A entidade firmou contrato com ente político para administrar um hospital que teria como público-alvo o atendimento de 60.000 (sessenta mil) pessoas.
O valor mensal a ser repassado pelo ente político à entidade (ONG) foi calculado com base num valor fixo per capita, ou seja, uma quantia multiplicada pelas 60 mil vidas a serem atendidas.
O hospital foi dimensionado, estruturado e começou a funcionar para atendimento dos beneficiários designados pelo ente político. E assim a ONG administrou o hospital por 4 (quatro) anos com êxito e qualidade.
Treze (13) anos depois do encerramento do relacionamento jurídico entre a entidade e o ente político o Ministério Público ajuizou Ação Civil Pública de Ressarcimento de Dano Causado ao Erário contra o presidente da instituição e mais 10 (dez) pessoas porque tal órgão acusador entendeu que há indícios de improbidade administrativa na gestão do hospital, inclusive com desvio, malversação e dilapidação de recursos, generalismo sempre presente em tais ações.
Deixou claro o Ministério Público, na petição inicial da ação, que não propôs a Ação de Improbidade Administrativa em razão da prescrição havida, pois já tinham passados 5 (cinco) anos do término do contrato de gestão do hospital.
Sobrava, então, a ação de ressarcimento ao erário, diante da regra de imprescritibilidade ratificada pelo Supremo Tribunal Federal de forma inacreditável (RE 852.475). A decisão do STF se aplica quando há ato doloso de improbidade administrativa praticada pela pessoa. Na prática, o Ministério Público rotula todos os atos como dolosos, mesmo eventualmente sendo eles culposos. Mas isso é outra história.
E qual foi a base da acusação feita pelo Ministério Público? Ele simplesmente dividiu o número das pessoas que constituíam o público-alvo (60.000), o dividiu por 30 (trinta) dias do mês e afirmou que o hospital deveria, então, atender 2.000 (duas mil) pessoas por dia, o que seria impossível diante, também, da inexistência de infraestrutura suficiente para tal fim.
Ora, Deus, a conta de cálculo atuarial não é feita por meio de simples regra de três. Uma carteira de clientes (público-alvo) composta por 60 mil vidas não implica, matematicamente, no atendimento obrigatório de 2.000 (duas mil) pessoas por dia.
A análise atuarial dos beneficiários vai implicar na projeção de vários cenários e o atendimento das pessoas dependerá de uma série de circunstâncias, condições pessoais, prevalência e incidência de problemas de saúde naquela população etc.
Na prática, esse hospital atendia cerca de 8.000 (oito mil) pessoas no mês, ou seja, pouco mais de 250 (duzentas e cinquenta) por dia.
Com base em relatórios gerenciais elaborados mensalmente pela própria entidade o Ministério Público fez a regra de três e acusou o presidente da entidade – e mais dez pessoas – por inacreditável sobrepreço de mais de 1.500% (um mil e quinhentos por cento) dentro de um exercício fiscal, em razão da conta equivocada feita por aquele órgão.
A infraestrutura do hospital foi criada e colocada à disposição da população a ser atendida, sendo que o estabelecimento ficava à espera dos pacientes que a demandariam, o que variava de mês a mês em razão das condições pessoais deles.
Mas o Ministério Público não quis saber e nem entender a dinâmica do funcionamento de um hospital e nem a técnica aplicada aos cálculos atuariais e cobra dos réus da ação a devolução de R$ 46 milhões dos R$ 52 milhões recebidos pela entidade ao longo dos quase 4 (quatro) anos de prestação de serviços na gestão do hospital, com base na singela e genérica alegação de superfaturamento/sobrepreço.
A defesa feita naquela época abordou a prescrição, a legalidade da dispensa da licitação, a ausência de justa causa para a propositura da ação, o equívoco jurídico quanto à definição do que seja “sobrepreço” ou “superfaturamento” e sua não aplicação ao caso concreto, haja vista que o valor mínimo mensal repassado pelo ente político visava o pagamento da infraestrutura que deveria estar à disposição dos beneficiários, inexistência de ilegalidade dos pagamentos feitos à entidade e outros argumentos nela alinhavados.
O Ministério Público requereu:
- a indisponibilidade de todos os imóveis dos réus;
- a indisponibilidade de todos os imóveis da ONG;
- a indisponibilidade de todos os imóveis do presidente da ONG;
- a indisponibilidade de todos os veículos dos réus;
- a indisponibilidade de todos os veículos da ONG;
- a indisponibilidade de todos os veículos do presidente da ONG;
- a condenação dos réus na devolução de R$ 46 milhões atualizados;
Passados quase 10 (dez) anos do ajuizamento da ação ainda não há sentença e os réus dormem todo dia com a insegurança jurídica de serem condenados nos absurdos constantes do processo, além de gastarem dinheiro com suas defesas durante todo esse tempo e ainda pelo que resta da tramitação do processo até o seu trânsito em julgado.
Pelos próximos 5 (cinco) anos, pelo menos, os gestores do hospital, os agentes públicos e o presidente da ONG passarão por enormes expectativas em relação aos seus futuros.
Que Deus nos proteja a todos!
Amém!
Josenir Teixeira
Escrito em 21.09.2019
Essa história é verídica ?