Os legisladores da Constituição Federal de 1988 não devem ter feito conta para estimar o custo que os direitos nela assegurados gerariam para o Poder Público. Os cofres oficiais não têm profundidade suficiente para fazer frente às despesas geradas pela efetivação dos direitos sociais dos cidadãos e, ao mesmo tempo, sustentar a corrupção tupiniquim.
Mais de R$ 1,5 trilhão em impostos foram arrecadados em 2011. Destes, mais de R$ 70 bilhões foram para a saúde. Estas cifras reavivam o surrado discurso: é muito ou pouco dinheiro? Precisamos ou não de outra fonte de recursos exclusiva para a saúde? E que não venha outro embuste, como foi feito com a CPMF, quando a Fazenda retirou o repasse da Saúde, que ficou apenas com a arrecadação daquela contribuição. As verbas não se somaram. Trocaram-se seis por meia dúzia.
Saúde não tem preço, mas tem custo. E a tecnologia modernista impacta sobremaneira nesta conta. A mídia informa os arroubos de avançamento promovidos pelo Sistema Único de Saúde, que custeia cirurgias de mudança de sexo, troca de próteses de silicone, reimplantes e reconstrução de membros e vários outros procedimentos que a sociedade reclama. Todavia, o básico fica a desejar. Nas capitais, médias e pequenas cidades o problema é o mesmo: a cidadã não consegue realizar todas as consultas de pré-natal com o ginecologista, ela não tem pediatra para atender o seu filho, não há neurologista no pronto-socorro e por aí vai.
Não vamos abordar a falta de médicos no Brasil, nem o desinteresse deles pela pediatria, nem a escassez de anestesiologistas e nem os percalços que gravitam em torno do assunto. Também não vamos discutir a dificuldade do SUS em concretizar o seu modelo de atendimento de forma efetiva para quem dele necessita, subdividida em três vertentes: universalização, financiamento e gestão. Basta acompanhar a mídia para constatar os exemplos diários das falhas de atendimento, e mortes, que a falta de atitude eficiente dos governantes provoca.
Em meio a esse tenebroso e “tradicional” cenário, eis que surge importante ferramenta para ser utilizada em prol da melhoria do atendimento da população e, porque não, para pressionar os governantes a imprimir eficiência na saúde: a Campanha da Fraternidade, realizada anualmente pela Igreja Católica e que objetiva despertar a solidariedade dos seus fiéis e da sociedade em relação a um problema concreto que envolve a sociedade brasileira, buscando caminhos de solução.
O tema escolhido para 2012 é apropriado e atual: Fraternidade e Saúde Pública. O lema, que explicita em que direção se busca a transformação, é arrojado: Que a saúde se difunda sobre a terra, o que se faz, inclusive, por meio da melhoria do sistema público. Isso mostra a preocupação da igreja com as situações existenciais do povo, de forma introspectiva e coletiva.
Colhe-se que um dos objetivos da Campanha é “suscitar o espírito fraterno e comunitário das pessoas na atenção dos enfermos”, exatamente como ensinou São Camilo de Lellis há mais de quatrocentos anos. A Campanha ressalta aspecto que pode justificar o estágio de penúria da saúde pública brasileira: a saúde deixou de ser “caridade” e se transformou em “direito”, que se transfigurou em “negócio” num mercado sem coração.
O Direito é ciência humana e social que protege a vida. A saúde é direito fundamental da pessoa, primordial para o gozo da vida e deve ser preservada prioritariamente pela Administração Pública. Este ano é propício para que a qualidade da saúde pública evolua sem hipocrisias, diante do impulso da sua discussão pela Campanha da Fraternidade. A ela, portanto.
Escrito em 2012 e publicado no site www.jteixeira.com.br