Para todo problema complexo existe sempre uma solução simples, elegante e completamente errada. (H. L. Mencken) Se isso já acontecia em épocas normais, durante a extraordinariedade da pandemia a situação se potencializou. Há alguns dias alguém me ligou dizendo que sua irmã precisava ser removida para uma UTI por causa da Covid 19. Não havia vaga no hospital público e a família levou a paciente para hospital privado e a pessoa queria que eu ajuizasse ação contra o município para obrigá-lo a pagar pela internação, que se deu em caráter particular. Vi que a pessoa estava ofegante e vivenciando o problema no momento da ligação. Expliquei que haveria dificuldade de sucesso em processo com essas características não só pela situação da pandemia, mas também porque a família fez a internação em caráter particular, sem ter possibilitado a realização da regulação pelo município. É claro que ela não entendeu os detalhes técnico-jurídicos impeditivos que mencionei e encerramos a conversa. Em 29.03.2021, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) orientou a todos os juízes brasileiros a atuar na pandemia da Covid-19 de forma a fortalecer o sistema brasileiro de saúde e a preservar a vida com observância da isonomia e dos preceitos vinculados pela LINDB (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro), devendo eles observar algumas diretrizes. (Recomendação n. 92) Uma dessas diretrizes (art. 1º, IV) é no sentido que os juízes evitem, “na medida do possível, a realização de intimações com a fixação de sanções pessoais, como a de multa e de prisão, dirigidas aos gestores da Administração Pública do Ministério da Saúde e das Secretarias de Saúde Estaduais, do Distrito Federal e Municipais, assim como a imposição de multas processuais aos entes públicos e o bloqueio judicial de verbas públicas, notadamente nas situações em que haja elevada probabilidade de, em curto prazo, impossível cumprimento da obrigação contida na medida judicial, em virtude da ampla e reconhecida escassez de recursos, por exemplo, de leitos, de oxigênio e de vacinas.” Sem dúvida que a situação é difícil e excepcional e as soluções não são fáceis de se encontrar. Se a Recomendação está certa na sua orientação, por outro lado ela deixa órfãs as pessoas que buscam no Judiciário a sua última esperança para continuar a viver. Outro lado ainda a ser considerado é a inutilidade de liminar que manda o paciente ser internado num leito que não existe e punir com multa e prisão quem não conseguiu disponibilizá-lo para a população diante da escassez de vários tipos de recursos. É árduo definir um lado, pois a Recomendação do CNJ está certa e errada ao mesmo tempo, dependendo do olhar do interessado na solução do seu problema pessoal. Temos que ver as consequências práticas da aplicação dessa Recomendação pelos juízes, analisar os resultados e calibrá-la de acordo com a situação pandêmica que vivemos há um ano. Publicado em 29.03.2021