Sumário: 1. O modelo de gestão via organizações sociais. 2. Ignorância sobre o modelo e forma de composição do valor dos contratos de gestão. 3. Não remuneração das organizações sociais. 4. Limitação dos serviços geridos pelas organizações sociais
A saúde não tem preço, mas tem custo. Essa máxima é absolutamente verdadeira, renegada e ignorada pelos incautos e mal-intencionados, que preferem bater numa tecla desafinada e estúpida que não se coaduna com a realidade.
Preferem os ingênuos, imbuídos de má-fé e com intenções várias, todas distantes e diferentes daquela de ajudar a população, pinçar informações desassociadas do contexto e divulgar patacoada caluniosa para turvar a verdade e provocar a ira nos desavisados ou não familiarizados com o modelo de gestão utilizado pelos entes políticos quando firmam parceria com as entidades sem fins lucrativos qualificadas como organizações sociais por eles mesmos.
1. O modelo de gestão via organizações sociais
Não há nenhum modelo de gestão de unidades públicas de saúde que seja melhor do que a parceria entre os entes políticos e as organizações sociais.
A gestão direta do poder público não é mais adequada que aquele modelo. A feita pela administração indireta – por meio de autarquias, fundações públicas de direito público, fundações públicas de direito privado, empresas públicas e sociedades de economia mista – não é melhor. Os consórcios públicos não são preferíveis e as PPP – Parcerias Público-Privadas – não são mais eficazes que a gestão por intermédio das organizações sociais. E nem há tantos números disponíveis para comparação, pois a maioria dos entes políticos estaduais e municipais adota a parceria com as organizações sociais justamente porque as demais opções não possuem aptidões melhores.
É claro que o modelo de parceria do poder público com as organizações sociais contém imperfeições e precisa ser constantemente aprimorado, tendo ele evoluído bastante ao longo dos últimos vinte anos, quando foi implementado pelo estado de São Paulo com a lei n. 846, editada pelo governador Mário Covas em 04 de junho de 1998, pouco mais de vinte dias após a edição da lei federal n. 9.637/98, em 15 de maio daquele ano.
As notícias recentes sobre desvios de recursos públicos por meio de entidades desonestas qualificadas como organizações sociais – ao que tudo indica – demonstram atos que são praticados por pessoas não comprometidas com a finalidade do modelo e que poderiam adotar tal postura em qualquer outro nicho de mercado. Infelizmente, elas atuavam no terceiro setor e mais especificamente com as organizações sociais, fragilidade que não se constitui em privilégio destas.
Apesar do volume de acusações contra algumas organizações sociais, ele é muito menor do que o sucesso atingido por várias outras entidades assim qualificadas e que estão atuando há décadas em vários estados e municípios. Mas esse ótimo desempenho não interessa à mídia imediatista, que prefere destacar – e cobrir – operações policiais que são bem mais espetaculares e interessantes ao grande público, sedento por pão e circo desde a idade média.
São centenas os serviços de saúde gerenciados por organizações sociais no estado de São Paulo, por exemplo, por meio de contrato de gestão, e incluem Hospitais, Ambulatórios Médicos de Especialidade (AME), Centro de Referência do Idoso (CRI), Unidades da Rede de Reabilitação Lucy Montoro, Centros Estaduais de Análises Clínicas (CEAC), Serviços de Diagnóstico por Imagem (SEDI), Centro de Armazenamento e Distribuição de Insumos de Saúde (CEADIS) e a operacionalização da Central de Regulação de Ofertas de Serviços de Saúde (CROSS).
Anualmente, o valor de repasse de tal estado para as entidades pagarem as despesas do atendimento da população na área da saúde é da ordem de R$ 5 bilhões. E assim funciona muito bem há exatos vinte anos, desde quando o modelo foi implantado no Hospital Geral de Pedreira, localizado na zona sul da capital de São Paulo, que já foi administrado por três organizações sociais diferentes desde então.
O modelo de gestão de unidades públicas de saúde não é exitoso em outros lugares em razão de diversos fatores pontuais, sendo o principal deles o descumprimento sistemático de cláusulas do contrato de gestão por parte dos entes políticos que não repassam os valores de forma tempestiva e integral às entidades para que elas quitem os compromissos assumidos com terceiros (fornecedores, médicos, enfermagem, pessoal de apoio, impostos, logística etc.) em razão das obrigações assumidas por ela em decorrência da vigência daquele instrumento jurídico.
O estado de São Paulo se mostra cumpridor assíduo das suas obrigações contratuais há vinte anos. O estado de Goiás, que até então também assim se portava, passou a descumprir o contrato de gestão firmado com as organizações sociais no final de 2018, em razão do apagão financeiro que afetou os seus cofres, o que comprometerá seriamente o desenvolvimento do modelo daqui por diante, talvez até o inviabilizando. Este é um dos exemplos, de vários disponíveis para estudo.
A partir do descumprimento dos contratos de gestão, os entes políticos, invariavelmente, promovem a odiosa intervenção nas unidades de saúde – e às vezes na própria gerenciadora dela – para enganar a população, arrumar um culpado pelas mazelas do atendimento da saúde e tentar disfarçar a incompetência no cumprimento das suas obrigações constitucionais criando nuvem de fumaça no assunto para engambelar os não tão atentos aos detalhes. Mas isso é outra história e não é o viés que se pretende dar a este breve comentário.
2. Ignorância sobre o modelo e forma de composição
do valor dos contratos de gestão
Quero externar minha indignação com o desconhecimento técnico a respeito do assunto apresentado – e escrito – por algumas autoridades que insinuam, sem nenhum pudor, que as organizações sociais que firmam contratos de gestão com entes políticos recebem quantias “milionárias”, sugerindo que, com isso, elas atrairiam para si a responsabilidade de substituir os estados e municípios no cumprimento das suas obrigações constitucionais de disponibilizar saúde à população.
Não é assim que o modelo funciona. Isso simplesmente não acontece e é mentira deslavada, fruto de desconhecimento jurídico e gerencial do modelo e quiçá de interesses não republicanos, políticos ou sabe-se lá o que seja. Posicionamentos assim visam incutir na população e nas demais autoridades, inclusive do judiciário, sentimento contrário às organizações sociais, como se elas fossem todas igualmente corruptas, responsáveis e culpadas por tudo de ruim que acontece na área da saúde neste país.
Isso não é verdade. Trata-se de mantra falado despudoradamente a cântaros e que compõe campanha orquestrada para desestabilizar modelo que vem dando certo há décadas e que contraria interesses de várias pessoas – físicas e jurídicas – que mamavam em tetas que normalmente são extirpadas pela gestão profissionalizada das entidades e que, também, perderam influência junto aos seus pares, que era exercida por meio de abominável política de cabresto comum no passado, mas que não encontra respaldo nos relacionamentos modernos e claros de hoje em dia.
O contrato de gestão é o instrumento jurídico firmado entre os entes políticos e as entidades sem fins lucrativos qualificadas como organizações sociais que contém escritos nele, um a um, todos os direitos e obrigações de ambas as partes.
Normalmente, os anexos técnicos a tal instrumento reúnem todas as metas quantitativas e qualitativas que deverão obrigatoriamente ser alcançadas pelo parceiro privado, sob pena de aplicação das punições também ali previstas, inclusive a rescisão do relacionamento jurídico, se a entidade gestora não for capaz de entregar a encomenda feita pelo poder público da forma prevista e desejada.
O valor mensal a ser repassado pelos entes políticos às organizações sociais, constante da respectiva cláusula inserida no contrato de gestão, representa o total das despesas a serem geradas para se atingir as metas pactuadas e previstas em tal instrumento jurídico. E que devem ser pagas pelas entidades, pois contraídas em nome dela, o que é decorrência natural de tal modelo gerencial, sendo que o valor para isso deve ser disponibilizado exclusivamente pelo poder público parceiro.
Nenhum centavo deve ser repassado a mais ou a menos pelos entes políticos às organizações sociais e estas não podem gerar despesas maiores nem menores do que as constantes da proposta técnico-financeira que foi apresentada durante o processo administrativo de chamamento público instaurado pela administração, do qual uma delas foi a vencedora.
É medição. As despesas geradas com a infraestrutura e pessoal para possibilitar o atendimento da população da forma prevista no contrato de gestão são pagas pelos entes políticos parceiros por meio das entidades privadas, que criam filiais específicas para tal fim, utilizam-se de contas bancárias próprias, registram tudo em contabilidade segregada e prestam contas mensalmente da sua atuação. É essa a tônica do modelo.
E é justamente por isso que sempre defendo o fechamento ou a paralização do funcionamento da unidade de saúde quando o parceiro público não repassa às organizações sociais o valor mensal integral e tempestivo, conforme combinado no contrato de gestão, já que essa é a essência do modelo e diante do fato de que a unidade de saúde é pública, os recursos são públicos, os pacientes são os cidadãos, o risco do negócio não é das entidades privadas e elas não possuem capital de giro nem dinheiro próprio para suportar a realização de atividades dirigidas ao atendimento da saúde da população, cuja responsabilidade cabe exclusivamente ao poder público por mandamento constitucional (art. 196).
E a parceria entabulada por meio desse modelo de gestão não muda nem descaracteriza absolutamente nada disso e não realoca competências nem responsabilidades.
Luiz Fux, ministro do Supremo Tribunal Federal, reafirmou isso na ementa da ADIN 1.923, que transitou em julgado em 2016:
6. A finalidade de fomento, in casu, é posta em prática pela cessão de recursos, bens e pessoal da Administração Pública para as entidades privadas, após a celebração de contrato de gestão, o que viabilizará o direcionamento, pelo Poder Público, da atuação do particular em consonância com o interesse público, através da inserção de metas e de resultados a serem alcançados, sem que isso configure qualquer forma de renúncia aos deveres constitucionais de atuação.
7. Na essência, preside a execução deste programa de ação institucional a lógica, que prevaleceu no jogo democrático, de que a atuação privada pode ser mais eficiente do que a pública em determinados domínios, dada a agilidade e a flexibilidade que marcam o regime de direito privado.
Há lógica quando se lê isso em conjunto com o Decreto-Lei n. 200, editado há cinquenta e dois anos, em 1967, que prevê:
Art. 10. A execução das atividades da Administração Federal deverá ser amplamente descentralizada.
[…]
§ 7º Para melhor desincumbir-se das tarefas de planejamento, coordenação, supervisão e controle e com o objetivo de impedir o crescimento desmesurado da máquina administrativa, a Administração procurará desobrigar-se da realização material de tarefas executivas, recorrendo, sempre que possível, à execução indireta, mediante contrato, desde que exista, na área, iniciativa privada suficientemente desenvolvida e capacitada a desempenhar os encargos de execução.
Os anexos técnicos do contrato de gestão sempre trazem, obrigatoriamente, a relação de todos os serviços específicos a serem desenvolvidos pela parceira privada na unidade de saúde, levando em consideração e limitando sua atuação em razão da capacidade instalada e da resolutividade específicas dela.
E foram exatamente esses serviços, os seus números e as suas quantidades – que constaram da especificação trazida pelo edital publicado pelo ente político -, que foram mensurados e valorados pelas entidades quando elaboraram a sua proposta técnico-financeira para participar do chamamento público.
Os números que compõem o preço dos contratos de gestão – que deram origem às metas físicas – não saem aleatoriamente da cabeça dos dirigentes das organizações sociais e nem são pensados, estimados, inventados ou fabricados sem critérios objetivos como se dependessem unicamente da vontade do particular.
Os valores mensais a serem repassados pelos entes políticos às organizações sociais se originam do somatório das despesas estimadas pelas entidades a partir dos serviços a serem executados que constam textualmente dos editais redigidos e publicados pelos governos municipais e estaduais que escolhem, dentre todas as propostas apresentadas pelas várias entidades concorrentes, aquela que, na visão dos representantes da administração pública, melhor representa o binômio técnica/preço.
Os valores dos contratos de gestão vão variar de acordo com o tamanho da unidade de saúde a ser gerida em parceria entre o poder público e a entidade privada. Se for uma UPA (Unidade de Pronto Atendimento) de porte 1, por exemplo, com 4.000 atendimentos/mês, o custo mensal dela girará em torno de R$750 mil e o anual será de algo próximo a R$9 milhões. Se for um hospital com 300 leitos, com várias especialidades, UTI e porta aberta de pronto-socorro, seu custo mensal será em torno de R$13,5 milhões, o que implicará numa despesa anual total de R$162 milhões.
Os valores são milionários, quanto à sua análise numérica, unicamente porque o atendimento da população gera despesas também milionárias. E isso não tem nenhuma interferência, culpa, nem ingerência das organizações sociais, que administram unidades de saúde de qualquer tamanho e complexidade. É mera questão de dimensionamento.
Não são as organizações sociais que escolhem os serviços que quer atuar em parceria com o poder público; estes é que oferecem à sociedade, por intermédio da publicação de editais em seus diários oficiais, as unidades de saúde que possuem e em relação às quais desejam firmar parceria com entidades privadas para o seu gerenciamento.
Quem estipula os serviços a serem realizados e disponibiliza a estrutura física e a infraestrutura existente é o ente político, a partir dos termos de cessão (de pessoal, de patrimônio imobiliário, de veículos, de móveis etc.) elaborados exclusivamente por ele e que são assinados concomitantemente aos contratos de gestão.
Mas há pessoas que insistem em não entender – ou não querer entender – essa ordem dinâmica das coisas, pois retiraria delas a matéria-prima da crítica desarrazoada e oportunista bancada por interesses corporativos e políticos.
3. Não remuneração das organizações sociais
E o mais inimaginável vem agora: as organizações sociais não podem e não são remuneradas pelas atividades administrativas que desenvolve como suas obrigações constantes do contrato de gestão. Elas não recebem valores específicos pela verdadeira prestação de serviços que fazem quando desenvolvem suas atividades gerenciais.
Sou absolutamente contra essa postura cínica e conveniente dos governos e externei minha opinião algumas vezes nesse sentido, a última delas por meio do artigo intitulado “A ojeriza à taxa de administração e a possibilidade de pagamento de custos indiretos das entidades sem fins lucrativos pelo poder público”, publicado em agosto de 2018 no site www.jteixeira.com.br.
O que os contratos de gestão normalmente preveem é a possibilidade de as entidades realizarem rateio das despesas da sua infraestrutura de gestão pelas filiais que administra, a partir de critério administrativo-gerencial-
Veja-se, por exemplo, a previsão da Resolução SS 116/12, da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo nesse sentido:
Artigo 1º – Fica vedada, no âmbito da Pasta, a retenção de valores, à título de taxas de administração, ou assemelhadas, dos repasses financeiros devidos, às Organizações Sociais de Saúde, em função da execução de contratos de gestão, sejam aqueles destinados ao custeio ou a investimentos.
[…]
Artigo 2º – Na hipótese de concentração, pela Organização Social de Saúde, de parte dos serviços gerenciais em suporte técnico direto à Administração, vinculado ao contrato de gestão, será admitida a cobrança por rateio, para cada contrato, condicionada à demonstração contábil-financeira da despesa operacional.
A Resolução SES n. 1.557/17, da Secretaria Estadual de Saúde do Rio de Janeiro, vai no mesmo sentido do acima afirmado, e prevê:
Art. 1º. As despesas classificadas como rateio da sede das Organizações Sociais de Saúde ficam limitadas a 3% do valor mensal do contrato de gestão.
[…]
§ As despesas rateadas entre dois ou mais contratos de gestão devem ter seus valores custeados de forma proporcional, tendo como parâmetro a razão entre o número de colaboradores vinculados a cada contrato e a totalidade dos colaboradores da Organização Social de Saúde.
4. Limitação dos serviços geridos pelas organizações sociais
É claro, óbvio e evidente – deveria ser, pelo menos – que não se pode exigir das entidades parceiras nenhum serviço ou atividade que não conste expressamente dos instrumentos que norteiam a relação jurídica firmada entre elas e o poder público.
E é assim porque a encomenda feita pelo parceiro público sempre é específica e determinada e é a esse chamado, retratado no edital, que as entidades interessadas atendem, se oferecem, valoram e estimam as suas atividades, o que fica escrito com todas as letras e também nas planilhas inseridas no contrato de gestão e em seus anexos técnicos.
Ora, se é assim – e é – com base em qual argumento, entendimento ou seja lá o que for que autoridades se julgam no direito de querer exigir das entidades privadas parceiras atividades ou serviços que não constam do contrato de gestão e seus anexos e que, consequentemente, não foram orçados e o respectivo repasse das despesas não foi feito pelo parceiro público?
Tais procedimentos transparecem desconhecimento da relação jurídica estabelecida entre as entidades e os entes públicos, do modelo, dos contratos de gestão, da legislação e da jurisprudência incidente que norteia o assunto.
Posturas assim nada mais são do que fruto decorrente da clara tentativa de desmoralização do modelo frente a autoridades judiciárias e à população, fincada na mais retrógrada ideologização de assunto que não merece esse tipo de atitude, pois cuida de cuidar, manter e salvar vidas, o que é impedido a partir de posicionamentos ultrapassados há muito, mas que pessoas nefastas insistem em desenterrar de vez em quando.
Vi recentemente numa ação judicial a inclusão no seu polo passivo, como ré, de uma entidade qualificada como organização social e a imputação a ela da pretensa obrigação de contratar transporte aéreo particular, em aeronave provida de UTI, para transferência de paciente de um hospital para outro.
E isso com base numa afirmação mesquinha de que, por ela possuir contrato “milionário” com o ente político, isso nada mais seria do que a sua obrigação, insinuação clara de que as entidades receberiam valores além dos que seriam necessários, num devaneio mental de quem não conhece os passos aqui delineados e nunca viu um processo administrativo público de seleção.
A afirmação é tão surreal e desprovida de fundamento jurídico e de bom senso que é até difícil comentá-la, dada à sua infantilidade e fragilidade, decorrente do absoluto desconhecimento técnico do acusador do que seja a parceria e de tudo o mais que gravita em torno dela. É postura assustadora.
E mais ainda: desconhece o acusador de decisões judiciais do Tribunal de Justiça do estado no qual atua (e de vários outros) no sentido de afirmar que tal obrigação não à entidade privada, mas sim aos entes políticos estadual, municipal e federal, a quem a Constituição obrigou a assim se portar em relação aos cidadãos e a identificar que as ações das organizações sociais encontram limitador nos contornos estabelecidos pelo contrato de gestão e seus anexos.
E mais espantoso e aterrorizador ainda é constatar que o juiz determinou que a organização social procedesse da forma pretendida indevidamente pelo acusador, mesmo que desassociada e inexistente no rol de obrigações constantes do contrato de gestão firmado com o parceiro público.
Bastaria a tais autoridades gastar um tempinho na internet para encontrar centenas de julgados que tratam da impossibilidade de repassar a entidades privadas, solidariamente, obrigações que genuinamente são da competência dos governos. Eis algumas decisões nesse sentido, de várias:
[…] A Constituição Federal de 1988, nos artigos 5º e 196, prevê que o direito à vida e à saúde são garantias fundamentais de todo o ser humano e dever do Estado de prestá-la. A responsabilidade pela saúde pública é, portanto, uma obrigação do Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira. No caso, o agravante não detém legitimidade para responder a demanda, porquanto a responsabilidade no atendimento à saúde recai, solidariamente, ao Poder Público. (TJ/PA)
[…] A responsabilidade no atendimento à saúde recai à União, Estados e/ou Municípios, de forma solidária, não possuindo o nosocômio obrigação na transferência, transporte e atendimento médico necessitado pelo paciente. Ilegitimidade passiva reconhecida. (TJ/RS)
[…] 1) Entendo que a responsabilidade de transporte e internação dos cidadãos brasileiros menos favorecidos é do poder público e não do hospital, ainda que este seja credenciado junto ao Sistema Único De Saúde 2) O Estado do Rio Grande do Sul, juntamente com o Município de Viamão, é parte legítima para figurar no pólo passivo em demanda em que alguém pleiteia o fornecimento de medicamentos, tratamentos e/ou exames uma vez que há obrigação solidária entre a União, Estados e Municípios. (TJ/RS)
[…] A responsabilidade pelas políticas sociais e econômicas visando a garantia e o cuidado com a saúde incumbe ao Estado, em suas três esferas (municipal, estadual e federal). Há solidariedade entre os entes federativos, podendo a parte autora demandar em face de qualquer um deles. A distribuição interna de competência no Sistema Único de Saúde não afasta a responsabilidade solidária dos entes públicos. Precedentes do STJ e do TJRS. […] O Hospital demandado não é parte legítima para compor o polo passivo da presente lide, uma vez que não se trata de ente público, mas sim instituição privada, não se podendo expandir a interpretação conferida ao art. 196 da CF, que imputa ao Estado a responsabilidade de prover a saúde. (TJ/RS)
O desconhecimento da autoridade do que seja o modelo de parceria entre o poder público e as organizações sociais é atestado por ela mesma, que escreveu na petição que os valores expressivos recebidos pela entidade têm crescido ano após ano e, pior ainda, que diante da natureza jurídica dela – privada – ela não deteria as amarras das regras do direito público quanto à aquisição de bens e serviços, numa clara sugestão de descumprimento da lei ou do seu contorno indevido.
Muito provavelmente quem escreveu essa bobagem não conhece o voto do ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, na ADIN – Ação Direta de Inconstitucionalidade – n. 1.923, quando, em 16.04.2015, afirmou:
15. As organizações sociais, por integrarem o Terceiro Setor, não fazem parte do conceito constitucional de Administração Pública, razão pela qual não se submetem, em suas contratações com terceiros, ao dever de licitar, o que consistiria em quebra da lógica de flexibilidade do setor privado, finalidade por detrás de todo o marco regulatório instituído pela Lei. Por receberem recursos públicos, bens públicos e servidores públicos, porém, seu regime jurídico tem de ser minimamente informado pela incidência do núcleo essencial dos princípios da Administração Pública (CF, art. 37, caput), dentre os quais se destaca o princípio da impessoalidade, de modo que suas contratações devem observar o disposto em regulamento próprio (Lei nº 9.637/98, art. 4º, VIII), fixando regras objetivas e impessoais para o dispêndio de recursos públicos.
Críticas são importantes para provocarem reflexões, modificação de atitudes e ajustamento de norte a ser trilhado.
Críticas são sempre benvindas, desde que não sejam superficiais e ditas apenas para agradar a claque de plantão, que aplaude tudo ante a mínima provocação de animadores de plateia. Se elas forem feitas sem lastro fático nem intelectual só servirão para atrapalhar e impedir a rápida e constante evolução do modelo firmado entre entes políticos e organizações sociais, pois se gastará tempo com mesquinharias tacanhas que geram força de trabalho que poderia ser direcionada à consolidação das parcerias e ao efetivo atendimento adequado da população que necessita dos serviços disponibilizados pelo Sistema Único de Saúde, o SUS.
Nunca existiu modelo perfeito para gerenciar unidades de saúde públicas. E ainda não há. E não se sabe se haverá. Mas existem os mais exitosos que outros, mais experimentados que outros e que produzem resultados melhores que outros.
Não aceitar os fatos é birra infantil e não contribuir para o aprimoramento do modelo que está mais avançado na sua execução é omissão que não se coaduna com a cidadania da qual todos nós devemos estar imbuídos, principalmente nessa época em que o politicamente correto impera.
Tomara que sejamos maduros e desapegados ideologicamente o suficiente para trabalharmos todos juntos em prol da população, que sem sempre está interessada no viés político do médico ou do hospital que o atende, mas na eficácia do serviço que lhe é prestado.