A FORMAÇÃO DAS ENTIDADES DO TERCEIRO SETOR
- Contexto do aparecimento do Terceiro Setor
As pessoas, físicas e jurídicas, agregadas em torno de um mesmo objetivo, podem criar uma pessoa jurídica de maneira formal. Entretanto, nada obsta que um grupo de pessoas desenvolva determinada atividade sem obrigação de constituição formal por meio de uma pessoa jurídica, permanecendo na informalidade.
Esta reunião de pessoas pode ter o objetivo de congregar esforços em prol de algo que interessa apenas àquele grupo, de maneira isolada. Por outro lado, essa confluência de ideias e pessoas pode objetivar o desenvolvimento de determinada atividade ou missão em prol da coletividade (“a quem dela necessitar”), visando assegurar-lhe os “mínimos sociais”.
Agindo assim, elas contribuem para o bem estar da população em geral, objetivo maior da Constituição Federal de 1998, conhecida como Constituição Social[1], e para a afirmação dos direitos fundamentais. Ao assim se postarem, essas pessoas privadas desenvolvem atividades públicas, mas com o diferencial de não objetivarem o lucro com elas, o que a sociedade convencionou denominar de Terceiro Setor.
O termo Terceiro Setor foi criado por pesquisadores norte-americanos nos anos 70 e parte da ideia de que, além do Estado e do setor privado, haveria uma terceira via, que reuniria atividades privadas voltadas para o atendimento de necessidades coletivas.
Karen Farah Arruda afirma que as organizações da sociedade civil tiveram acentuado crescimento na década de 80, ganhando nova configuração e papel social. Conseguiram constituir-se em parceiros nas diversas políticas governamentais, somando esforços em favor de interesses comuns e ampliando a destinação de recursos públicos para iniciativas de interesse público. [2]
Para se ter uma ideia da relevância do Terceiro Setor no país, pesquisa de 2002 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA, em parceria com a Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais – ABONG e o Grupo de Institutos, Fundações e Empresas – GIFE, informa a existência de aproximadamente 276.000 entidades criadas sob a forma jurídica de associações e fundações, no universo de mais de 500.000 entidades sem fins lucrativos.[3] O Terceiro Setor empregava, à época da realização da pesquisa, 1,5 milhão de pessoas no Brasil. A participação do Terceiro Setor subiu de 1,5 para 5% do PIB, de 1999 para 2003.[4]
- A pessoa jurídica
A pessoa jurídica é um ente fictício, ou seja, ela não possui existência tangível. Para ela nascer e praticar atos da vida civil e comercial, exercendo direitos e contraindo obrigações, ela precisa da intervenção dos seres humanos (pessoas físicas). A pessoa jurídica é a exteriorização jurídica da vontade humana, que conjugou esforços neste sentido, vontade essa que pode ter ou não intuitos econômicos.
Segundo José Carlos Moreira Alves, a fragilidade do homem para a consecução de certos objetivos cria a necessidade da invenção das pessoas jurídicas, já que há empreendimentos que exigem continuidade de esforços que excede à duração da vida humana, bem como patrimônio superior ao individual. [5]
Para fazer nascer uma pessoa jurídica (“um novo ser”) é necessário que haja a) vontade humana criadora, b) finalidade específica, c) o substrato representado por um conjunto de bens ou de pessoas e d) a redação do estatuto e respectivo registro.
As pessoas físicas interessadas em criar uma pessoa jurídica (sem fins lucrativos ou com finalidade de lucro (comercial) – esta última atividade exercida pelo empresário)[6] devem redigir a norma que irá regulamentá-las e dirigi-las: estatuto, no primeiro caso, ou contrato social, no segundo.
Redigidos tais documentos (e outros exigíveis, dependendo do caso concreto), as pessoas físicas devem levá-los para registro nos órgãos competentes (Cartório de Registro de Pessoas Jurídicas ou Junta Comercial dos estados, conforme o caso). Feito o registro, nasce formalmente a pessoa jurídica. O ato de registro dos documentos tem por consequência automática o evento chamado de aquisição de personalidade jurídica.
O Código Civil (Lei n. 10.406/02) traz previsões no sentido acima informado, tal qual a Lei dos Registros Públicos (LRP, n. 6.015/73) o faz.
As pessoas jurídicas, formalmente constituídas e representadas pelas pessoas físicas que as compõem, na condição de sócios ou associados, poderão se unir, conjugar esforços e constituir outras pessoas jurídicas, figurando como sócias ou associadas desses novos seres surgidos, igualmente fictícios.
As pessoas jurídicas estão classificadas em dois grupos: a) direito público; b) direito privado. As de direito público são entidades estatais ou incorporadas ao Estado, exercendo finalidades de interesse imediato da coletividade. Há subdivisão nesta categoria, sendo que existem as pessoas jurídicas de direito público a) externo e b) interno. As de direito público externo são constituídas pelas próprias nações, a Santa Sé, a ONU – Organização das Nações Unidas etc. Já as de direito público interno são compostas pela União Federal, os Estados, o Distrito Federal, os mais de 5.600 municípios brasileiros e as autarquias.[7] As empresas públicas, as sociedades de economia mista e as autarquias pertencem à Administração Pública indireta e são dotadas de personalidade jurídica de direito privado, visto que vinculadas ao Ministério cuja área de competência estiver enquadrada sua principal atividade.[8] Prevê o Código Civil:
Art. 44. São pessoas jurídicas de direito privado:
I – as associações;
II – as sociedades;
III – as fundações;
IV – as organizações religiosas;[9]
V – os partidos políticos.[10]
- 1o São livres a criação, a organização, a estruturação interna e o funcionamento das organizações religiosas, sendo vedado ao poder público negar-lhes reconhecimento ou registro dos atos constitutivos e necessários ao seu funcionamento.
- 2o As disposições concernentes às associações aplicam-se subsidiariamente às sociedades que são objeto do Livro II da Parte Especial deste Código.
- 3o Os partidos políticos serão organizados e funcionarão conforme o disposto em lei específica.
As pessoas jurídicas criadas sob a natureza jurídica de associação ou fundação poderão exercer as atividades para consecução de fins não lucrativos e de interesse social.[11]
As pessoas jurídicas sob a forma jurídica de sociedade são criadas especificamente para o desenvolvimento de atividades empresariais e visam a divisão de lucro entre seus sócios, conforme prevê o Código Civil. [12]
As sociedades são divididas em empresárias e simples e são definidas e conceituadas pelo Código Civil, que contém, ainda, as regras legais a serem cumpridas por elas (simples – arts. 997 a 1.038; empresárias – arts. 1.039 a 1.096). As sociedades empresárias podem ser constituídas nos seguintes tipos: a) nome coletivo; b) comandita simples; c) limitada (a mais comum no Brasil); d) sociedade anônima, caso em que sua regra legal não será a do Código Civil, mas as leis 6.404/76 e 10.303/01; e) comandita por ações; e f) cooperativa. Essas, porém, não serão objeto deste estudo. Trataremos das formas legais mais comuns de constituição de entidades sem fins lucrativos: associações, fundações e organizações religiosas, que são espécies do gênero pessoas jurídicas de direito privado.
7.1. Associação civil
A associação é pessoa jurídica de natureza civil, regulada pelo Código Civil. É a forma jurídica mais utilizada e menos burocrática para a criação de pessoas jurídicas sem finalidades lucrativas. A lei não indica o número mínimo de pessoas que podem se unir para criar uma associação. Como o artigo 53, CC, fala em pessoas, no plural, entendemos que são necessárias no mínimo duas. Portanto, tendo duas pessoas físicas ou jurídicas a mesma intenção e objetivo, elas podem criar uma pessoa jurídica sob a forma de associação.
Algumas normas jurídicas, todavia, preveem que determinadas deliberações devem ser adotadas por maioria, o que sugere, então, a necessidade da presença de, no mínimo, três pessoas. É o caso do art. 48 do Código Civil: “Se a pessoa jurídica tiver administração coletiva, as decisões se tomarão pela maioria de votos dos presentes, salvo se o ato constitutivo dispuser de modo diverso. (…)”. Mas, a rigor, bastam duas pessoas para a criação de uma pessoa jurídica sob a forma de associação.
- Liberdade constitucional de associação
A liberdade de associação é um direito coletivo, definido por Pontes de Miranda como “toda coligação voluntária de algumas ou de muitas pessoas físicas, por um tempo longo, com o intuito de alcançar algum fim (lícito), sob direção unificante.”[13]
No que diz respeito ao Brasil, o direito de associação foi consignado inicialmente na Constituição de 1891, que dispunha no seu artigo 72, § 8º: A todos é lícito associar-se e reunir-se livremente e sem armas, não podendo intervir a polícia se não para manter a ordem pública.[14]
Associar-se a alguma entidade pressupõe autonomia de vontade, ou seja, a associação decorre do querer do indivíduo, que deve manifestar sua vontade nesse sentido. Igualmente, mas ao inverso, ninguém poderá ser obrigado a manter-se associado ou associar-se contra a sua vontade.[15]
A liberdade de associação entre as pessoas é garantida pela Constituição Federal no artigo 5º, caput, e incisos XVII, XVIII, XIX e XX, sendo vedada a “interferência estatal” no funcionamento das associações.
O velamento do Ministério Público em relação às fundações não alcança as associações[16], em que pese haver quem defenda essa extensão quando elas receberem verbas públicas para desenvolvimento de suas atividades, o que, teoricamente, parece aceitável, tendo em vista o recurso financeiro, em última análise, pertencer à sociedade, e também em vistas de uma interpretação sistemática com o art. 70, § único, da Constituição.
- Legislação aplicável
Em nível infraconstitucional, é o Código Civil (Lei n. 10.406/02) que traça as regras a serem seguidas para a constituição de uma associação.
- Como constituir
Quem desejar constituir uma associação deve começar pela realização de uma reunião entre as pessoas que tenham os mesmos interesses entre si, para conversarem sobre o assunto e as propostas. Havendo convergência de interesses das pessoas reunidas, elas devem produzir alguns documentos, nos quais estarão escritas as regras que deverão ser seguidas por elas mesmas. Estas regras são de livre estipulação, mas os presentes deverão refletir sobre o nível de burocracia e segurança que querem na condução das atividades que resolveram desenvolver conjuntamente.
São dois os documentos a serem produzidos nessa reunião: a ata e o estatuto.[17]
- Ata
Dá-se o nome de ata de constituição ao documento produzido pelas pessoas reunidas para constituir uma associação. A redação deste documento é bastante simples e não requer nenhuma técnica específica. Basta que ela retrate exatamente o que aconteceu na reunião, devendo dela constar, basicamente, a data e o horário da sua realização, o nome das pessoas presentes, a decisão pela constituição da associação, o nome dado para ela, o local em que funcionará a sua sede, mesmo que provisória, e os nomes e qualificação dos integrantes da primeira diretoria, cuja composição deve ser definida pelos presentes, não havendo nenhuma legislação que estipule o número mínimo ou a denominação dos cargos desta diretoria.
A ata deve ser assinada pela pessoa escolhida para dirigir e representar a associação perante terceiros (o presidente, na maioria das vezes) e por um advogado[18].
A presença de um advogado na reunião de constituição de uma associação é indicada não só para zelar pelo cumprimento da legislação mas, principalmente, para informar aos presentes os aspectos jurídicos do ato que eles estão praticando, para esclarecer dúvidas e efetivamente redigir a ata, dando a ela o conteúdo necessário para produzir os efeitos pretendidos pelas pessoas.
Para assim atuar é imprescindível que o advogado possua conhecimento técnico específico e profundo a respeito dos ramos do Direito inerentes ao assunto.
Constituída a associação, e conforme ficar previsto no estatuto, as reuniões dos associados passam a ser chamadas assembleias.[19]
- Estatuto
Além da ata, é obrigatória a redação do documento chamado de estatuto[20], o qual deverá conter todas as regras de funcionamento que os presentes entenderem pertinentes para o desenvolvimento das atividades que elas mesmas idealizaram.
O Código Civil prevê que o estatuto contenha algumas cláusulas obrigatórias. A Lei dos Registros Públicos (LRP) traz previsões bastante parecidas e que também são de cumprimento obrigatório.
Afora os itens acima mencionados, de observância obrigatória, nada mais é previsto na legislação que deva conter no estatuto a ser produzido pelas pessoas presentes na reunião, ficando a critério delas a estipulação das demais regras que elas mesmas deverão seguir fielmente.
Produzidos tais documentos (a ata e o estatuto) eles devem ser levados para ser registrados no cartório competente para que a pessoa jurídica (associação) tenha seu nascimento formal reconhecido, com a aquisição da personalidade jurídica.
- Fundação
Para constituir uma associação precisam-se apenas de pessoas, ao passo que, para se constituir uma fundação, é imprescindível a existência de um patrimônio livre, seja ele imobiliário, móvel, dinheiro, direitos ou coisa que o valha, que tenha valor comercial (valoração econômica, expressão monetária) e que seu montante seja suficiente para os fins definidos pelo instituidor, que pode ser pessoa física ou jurídica.
Afirma Maria Helena Diniz:
[…] a fundação é um complexo de bens livres (universitas bonorum), colocado, por uma ou mais pessoas físicas ou jurídicas, sem intuito de lucro, a serviço de um fim lícito e especial com alcance social, em atenção do disposto em seu estatuto. É, portanto, um patrimônio destinado a uma finalidade socialmente útil, ou seja, filantrópica, que lhe dá unidade. Ou, como diz Clóvis Beviláqua, é ´um patrimônio transfigurado pela idéia, que o põe a serviço de um fim determinado’. [21]
Edson José Rafael comenta, ao falar da história das fundações, que o instituto da fundação insere-se no direito privado e caracteriza-se por ser uma forma de os mais ricos, “certamente de maneira altruísta”, destacarem parte de seu patrimônio em beneficio da coletividade, sendo que o Brasil, apesar de ser uma das maiores economias do mundo, ainda está muito distante dos países ricos no que tange ao número de fundações (cerca de 2.500, segundo ele).[22]
É prudente criar uma fundação para se atingir apenas a um único objetivo, como alerta Edson José Rafael. Isso porque um grande número de objetivos institucionais acabaria por tirar o foco daquele primordialmente almejado pelo instituidor. E se o sonho do instituidor for o de “salvar o mundo”, certamente não haverá patrimônio suficiente. Dessa forma, é melhor, afirma o autor, concentrar os esforços numa fundação com objetivo bastante específico ou, no caso de haver vários anseios do instituidor, que se criem várias fundações, cada uma com um único objetivo.[23]
Não trataremos, neste trabalho, das fundações públicas, em que pese algumas possuírem natureza jurídica de direito privado, porquanto não é o escopo aqui assumido.[24]
- Patrimônio
Não há como constituir uma fundação sem patrimônio, pois a fundação é, justamente, um “patrimônio personalizado, destinado a um fim. Finalidade esta que depende da vontade do instituidor. A fundação é uma pessoa jurídica constituída por um patrimônio que lhe é destinado para cumprir um fim específico e determinado no ato de sua instituição”.[25]
Francisco de Assis Alves ensina que “as fundações surgem a partir da atribuição de personalidade jurídica a um patrimônio, voltado a uma finalidade específica e de cunho social.” [26] Este é, inclusive, um dos motivos pelos quais existem mais associações do que fundações.
O patrimônio necessário para a constituição da fundação é que viabilizará o objetivo preestabelecido pelas pessoas (físicas ou jurídicas) que a instituíram. Este objetivo deve ser voltado ao desenvolvimento de uma finalidade social, pois a origem do instituto da fundação remonta à noção de solidariedade aos necessitados.[27]
- Bens
O Código Civil (art. 62) determina que o patrimônio a ser destinado para a constituição de uma fundação deva ser composto por bens livres, ou seja, legalmente disponíveis, sem nenhum ônus ou penhora e ser de propriedade do instituidor. O Código Civil identifica que são bens imóveis o solo e tudo quanto se lhe incorporar natural ou artificialmente e são móveis os bens suscetíveis de movimento próprio ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da destinação econômico-social.
O patrimônio a ser direcionado para a constituição da fundação deve ser suficiente para que a nova pessoa jurídica atinja o objetivo determinado pelo seu instituidor. A legislação, porém, não aponta nenhum dado objetivo e claro de como deve ser apurada a suficiência dos bens.
José Eduardo Sabo Paes assevera que por bens suficientes deve-se entender o valor bastante para que a entidade possa levar a efeito suas previsões estatutárias nos primeiros anos, gerando posteriormente receitas suficientes para manter o cumprimento de suas finalidades.[28]
Tomás de Aquino Resende acrescenta que não se deve estipular um valor mínimo para a instituição de uma fundação. Deve ser observado o patrimônio inicial que seja suficiente para atingir as finalidades estatutárias da entidade fundacional, destacando que, no Estado de Minas Gerais, é necessária a apresentação de estudo de viabilidade econômica para o registro de uma fundação. [29]
Caberá ao Ministério Público, por ocasião da análise da documentação a ser utilizada para se criar a fundação, confrontar os seus objetivos e o patrimônio que lhe será destinado e aferir se são compatíveis e viáveis.
- Finalidades
As fundações são pessoas jurídicas criadas especificamente com a finalidade de cumprir uma função social, qual seja, a de auxiliar a sociedade e de contribuir para o seu desenvolvimento econômico, político e social, com fito de atender eficientemente aos anseios sociais. Comenta Edson José Rafael que as finalidades de uma fundação podem se relacionar a diversas áreas como a cultural, a educacional e a política.[30]
De acordo com o Código Civil, as fundações somente poderão ser constituídas para fins religiosos, morais, culturais ou de assistência. As fundações voltadas para o meio-ambiente, por exemplo, não estão contempladas neste rol. Trata-se de restrição impertinente promovida pelo Código Civil de 2002. Há projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional desde 2003 no sentido de se ampliar o rol de atividades que podem ser desenvolvidos pelas fundações.
- Legislação aplicável
Em nível infraconstitucional, cabe ao Código Civil (Lei n. 10.406/02) definir as regras a serem seguidas para se constituir uma fundação.
- Instituidor
Diferentemente da associação, onde no mínimo duas pessoas se reunem para criá-la, na fundação basta a existência de apenas uma pessoa, chamada de instituidor, desde que ela possua patrimônio e que o destine à nova pessoa jurídica que irá nascer. Qualquer indivíduo legalmente capaz, com habilidade e capacidade financeira, poderá, por ato inter vivos ou causa mortis, destacar de seu patrimônio bens para que cumpram com autonomia uma finalidade social predeterminada.
É no instituidor que se busca a força fundacional. A fundação é administrada por uma vontade transcendente, do instituidor, manifestada no estatuto, que perdura e entra no mundo jurídico irradiando seus efeitos.[31]
Maria Sylvia Zanella Di Pietro ensina que, na fundação, o instituidor faz a dotação de determinada universalidade de bens livres, especificando o que e a que ela se destina e declarando, se quiser, a maneira de administrá-la. Afirma ela que o papel do instituidor exaure-se com o ato da instituição da fundação, pois, a partir do momento em que a fundação adquire personalidade jurídica, ela ganha vida própria e o instituidor não mais exerce poder sobre ela.[32]
As fundações de direito privado também podem ser instituídas por pessoas jurídicas, mediante a observação de requisitos específicos. A fundação instituída por pessoa jurídica terá personalidade jurídica distinta da que a criou, sendo aquela independente e autônoma em relação a esta.
- Diferenças entre associação e fundação
Com base nas afirmações acima produzidas podemos apontar que: (i) as associações são constituídas por pessoas, sem a necessidade de um patrimônio, enquanto que as fundações são constituídas por um patrimônio, necessariamente; (ii) a associação é criada pela decisão de pessoas que elaboram ata e estatuto em reunião, enquanto a fundação é criada por meio de escritura pública ou testamento, sendo que todos os atos desta devem ser aprovados pelo Ministério Público; (iii) a associação tem finalidade definida pelos associados, podendo ser alterada mediante realização de assembleia, enquanto a finalidade da fundação é definida pelo seu instituidor e tem caráter perene; (iv) as deliberações da assembleia realizada pelos associados são livres, enquanto as decisões da fundação são fiscalizadas pelo Ministério Público, que pode intervir, inclusive; (v) o registro das associações é mais simples e elas são regidas pelos artigos 44 a 61 do Código Civil, enquanto o registro das fundações é mais burocrático, sendo regidas pelos artigos 62 a 69 do Código Civil.
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Este capítulo foi copiado do livro TEIXEIRA, Josenir. O terceiro setor em perspectiva: da estrutura à função social. Belo Horizonte: Fórum, 2011. pp. 43-55.
[1] “Os direitos sociais como dimensão dos direitos fundamentais do homem, são prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de direitos sociais desiguais. Por essa razão os direitos sociais valem como pressupostos do gozo dos direitos individuais na medida em que criam condições materiais mais propícias ao auferimento da igualdade real, o que, por sua vez, proporciona condição mais compatível com o exercício efetivo da liberdade.” SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. Ed Malheiros, São Paulo, 15ª Ed., 1998, p. 289.
[2] FARAH, Karen. “O Marco Legal do Terceiro Setor e o Microcrédito”, Informativo Semanal 40/2001, COAD.
[3] Disponível em www.ibge.gov.br/home/estatistica/economia/peas/2006/default.shtm.
[4] MEREGE, Luiz Carlos. Terceiro Setor cresce além das expectativas. Revista Integração, ano IX, no. 61, abril/06, disponível em http://integração.fgvsp.br.
[5] ALVES, José Carlos Moreira. Direito Romano. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 137.
[6] BRASIL. Código Civil. Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços. Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa.
[7] Autarquias são organismos administrativos integrantes da Administração indireta, resultantes da descentralização por serviços, investidos de atribuições de natureza pública e dotadas de organização, personalidade jurídica e administrativa própria (Decreto-Lei nº. 200/67). PAES, José Eduardo Sabo. Fundações e entidades de interesse social: aspectos jurídicos, administrativos, contábeis e tributários. 5. ed. rev., atual., e ampl. de acordo com a Lei 10.406/02 (Novo Código Civil Brasileiro). Brasília: Brasília Jurídica, 2004. p. 43. São exemplos de autarquias a OAB, o CRM, o COREN e todos os demais Conselhos Profissionais de categorias que exercem profissão regulamentada por lei.
[8] PAES, José Eduardo Sabo. Fundações e entidades de interesse social: aspectos jurídicos, administrativos, contábeis e tributários. 5. ed. rev., atual., e ampl. de acordo com a Lei 10.406/02 (Novo Código Civil Brasileiro). Brasília: Brasília Jurídica, 2004, p. 43.
[9] Alínea incluída pela Lei 10.825/03. “O legislador acertadamente conferiu a liberdade para a criação, para a organização, para a estruturação interna e para o funcionamento dessas entidades que com esta nova configuração jurídica podem ter seus estatutos e atos constitutivos elaborados, registrados e reconhecidas sem a obediência estrita das normas previstas para as outras pessoas jurídicas de direito privado, mormente as dos artigos 59 a 63 que apenas subsidiariamente podem ser a elas aplicadas.” PAES, 2004, p. 45.
[10] Alínea incluída pela Lei 10.825/03. “Quanto aos partidos políticos, a alteração veio para deixar expressa na norma civil acréscimo já realizado com o advento da Constituição de 5.10.88, que nos termos no § 2º. do art. 17 estabeleceu esta organização como pessoas jurídicas de direito privado. Mesmo porque esse tipo de organização regida especificamente pela Lei 9.096/95 é de fundamental importância na vida da Nação, uma vez que por meio dela os cidadãos exercitam a ação político-partidária e assegura-se a autenticidade do sistema representativo.” PAES, José Eduardo Sabo. Fundações e entidades de interesse social: aspectos jurídicos, administrativos, contábeis e tributários. 5. ed. rev., atual. e ampl. de acordo com a Lei 10.406/02 (Novo Código Civil Brasileiro). Brasília: Brasília Jurídica, 2004, p. 45.
[11] PAES, José Eduardo Sabo. Fundações e entidades de interesse social: aspectos jurídicos, administrativos, contábeis e tributários. 5. ed. rev., atual. e ampl. de acordo com a Lei 10.406/02 (Novo Código Civil Brasileiro). Brasília: Brasília Jurídica, 2004, p. 44.
[12] CC, Art. 981. Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados. Parágrafo único. A atividade pode restringir-se à realização de um ou mais negócios determinados.
[13] PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários a Constituição de 1967. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 569.
[14] Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao91.htm. Acesso em 30 out 2009.
[15] Por analogia, cita-se a CF: “Art. 8º É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte: (…) V – ninguém será obrigado a filiar-se ou a manter-se filiado a sindicato; (…)”.
[16] STJ, Suspensão de Segurança nº 1.745 – PI (2007/0117460-9). Requerente: Ministério Público do Estado do Piauí – Requerido: Desembargador Relator do MS 70006377 do TJ do Estado do Piauí. 1. A “Associação Piauiense de Combate ao Câncer – APCC – Hospital São Marcos” impetrou Mandado de Segurança, com pedido de liminar, contra ato do Promotor de Justiça do Estado do Piauí José Reinaldo Leão Coelho, objetivando, dentre outras providências, o reconhecimento do direito de não se submeter à ação fiscalizadora do Impetrante. O juízo de 1º grau concedeu a liminar, determinando a imediata suspensão da fiscalização e a devolução, em 24 horas, dos documentos anteriormente retidos pelo Impetrante. Daí este pedido de Suspensão de Liminar intentado pelo representante do Ministério Público do Estado do Piauí, no qual sustenta que o decisum afronta as atribuições do parquet estadual e, por esta razão, ofende a ordem pública e jurídica. … 2. O Ministério Público Estadual não possui legitimidade para o manejo do incidente de Suspensão de Segurança perante esta corte. … 3. Posto isso, com base no artigo 34, XVIII, do RISTJ, nego seguimento ao pedido. Brasília, 25 de maio de 2007. Ministro Barros Monteiro. Presidente
[17] Deve-se, também, elaborar a lista de presença, que deve ser assinada pelas pessoas, com sua identificação.
[18] A assinatura do advogado na ata e no estatuto é obrigatória, conforme previsão da Lei n. 8.906/94.
[19] “Como o legislativo é um órgão coletivo de pessoas eleitas democraticamente para reuniões/sessões, estas pessoas, representando um corpo social, no caso a população de um Estado, na formação de um pensamento unificado de todos (quase impossível de ser logrado pelas múltiplas posições ideológicas de cada um), se reúnem em assembléias, decidem, sem subordinação, por maiorias, qualificadas ou não foi neste segmento do legislativo que se melhor urdiram as regras do direito assemblear, tendo por princípio a aplicação da isonomia, tanto para quem pertencia à facção majoritária quanto à minoria, e até àqueles adeptos no anarquismo.” (…) “A assembléia, fora da atividade estatal, na área privativa, é uma reunião de pessoas, para um fim determinado ou com interesses comuns, com um instrumento de formação da vontade social (Comentários à Lei de Sociedades Anônimas, Modesto Carvalhosa, 2º. Vol., pág. 500, 2ª. ed.Saraiva, 1998), para deliberar sobre propostas, usando-se para tanto os caminhos estabelecidos em lei, em Estatuto ou em contrato social. O conclave (assembléia) proporciona debates, conflitos de idéias, com a discussão larga das matérias, oportunizando apreciações e explicações sobre o mérito das propostas. É um órgão coletivo que decides assuntos sociais. É órgão deliberativo, mas não administrativo. Não tem qualquer representação social. A representação social só pertence à administração. Também a assembléia é um colégio eleitoral que elege e/ou destitui membros de outros órgãos. A resolução tomada em Assembléia legitimamente ordenada será a vontade social.” BING, Plínio Paulo. Direito assemblear: nas sociedades mercantis e civis. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris., 2007, p. 10-11 e 14.
[20] Plínio Paulo Bing explica que Estatuto(s) é um “termo que em português pode ser usado no singular e no plural, sendo que este último caso, no plural, é o de maior aceitação. Numa associação, é a sua lei orgânica ou regulamento interno de preceitos. – Deriva o termo (estatuto) do latim status, com o significado de estabelecido, fixado, assentado, determinado, decidido, resolvido. Todavia, são os ingleses que melhor dão a idéia do estatuto com o viés de “vínculo obrigacional.” BING, Plínio Paulo. Direito de assemblear: nas sociedades mercantis e civis. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2007, p. 23.
[21] DINIZ, Maria Helena. Direito fundacional. 2. ed. atual. e aum. São Paulo: Juarez de Oliveira, 200,. p. 13-14.
[22] RAFAEL, Edson José. Fundações e direito. São Paulo: Companhia Melhoramentos, 1997, p. 62 e 63.
[23] RAFAEL, Edson José. Fundações e direito. São Paulo: Companhia Melhoramentos, 1997, p. 74 e 83.
[24] “Com a denominação de fundações públicas, a Lei nº 7.596, de 10-4-87, alterou a redação do art. 4º do Decreto-lei nº 200, de 25-2-67, incluiu entre os órgãos da Administração Indireta as fundações públicas, definindo-as como pessoas jurídicas de direito privado. Nem por isso se põe fim à discussão que se trava no direito brasileiro a respeito da sua natureza jurídica, pública ou privada. De todas as entidades da Administração Indireta, a fundação é, sem dúvida alguma, a que tem provocado maiores divergências doutrinárias no que diz respeito à sua natureza jurídica e às consequências que daí decorrem. […] Colocamo-nos entre os que defendem a possibilidade de o poder público, ao institui fundação, atribuir-lhe personalidade de direito público ou de direito provado.” DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 22. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 433.
[25] PAES, José Eduardo Sabo. Fundações e entidades de interesse social: aspectos jurídicos, administrativos, contábeis e tributários. 5. ed. rev., atual. e ampl. de acordo com a Lei 10.406/02 (Novo Código Civil Brasileiro). Brasília: Brasília Jurídica, 2004, p. 175 e 271.
[26] ALVES, Francisco de Assis. Associações, sociedades e fundações no Código Civil de 2002: perfil e adaptações. São Paulo: Ed. Juarez de Oliveira, 2004, p. 57.
[27] PAES, José Eduardo Sabo. Fundações e entidades de interesse social: aspectos jurídicos, administrativos, contábeis e tributários. 5. ed. rev., atual. e ampl. de acordo com a Lei 10.406/02 (Novo Código Civil Brasileiro). Brasília: Brasília Jurídica, 2004.
[28] PAES, José Eduardo Sabo. Fundações e entidades de interesse social: aspectos jurídicos, administrativos, contábeis e tributários. 5. ed. rev., atual. e ampl. de acordo com a Lei 10.406/02 (Novo Código Civil Brasileiro). Brasília: Brasília Jurídica, 2004, p. 275 e 276.
[29] RESENDE, Tomás de Aquino. Roteiro do Terceiro Setor. Associação e Fundações: o que são, como instituir, administrar e prestar contas. 3. ed. rev., atual. e amp. Belo Horizonte: Prax, 2006, p. 58 e 59.
[30] RAFAEL, Edson José. Fundações e direito. São Paulo: Companhia Melhoramentos, 1997, p. 83.
[31] DINIZ, Maria Helena. Direito fundacional. 2. ed. atual. e aum. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2007, p. 27-28.
[32] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 22. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 436.