retirada ou falecimento de associado ou membro da entidade;
Quanto às associações civis que receberam a outorga da qualificação de Organização da Sociedade Civil de Interesse Público – OSCIP – pelo Poder Executivo, em quaisquer de suas esferas, elas possuem a faculdade de remunerar seus dirigentes estatutários pelo menos desde 2002, quando foi editada a Lei n. 10.637, que tratou do assunto em dispositivo assim redigido:
Art. 34. A condição e a vedação estabelecidas, respectivamente, no art. 13, § 2o, III, b, da Lei no 9.249, de 26 de dezembro de 1995, e no art. 12, § 2o, a, da Lei no 9.532, de 10 de dezembro de 1997, não alcançam a hipótese de remuneração de dirigente, em decorrência de vínculo empregatício, pelas Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip), qualificadas segundo as normas estabelecidas na Lei no 9.790, de 23 de março de 1999, e pelas Organizações Sociais (OS), qualificadas consoante os dispositivos da Lei no 9.637, de 15 de maio de 1998.
Antes, em 1999, a Lei n. 9.790, que instituiu a qualificação de OSCIP, previa textualmente a possibilidade de remuneração dos dirigentes executivos da entidade.[30]
-
Vínculo jurídico do dirigente estatutário remunerado com a entidade
Apesar de os aspectos trabalhistas não serem objeto desta análise, devemos explorar, mesmo que superficialmente, qual seria o vínculo jurídico do dirigente estatutário para com a entidade.
Noutras palavras, indaga-se se o diretor estatutário deve ser contratado como empregado, com contrato sob a regência da Consolidação das leis do Trabalho – CLT -, ou pode sê-lo de outra forma.
A Lei n. 12.868/13 nada especifica sobre o assunto. Ao alterar o art. 29 da Lei n. 12.101/09, ela prevê a existência de vínculo empregatício entre a entidade e os diretores não estatutários, o que não é foco:
- 1oA exigência a que se refere o inciso I do caput não impede:
I – a remuneração aos diretores não estatutários que tenham vínculo empregatício;
A norma jurídica que rege as relações de trabalho é a Consolidação das Leis do Trabalho, editada em 1943, que traz a regra geral a ser observada.[31]
Porém, há alternativas à imposição da regra geral, dependendo do cotidiano que será estabelecido entre a instituição e os seus dirigentes estatutários e do seu relacionamento, a partir da aplicação do princípio da primazia da realidade.
Neste viés, nada impede que, ao invés da relação de emprego clássica, regida pela CLT, as partes firmem contrato de prestação de serviços, à luz do Código Civil[32], caso, por exemplo, os serviços sejam prestados em periodicidade menor do que 3 (três) dias por semana e ausente esteja a subordinação, de acordo com várias facetas e vertentes desta.
O caso concreto é que irá sugerir a forma jurídica ideal pela qual a relação jurídica deverá ser instrumentalizada.
-
Conclusão
Diante do cenário jurídico rapidamente traçado e a partir da análise do objetivo e da intenção do legislador trazidos ao mundo jurídico pela Lei n. 12.868/13 entendemos que a adoção da prática de remuneração de diretores estatutários, pelo exercício de tais atividades, por parte das entidades que possuem o CEBAS, não impede e nem coloca em risco a manutenção de referido certificado e nem a suspensão do gozo da imunidade tributária em relação a outros impostos, como o sobre a renda, por exemplo.
Para efeito de concessão ou manutenção do CEBAS conclui-se que:
- a) não há mais a necessidade de obtenção prévia do título de utilidade pública federal, nem estadual e nem municipal para a sua obtenção;
- b) é possível a remuneração da diretoria estatuária a partir do cumprimento dos requisitos estampados na Lei n. 12.101/09 e suas alterações, inclusive pela Lei n. 12.868/13, inclusive sem prejuízo do gozo da imunidade tributária;
- c) a redação do estatuto deve ser adaptada ao previsto na nova lei, se assim os associados decidirem. Invariável e historicamente, o estatuto das entidades sem fins lucrativos possuidora de títulos traz artigo que proíbe qualquer remuneração dos dirigentes estatutários. Portanto, a entidade que desejar se utilizar do novo permissivo legal deverá reformar o estatuto para inverter a previsão até então estampada, sob pena de não poder assim agir ou agir de forma ilegal, frente a previsão contrária ao pretendido;
- d) as normas jurídicas até então existentes que proibiam a remuneração da diretoria estatutária de entidades sem fins lucrativos e impediam o gozo livre da imunidade tributária caso a instituição procedesse de modo contrário foram alteradas por leis supervenientes que previram justamente tal hipótese, ou seja, a remuneração da diretoria estatutária sem que isso implique a perda do gozo da imunidade tributária;
- e) O Código Tributário Nacional, a Lei n. 9.532/97, o Decreto n. 3.100/99 e o atual entendimento da Secretaria da Receita Federal do Brasil não se constituem em impeditivos legais que possam ser invocados para não se remunerar os componentes da diretoria estatutária de uma entidade portadora do CEBAS.
- f) nenhum órgão, aí incluídos os Conselhos de Assistência Social municipais, estaduais e nacional, ou de qualquer outra representatividade, nem autoridades de quaisquer esferas, poderão editar normas jurídicas que contraponham a permissão contida na Lei n. 12.868/13, sob pena de ilegalidade, que poderá facilmente ser questionada no Poder Judiciário.
É claro, natural e histórico que a fiscalização, representada basicamente pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, pode questionar, criar obstáculos ou inventar “teses jurídicas” para tentar descaracterizar este beneplácito legal.
Entendemos, todavia, que o raciocínio aqui explanado encontra amparo na legislação abordada, o que não impede a alteração da conclusão, a partir de contextos eventualmente não contemplados.
TEIXEIRA, Josenir. Possibilidade legal de remuneração da Diretoria Estatutária de entidades sem fins lucrativos possuidoras de CEBAS.
Revista de Direito do Terceiro Setor – RDTS, Belo Horizonte, ano 8, n. 15, p. 9-28, jan/jun 2014.
[1] Lei n. 10.637 – Art. 34. A condição e a vedação estabelecidas, respectivamente, no art. 13, § 2o, III, b, da Lei no 9.249, de 26 de dezembro de 1995, e no art. 12, § 2o, a, da Lei no 9.532, de 10 de dezembro de 1997, não alcançam a hipótese de remuneração de dirigente, em decorrência de vínculo empregatício, pelas Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip), qualificadas segundo as normas estabelecidas na Lei no 9.790, de 23 de março de 1999, e pelas Organizações Sociais (OS), qualificadas consoante os dispositivos da Lei no 9.637, de 15 de maio de 1998.
[2] A remuneração deve ser considerada como custo ou despesa operacional. Pareceres Normativos ns. 18/85 e 11/92, do Coordenador do Sistema Tributário (CST).
[3] O fato de uma entidade possuir o CEBAS lhe dá direito a usufruir das “isenções” das contribuições sociais previstas nos artigos 22 e 23 da Lei n. 8.212/91, 150 e 195, da Constituição Federal, pelo menos até que o Supremo Tribunal Federal decida a questão de forma definitiva.
[4] Mensagem da Presidência da República n. 413, de 24.09.2013, publicada no DOE de 25.09.2013.
[5] Código Civil, Art. 53. Constituem-se as associações pela união de pessoas que se organizem para fins não econômicos.
[6] Diretoria é o órgão responsável pela gestão da organização e pela execução da vontade social, além de representar a entidade ativa e passivamente nos atos jurídicos e extrajudiciais. Tem a função de colocar em prática as diretrizes e metas estabelecidas pelo Conselho, executando a administração cotidiana da entidade. Autor: Luiz Carlos Merege/Revista Integração. MEREGE, Luiz Carlos, Márcia Moussallem (Organizadores). Dicionário do Terceiro Setor. São Paulo: Plêiade, 2011. p. 92
[7] Não é [a Diretoria], via de regra, órgão colegiado, na medida em que seus membros (diretores) têm funções estatutárias que devem individualmente cumprir com total responsabilidade pessoal pelos atos praticados no exercício dessas mesmas funções, independentemente do ônus da solidariedade, nos casos e circunstâncias previstos expressamente no estatuto. Embora não seja um órgão colegiado, também a lei vigente não impede que o estatuto possa determinar que algumas decisões sejam tomadas em reunião. Essas deliberações não desnaturam a responsabilidade individual dos diretores. Os diretores acumulam, no exercício de seus cargos, as funções de gestão e representação da associação, conforme o que dispuser para cada um deles o estatuto social. As reuniões da diretoria deverão ser consignadas em atas e lançadas em livro próprio, sendo que por se tratar de órgão da administração, cujas deliberações importam em responsabilidade individual dos diretores, não se admite ata sumária. Observe-se que se as deliberações da diretoria produzirem efeitos perante terceiros (v.g., nomeação de gerentes, mudança do local da sede da associação, celebração de financiamento etc.) deverão ser as respectivas atas arquivadas no Cartório de Registro de Títulos e Documentos. (sic) PAES, José Eduardo Sabo. Fundações, associações e entidades de interesse social: aspectos jurídicos, administrativos, contábeis, trabalhistas e tributários. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p.139 e 140.
[8] Lei 9.532/97 – Art. 12. […] § 3° Considera-se entidade sem fins lucrativos a que não apresente superávit em suas contas ou, caso o apresente em determinado exercício, destine referido resultado, integralmente, à manutenção e ao desenvolvimento dos seus objetivos sociais. […]
[9] Orientação neste sentido existia desde 1996, conforme consta do Parecer n. 639/96 da Consultoria Jurídica do (então) Ministério da Previdência e Assistência Social, assim ementado: “Resposta à Consulta do Exmo. Presidente do Conselho de Recursos da Previdência Social. Exegese do artigo 55, inciso IV da Lei de Custeio (Lei 8.212/91) no que se refere a não percepção por seus dirigentes ou instituidores de remuneração em harmonia como art. 5º, inciso XIII da Lei Magna que se refere à liberdade de profissão. Necessidade de harmonização de dois bens jurídicos relevantes. A interpretação a ser dada ao art. 55, inciso IV indica a impossibilidade de cassação e não concessão de isenção pelo fato do dirigente ser remunerado por atividade não estatutária.” In TEIXEIRA, Josenir. Anotações sobre as alterações produzidas pela Lei nº 12.868/13 na concessão ou renovação do CEBAS. Revista de Direito do Terceiro Setor – RDTS, Belo Horizonte, ano 7, n. 14, p. 51-70, jul/dez 2013. p. 59.
[10] I – a remuneração aos diretores não estatutários que tenham vínculo empregatício;
[11] § 1o A exigência a que se refere o inciso I do caput não impede: […]
[12] § 3o O disposto nos §§ 1o e 2o não impede a remuneração da pessoa do dirigente estatutário ou diretor que, cumulativamente, tenha vínculo estatutário e empregatício, exceto se houver incompatibilidade de jornadas de trabalho.
[13] II – a remuneração aos dirigentes estatutários, desde que recebam remuneração inferior, em seu valor bruto, a 70% (setenta por cento) do limite estabelecido para a remuneração de servidores do Poder Executivo federal.
[14] Disponível em http://www.portaldatransparencia.gov.br/servidores/Servidor-DetalhaRemuneracao.asp?Op=2&IdServidor=1806350&CodOrgao=20101&CodOS=20101&bInformacaoFinanceira=True. Acesso em 23 jan 2014, 17h00.
[15] I – nenhum dirigente remunerado poderá ser cônjuge ou parente até 3o (terceiro) grau, inclusive afim, de instituidores, sócios, diretores, conselheiros, benfeitores ou equivalentes da instituição de que trata o caput deste artigo;
[16] § 2o A remuneração dos dirigentes estatutários referidos no inciso II do § 1o deverá obedecer às seguintes condições: […]
[17] II – o total pago a título de remuneração para dirigentes, pelo exercício das atribuições estatutárias, deve ser inferior a 5 (cinco) vezes o valor correspondente ao limite individual estabelecido neste parágrafo.
[18] § 3o O disposto nos §§ 1o e 2o não impede a remuneração da pessoa do dirigente estatutário ou diretor que, cumulativamente, tenha vínculo estatutário e empregatício, exceto se houver incompatibilidade de jornadas de trabalho.
[19] Art. 29. A entidade beneficente certificada na forma do Capítulo II fará jus à isenção do pagamento das contribuições de que tratam os arts. 22 e 23 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, desde que atenda, cumulativamente, aos seguintes requisitos: […] II – aplique suas rendas, seus recursos e eventual superávit integralmente no território nacional, na manutenção e desenvolvimento de seus objetivos institucionais; […] IV – mantenha escrituração contábil regular que registre as receitas e despesas, bem como a aplicação em gratuidade de forma segregada, em consonância com as normas emanadas do Conselho Federal de Contabilidade; V – não distribua resultados, dividendos, bonificações, participações ou parcelas do seu patrimônio, sob qualquer forma ou pretexto; […]
[20] Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa 2.0
[21] Idem.
[22] Remuneração e distribuição de lucros ou de participação nos resultados não se confundem. Ministério da Fazenda – Secretaria da Receita Federal. Solução de Consulta nº 140, de 25 de outubro de 2007.
[23] Supremo Tribunal Federal, ADI 1802 MC / DF – Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade, Relator Min. Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno, j. 27.08.1998, p. DJ 13.02.2004.
[24] TRF 3, Apelação Cível 40871 SP 2006.03.99.040871-1, p. 21/11/2007. “Processual civil e tributário. Embargos à execução fiscal. Apelação que se reporta aos argumentos trazidos na inicial. Não conhecimento. Revogação de isenção à entidade de assistência social sem fins lucrativos, constatada em regular procedimento fiscal a remuneração a seu dirigente no exercício da administração (art. 130, I, do RIR/80). 1. […] 2. A presente cobrança decorre de revogação de isenção à entidade de assistência social sem fins lucrativos, por remunerar o seu dirigente no exercício da administração, em infração ao requisito previsto no art. 130, I, do RIR/80. 3. […] 4. Cabia à embargante o ônus da prova da desconstituição da dívida ativa por ocasião da interposição dos embargos, demonstrando de forma inequívoca que não houve a remuneração a seu dirigente.5. A prova pericial produzida no processo 1.032/86, fls. 18/20, não revela se os honorários pagos ao Dr. José Mário Pereira Lima, em razão da “assistência a sócios”, o foram exclusivamente como consultas médicas, na condição de autônomo, até porque, como bem salientado na r. sentença, “as atribuições do 1º Provedor, segundo o estatuto, alcançam inúmeras atividades que envolvem, necessariamente, atendimento a doentes (sócios) do hospital”. 6. Ademais, não se prestou a apelante a refutar a r. sentença no tocante à previsão contida no art. 16, III, a, de seu estatuto, no que respeita à impossibilidade do 1º Provedor exercer a função de médico, mesmo que em caráter autônomo. 7. O requisito legal de ausência de remuneração de sua diretoria, para a isenção do IRPJ, foi transgredido pela ora apelante, devendo ser mantida a r. sentença de improcedência dos embargos. 8. Conhecimento parcial da apelação e, no que conhecida, improvida.”
[25] Constituição Federal, Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: […] IV – sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução;
[26] Neste sentido, cita-se a decisão do Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial n. 1.199.114, p. 08.09.2010.
[27] Supremo Tribunal Federal, Recurso Extraordinário n. 389.808, Relator min. Marco Aurélio, j. 15.12.2010.
[28] Lei n. 9.637/98.
[29] TEIXEIRA, Josenir. A indevida utilização da formação do Conselho de Administração das Organizações Sociais federais pelos Estados e Municípios. Revista de Direito do Terceiro Setor – RDTS, Belo Horizonte, ano 6, n. 12, p. 125-153, jul./dez. 2012.
[30] Lei n. 9.790/99, Art. 4o Atendido o disposto no art. 3o, exige-se ainda, para qualificarem-se como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, que as pessoas jurídicas interessadas sejam regidas por estatutos cujas normas expressamente disponham sobre: […] VI – a possibilidade de se instituir remuneração para os dirigentes da entidade que atuem efetivamente na gestão executiva e para aqueles que a ela prestam serviços específicos, respeitados, em ambos os casos, os valores praticados pelo mercado, na região correspondente a sua área de atuação;
[31] CLT, Art. 3º – Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.
[32] Código Civil – Lei n. 10.406/02, Art. 593. A prestação de serviço, que não estiver sujeita às leis trabalhistas ou a lei especial, reger-se-á pelas disposições deste Capítulo.
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