Somos todos iguais? Mesmo?
O Supremo Tribunal Federal decidiu que ninguém poderá pagar diferença de valores por acomodações superiores ou atendimento diferenciado de médicos particulares quando estiver internado pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
Definiram os ministros que o “tratamento igualitário é uma regra que não comporta exceções”, a partir da interpretação do princípio da equidade, e que “possibilitar assistência diferenciada a cidadãos numa mesma situação, dentro de um mesmo sistema, vulnera a isonomia, também consagrada na Carta Maior, ferindo de morte, em última instância, a própria dignidade humana, erigida a fundamento da República.”
E ainda: “… admitir que um paciente internado pelo SUS tenha acesso a melhores condições de internação ou a médico de sua confiança mediante pagamento subverte totalmente a lógica do sistema, ao mesmo tempo que significa ignorar totalmente suas premissas.”
Afirmou o ministro Dias Toffoli que “aquele que desejar contratar médicos e acomodações diferenciados, de acordo com sua vontade e posses, portanto, não está obrigado a se submeter às condições ofertadas pelo SUS, podendo perfeitamente socorrer-se da rede privada.”
E mais: “Os atendimentos realizados pela rede pública … não hão de se submeter, ainda que indiretamente, à lógica do lucro, por não ser esse o papel do Estado, por não ser essa sua finalidade e por não ser concebível que um sistema apregoadamente igualitário admita a criação de castas em seu interior.”
Disse ele que “ao internar-se pelo SUS, o indivíduo aceita todo o pacote, inclusive a assistência por profissional da rede pública. Na rede do SUS, o indivíduo deve ser atendido por profissional do SUS. […] permitir o acompanhamento por médico particular via Sistema Único de Saúde é injusto e desleal com os próprios profissionais da rede pública, que se submetem a concursos e todos os demais requisitos exigidos para ingresso em cargos ou empregos públicos.”
Sobre a autonomia dos médicos no exercício da profissão, Dias Toffoli sustentou que “não se está aqui a negá-la; entretanto, autonomia não significa liberdade absoluta para proceder como bem aprouver” e que ela “deve ser compreendida à luz das regras que regem o sistema de saúde, não podendo ser exercida à revelia delas.”
E concluiu o ministro: “Proibir que o atendimento se faça por médico estranho aos quadros do SUS e mediante remuneração extra não violenta a autonomia profissional;”
A decisão do Recurso Extraordinário n. 581.488, julgado em dezembro de 2015, resume os entendimentos jurídicos a respeito da “saúde”, enquanto direito social, a partir da análise do artigo 196 da Constituição Federal, e traça a cronologia dos fatos desde os primórdios (quando havia o INAMPS e o SUDS) até a evolução para o sistema que aí está.
Além das acima mencionadas, há passagens importantes, cujas transcrições valem a pena e que falam por si só.
Dias Toffoli asseverou que “Embora os serviços de saúde públicos devam obedecer a esses princípios [universalidade, equidade e integralidade], isso não significa que o Estado deva fornecer todo tipo de serviço de saúde na forma pretendida pelos cidadãos”, e arrematou dizendo que os serviços de saúde “… hão de ser prestados de acordo com a capacidade econômica do poder público … onde haja verba orçamentária suficiente.”
Seguiu ele na sua reflexão/decisão afirmando: “Essa ideia de que o Estado deve fazer o que é possível há de estar sempre aliada ao senso de necessidade, do que é necessário executar, elementos essenciais à elaboração e à boa implantação de políticas públicas.”
E concluiu seu pensamento citando Geisa de Assis Rodrigues, que afirmou: “a integralidade deve ser compreendida dentro do sistema, não se podendo exigir que todos os serviços sejam prestados em todas as esferas da Federação e em todas as localidades. A ideia da rede é justamente permitir que haja uma integração entre os serviços de pouca, média e alta complexidade.”
O acórdão destacou brevemente a deficiência da qualidade do serviço público de saúde nos dias atuais e lembrou que “a eficiência do sistema exige melhor gestão pública e adequados financiamento e custeio.”
Mas, como o foco era a questão da “diferença de classe”, as suas quase trinta páginas se restringiram a destrinchar o assunto, da forma brevemente acima resumida, para facilitar a compreensão do assunto.
A ideia central e a linha mestra da decisão são interessantes e até discutíveis; mas, concordando-se ou não com elas, são as que prevalecerão daqui por diante, diante da interpretação da Constituição Federal feita a quem ela mesma outorgou tal atribuição: o Supremo Tribunal Federal.
Várias conclusões podem ser extraídas da decisão, obviamente. Mas uma que desperta a atenção é a verdadeira profecia feita pelo médico Raul Cutait, que consta da página 17 da decisão judicial: “O paciente SUS é um paciente SUS.”
O que a profecia quer dizer? A interpretação fica ao seu critério, caro leitor!
Josenir Teixeira
Publicado no Boletim Conexão Saúde n. 13, jan/fev de 2016, p. 19, e no livro Opiniões 4, em 2018.