O Ministério Público analisou, com seus olhos, um contrato feito por diretores de um hospital público com uma empresa, e que incluía cessão de espaço físico nas dependências daquele para a atividade se realizar.
O promotor entendeu, por suas convicções, que a relação jurídica foi ilegal e por conta disso ajuizou ação civil pública contra a entidade, os seus administradores, a empresa e os sócios dela e requereu contra todos:
- a indisponibilidade de bens,
- ia penhora de saldos e aplicações bancárias,
- o bloqueio de veículos,
- a condenação deles na prática de improbidade administrativa (lei 8.429/92),
- o ressarcimento do prejuízo, estimado por ele em R$ 1 milhão para cada réu, diante da malversação na gestão do patrimônio público,
- a suspensão dos direitos políticos por dez anos,
- o pagamento de multa equivalente a duas vezes o dano e
- a proibição de contratar com o poder público por dez anos.
O juiz, sem ouvir ninguém previamente, sem contestação e sem citação, deferiu liminar para bloquear todos os bens dos réus, conforme pedido pelo Ministério Público, tendo ele afirmado, na decisão:
“Por outro lado, a indisponibilidade não se trata de sanção, nem mesmo alcança todos os bens disponíveis dos réus. Pelo contrário. Configura tão somente medida cabível, uma vez que presentes os requisitos apontados.
…
Do mesmo modo, ainda que não haja nenhuma prova de que os réus estejam dilapidando seu patrimônio, é certo que desnecessária a demonstração do risco em resultado. Isto porque a existência do risco está implícita no artigo 7º, da Lei 8.429/92.”
Bastam, deste modo, fundados indícios da prática de ato de improbidade.”
Ora, o contrato firmado pelo hospital com a empresa é legal, legítimo e trouxe economia àquela unidade de saúde. Todos os argumentos e o contexto da situação serão levados ao conhecimento do juiz na contestação e o magistrado verá que, do ponto de vista essencialmente administrativo, o contrato foi salutar e desejável, não tendo havido nada que o macule e muito menos prejuízo. E os réus farão isso após serem citados para se defender, o que ainda sequer aconteceu.
Só que os réus farão a sua defesa estando com as suas contas bancárias os seus bens bloqueados, com todas as dificuldades contidas e geradas por tal ato praticado pela autoridade judicial que sequer entendeu por bem – ou precaução – ouvir previamente as pessoas para que trouxessem fatos e argumentos que eventualmente pudessem contrapor a acusação do Ministério Público, possibilitando ao juiz análise mais ampla da situação do que relatado na petição inicial, mesmo que numa primeira análise.
O bloqueio das contas bancárias pode até impedir a contratação de advogado pelos réus para se defender, o que implicaria em dificuldade de acesso deles à justiça, inclusive, coisa que o judiciário está pouco se lixando.
Sabe Deus quanto tempo irá durar o processo, em quanto tempo a sentença será proferida, quando o Tribunal irá reanalisar o assunto e, se o caso chegar até o Superior Tribunal de Justiça, quando tudo isso irá acabar.
Enquanto isso, os administradores e a entidade sofrerão os efeitos de acusação unilateral, que comporta o contraditório, mas num tempo muito diferente daquele em que foi proferida a decisão do juiz.
E se daqui a alguns anos o judiciário julgar a ação improcedente? O que irá acontecer com quem fez a acusação partindo de premissas equivocadas? O que irá acontecer com quem deferiu restrições patrimoniais e políticas partindo de premissas equivocadas? Se isso acontecer seremos todos nós – que pagamos impostos aos Estados -, que pagaremos a conta e, com muita sorte, esse mesmo Estado cobrará o ressarcimento dos seus representantes que cometeram as irregularidades, se nesse sentido concluírem os outros representantes do mesmo Estado a quem o caso for submetido.
E ainda há quem tem a coragem de defender leis que preveem situações tão surreais. Quem assim se posiciona certamente pensará diferente quando chegar a sua vez de experimentar os rigores dessa mesma lei sobre o seu lombo. Por isso, caro leitor, não aplauda arbitrariedade, pois você poderá ser vítima dela.
Se conselho fosse bom ele seria vendido e não oferecido gratuitamente. Não vou dar conselho aos administradores hospitalares, mas orientação no sentido de que, se eles não adotarem posturas profissionais cuidadosas, respeitarem certas burocracias que se fazem necessárias – e algumas são obrigatórias -, baseadas e lastradas em informações escritas, e não obtiverem a concordância também escrita de quem se faça necessário, mesmo agindo acertadamente do ponto de vista técnico suas ações poderão ser enquadradas ou classificadas como ilegais ou viciadas e eles sofrerão revezes absurdos, além de prejuízos financeiros, morais e profissionais pelos quais não precisam passar se forem mais atentos e rigorosos consigo mesmos.
Para isso, os administradores hospitalares precisam entender que o jogo deve ser jogado observando-se as incontáveis, profundas e detalhadas regras legais atuais, que são complexas e abrangentes, sob pena de eles sempre perderem a partida, o que lhes trarão consequências jurídicas e judiciais indesejáveis.
Os tempos estão estranhos, as leis cada vez mais rígidas, os brasileiros menos preparados para cumpri-las, a sociedade ansiosa por sangue, o judiciário observando tudo de longe, do seu pedestal, aplicando a lei a torto e a direito sem nenhuma interpretação e os profissionais penando para cumprir suas obrigações, nem sempre fazendo com a atenção que se requer deles, mesmo que agindo de boa-fé.
Só resta uma coisa a fazer: rezar. E que Deus nos proteja a todos!
Escrito em 11.08.2019