Quem decide salvar um paciente e matar outro? O médico ou o hospital? Há critérios para se fazer essa escolha? Não, não há critérios e quem decide é o médico. Não deveria ser assim, mas é. A sociedade nunca discutiu com profundidade e nem decidiu como isso seria feito, mesmo sabendo que mais cedo ou mais tarde este momento chegaria. Como nunca se estabeleceu critérios, durante a pandemia e com todas as pressões possíveis, as escolhas estão sendo feitas por quem, a rigor, não deveria fazê-la: o médico. É ele quem manda um paciente para o respirador ou UTI, enquanto o outro fica na maca ou no leito à espera da morte. É responsabilidade para a qual não foi preparado, mas que ele decide. E nem há tempo de se anotar no prontuário do paciente. E se houvesse tempo, o que ele anotaria? Que decidiu mandar o paciente mais jovem para a UTI em detrimento do mais idoso por questão darwinista? Como o promotor, o juiz e os seus pares analisariam essa anotação? O médico seria crucificado por todos, perderia sua carteira profissional, seria condenado por homicídio e a pagar indenização à família. Por isso ele não anota, apesar de decidir situações assim todo dia. Esta é apenas uma faceta da nossa hipocrisia, que elegeu o médico como o executor da pena de morte que o sistema o obrigou a decidir.