Capriche na análise dos contratos hospitalares
Cena: no corredor do hospital, o administrador e o advogado se encontram. O primeiro entrega documento ao segundo e fala: – dá uma olhadinha?
O advogado folheia as quinze páginas rapidamente e diz, ironicamente: – o contrato é bonitinho. Está em papel A 4, digitado. Está tudo bem.
O administrador, espantado, pergunta: – mas você já analisou o contrato?
O advogado retruca: – ah! você quer que eu “analise” o contrato? Isso é diferente de “dar uma olhadinha”, no corredor. “Analisar” o contrato, continua o advogado, significa eu ir para minha sala, lê-lo linha por linha, cláusula por cláusula, fazer exercício de inteligência sobre elas, verificar os aspectos macros, a eficácia dele para a intenção do hospital, a verificação da legislação, da doutrina e da jurisprudência acerca daquela relação jurídica que se pretende estabelecer, tudo isso visando trazer segurança jurídica ao estabelecimento de saúde.
O encontro acima relatado é comum nos hospitais. A resposta do advogado, nem tanto, infelizmente. Qualquer negociação se inicia por meio de proposta de prestação de serviços, de preço ou algo que o valha. E isso pode ser feito por fax, e-mail ou qualquer outra forma moderna de comunicação. Normalmente, a negociação da proposta evolui para apresentação da minuta do contrato. Às vezes, a própria proposta se “transforma” no único documento que irá reger o relacionamento jurídico entre as partes. Nem sempre a proposta ou a minuta padrão, desassociada da realidade, serve para tal fim, o que deixa as partes expostas e com prejuízo.
Não é raro as pessoas se aterem ao conteúdo do contrato somente quando a relação jurídica entre as partes estiver degringolada, prestes a partir para o Judiciário para fazerem valer seus famosos “direitos”, esquecendo-se de que também há “deveres” a serem cumpridos.
Nesse momento, invariavelmente, as partes se “surpreendem” e se perguntam: – mas isso não estava previsto no contrato? Onde está escrito que o prestador de serviços era obrigado a fazer aquilo, no tempo e formas que combinamos? Não está escrito. Ficou só “na palavra”, na confiança, ou alguém pediu para outro alguém “ver” isso e esse alguém não viu. O serviço começou a ser prestado e ninguém mais se “interessou” pela conferência da efetiva formalização da relação jurídica que foi estabelecida entre as partes. Quando isso acontece, realmente, as pessoas são “surpreendidas” pela inexistência daquilo pelo que são responsáveis. Nem sempre há conserto.
Enquanto estava tudo bem, ninguém se interessava ou preocupava com o conteúdo do contrato. Na primeira discussão ou entrevero, aquele documento, renegado e elaborado sem o detimento adequado, se torna imprestável justamente para o fim a que se destina: trazer segurança jurídica às partes, no significado mais amplo que esta expressão significa.
De quem é a responsabilidade pelo contrato?
Um contrato a ser elaborado por um hospital não é “problema do advogado”, como muitos o rotulam. Um contrato bem elaborado, claro, objetivo, que registre efetivamente todas as obrigações a serem cumpridas por ambas as partes, sem rodeios, subterfúgios ou redações subjetivas que dão margem a discussões e interpretações intermináveis, inclusive no Judiciário, é o resultado que se espera e que deve ser assegurado pelo administrador do estabelecimento hospitalar. Cabe ao administrador, autoridade máxima e responsável por tudo o que acontece dentro de um hospital, zelar para a qualidade e segurança que seus contratos trazem para seu contratante ou empregador.
É o administrador que deve prestar contas de sua gestão e resultados ao seu superior: a diretoria ou proprietário do hospital. Basta ler os artigos 653 a 674 do Código Civil. O Código de Ética Profissional do Administrador (Resoluções nºs. 253/01 e 264/02 do Conselho Federal de Administração) também traz diversas determinações neste sentido, inclusive sob pena de sua responsabilização disciplinar, na hipótese de infringência.
Deve o administrador, para atingir seu objetivo a contento, cercar-se de profissionais especializados que o assessorem nas diversas áreas multidisciplinares para que sua gestão tenha êxito e traga ao seu empregador/superior o retorno do investimento que fez na contratação daquela mão-de-obra qualificada.
O administrador não deve terceirizar suas obrigações e responsabilidades. Utilize o advogado de forma racional e inteligente e extraia dele exatamente o que ele lhe pode oferecer: assessoria especializada para orientar sobre as precauções a serem adotadas para trazer segurança aos relacionamentos do hospital com terceiros.
Cabe ao administrador conversar com o advogado e lhe explicar detalhadamente as necessidades do hospital que justificam aquela contratação, o que ele espera que a empresa a ser contratada faça, em qual tempo, com qual nível de qualidade, quais os critérios objetivos que devem ser estipulados para a aferição desta e todas as demais características e circunstâncias que envolvem a intenção de se firmar aquela relação jurídica.
Somente assim, sem adivinhações ou achismos, o advogado conseguirá elaborar o documento adequado para que a gestão do administrador seja exitosa.
O advogado é assessor técnico-jurídico do administrador e não o seu muro de lamentações. E ambos trabalham para um só patrão, em conjunto e em parceria: o paciente, em última análise. Tais profissionais não são inimigos. Nem sempre precisam ser amigos. Basta ser profissionais.
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Escrito em 26.02.2009
Josenir Teixeira
Advogado, Mestre em Direito Privado
jt@jteixeira.com.br