A frase que dá título a este artigo foi dita por um senador a outro no plenário do Senado Federal e amplamente divulgada pela mídia. Apesar da gravidade, da falta de polidez e do desrespeito ao colega e à instituição, a frase é corriqueira e retrata apenas mais uma das sandices vindas daquelas bandas. Pus-me a pensar sobre ela.
Tenho percebido que, cada vez mais, autoridades estão se utilizando de “bodes expiatórios” ou de ASPONE (o significado da sigla fica por conta do leitor) para se desculpar por pedidos não atendidos ou para se livrar de situações desconfortáveis e colocar a culpa no “sistema” ou na “estrutura”. Já foi o tempo (há muito) em que a palavra empenhada valia alguma coisa. Hoje em dia, nem contratos escritos são respeitados. O que se dirá, então, de palavras sôfregas, sujeitas às intempéries do vento e que são levadas de um lado para outro sem sequer muita força daquele evento?
Eu tenho a oportunidade de manter contato com diversas autoridades, por vários motivos, em razão da atuação profissional e representação de clientes, o que faço no desempenho do lobby ético, transparente e legal, aquele mesmo relatado no livro de Saïd Farhat (editora Peirópolis) e em outros trabalhos. Já ouvi de autoridades promessas de análises detalhadas sobre determinados assuntos que lhe foram submetidos. Inclusive, de alguns mais afoitos em se livrar do seu interlocutor, já ouvi promessas de solução de assuntos sem mesmo saber do que se tratava. E o que aconteceu? Nada. Ou melhor, em alguns casos, aconteceu justamente o contrário. Quando perguntada, a autoridade se “justifica” dizendo que ele “está” ocupando aquele posto e que essa condição não lhe permite ir de encontro à orientação técnica dos seus subalternos. Tem lógica. Casos há em que não há solução.
Mas, por que o teatro? Por que a utilização de palavras escolhidas quando, na verdade, a intenção é outra? Por que o antagonismo de chamar um “vagabundo” de “vossa excelência”? Por que a sociedade cria determinadas regras de convivência e reluta tanto em não mudá-las? Sei, caro leitor, que a resposta a essas inquietantes perguntas, originariamente, não são da alçada de um advogado, mas de psicólogos, sociólogos ou outro profissional que a elas se dedique. Portanto, encerro aqui esse desvario utópico.
O branco sadio
Mudo radicalmente de assunto para não perder o timing de recente publicação.
Temos assistido nos últimos anos a criação de diversas normas jurídicas protetivas de minorias, por diversas razões. É claro que não se pode ser contra tais proteções e o leitor inteligente saberá entender a posição aqui externada. Porém, há que se ter o bom senso em tudo na vida e sopesar atitudes. Não podemos nos distanciar da noção do princípio constitucional da igualdade que encontra na máxima de Aristóteles, disseminada por Rui Barbosa, a sua razão de ser: “a igualdade consiste em aquinhoar os iguais igualmente e os desiguais na medida de sua desigualdade.”
Utilizo-me de ensinamentos do professor de Direito Constitucional, mestre e doutor em Direito do Estado pela PUC/SP, Uadi Lammêgo Bulos (2005), para contextualizar o assunto. Lembra ele que “a diretriz da igualdade limita a atividade legislativa, aqui tomada no seu sentido amplo. O legislador não poderá criar normas veiculadoras de desequiparações abusivas, ilícitas, arbitrárias, contrárias à manifestação constituinte de primeiro grau.”
E continua ele a falar sobre a igualdade e a desigualdade: “As discussões acerca do real conteúdo e essência do princípio da igualdade sempre foram objeto de insídias e teorizações diversas. Há afirmações que negam a igualdade, defendendo a tese de que a desigualdade é inerente ao universo (teoria nominalista). Em outro pólo, existem os adeptos da isonomia absoluta entre as pessoas. Para estes, por existir a liberdade natural no estado da natureza, os seres humanos são totalmente iguais (teoria igualitarista). Entre os dois extremos encontramos a posição intermediária, que até admite a possibilidade de haver inúmeras desigualdades humanas, mormente nos aspectos naturais, físicos, morais, políticos, econômicos, sociais etc. Todavia, acredita que os homens possuem caracteres inteligíveis, biológicos e psicossociais comuns, logrando a mesma aptidão para existir. Se não fossem assim, não seriam seres integrantes de uma mesma espécie (teoria realista).”
Há anos dissemino a criação de uma ONG (já que está tão na “moda”) que tenha por objetivo proteger o cidadão comum branco sadio, aquele que não se insere em nenhuma classificação de minoria, nem em sistema de cotas, nem é destinatário de qualquer benefício em razão da cor de sua pele ou outra situação que mereça o apadrinhamento normativo. Eu nunca escrevi sobre isso, apesar de o desejo ser grande, pois não havia encontrado, ainda, apoio que considerasse importante, diante da aridez do assunto.
Para minha surpresa e contentamento, leio no jornal “Carta Forense” de março/2008, artigo escrito por Ives Gandra da Silva Martins intitulado “Discriminações Inconstitucionais”. Ao longo do texto, o jurista se refere a situações que envolvem os quilombolas, os invasores de terra, desertores e assassinos, discriminados, “que resolveram pegar em armas contra o governo militar ou se disseram perseguidos” e que garantiram indenizações pagas pelos contribuintes brasileiros, valor que hoje se aproxima de 4 bilhões de reais. Afirma ele, ao se referir sobre o não raro confronto de duas pessoas por uma vaga na universidade que, “em igualdade de condições, o branco é um cidadão inferior e deve ser discriminado”, em prol do afro-descendente, por exemplo. Conclui ele: “Hoje, tenho eu a impressão de que “o cidadão comum e branco” é agressivamente discriminado pelas autoridades e pela legislação infraconstitucional, a favor de outros cidadãos, desde que sejam índios, afro-descendentes, homossexuais ou se auto-declarem pertencentes a minorias submetidas a possíveis preconceitos. (…) Como modesto advogado, cidadão comum e branco, sinto-me discriminado e cada vez com menos espaço, nesta terra de castas e privilégios”.
Por representar o texto do Dr. Ives exatamente o meu pensamento e diante do “risco” de se tratar de assunto tão polêmico, sujeito a críticas ácidas, o que é saudável, como aconteceu nos artigos que escrevi intitulados “Nascem pobres demais” e “Dê sangue às Testemunhas de Jeová”, por exemplo, deixo ao leitor a oportunidade de reflexão sobre o assunto e me disponho a discuti-lo, caso seja do seu interesse.
Oxalá nossa sociedade tenha condições de enfrentar assuntos como esse sem bairrismos, paixões, tendências, parcialidade, em prol da justiça social. Infelizmente, não há muita esperança nisso, pois nosso povo carece de algo fundamental e que viabilizaria tal possibilidade: educação. E isso não se consegue de uma hora para outra, sem investimento e, principalmente, vontade política, o que acaba por gerar legião de legisladores descerebrados.
Que Deus nos ajude !