Saúde se faz com dinheiro e gestão. E vontade política. A tarefa da política é identificar qual a melhor forma de governo e instituições capazes de garantir a felicidade coletiva. O indivíduo não vive sem o Estado, ensinava Aristóteles, há alguns anos. A política é uma necessidade humana. Então, se é assim, de nada adianta repelirmos a política, pois ela é a intrínseca à democracia. E é bom que assim seja.
A tal da vontade é um sentimento que incita alguém a atingir um fim. Logo, e sendo pragmático, vontade política é a decisão de se percorrer um caminho, por meio de ações, para se chegar a um resultado. Uma etapa para isso é o diálogo, que se efetiva de várias formas. Dentre estas, a realização de seminários, reuniões, debates e coisas do gênero.
Os homens e as mulheres, executores da política, são vaidosos e narcisistas por natureza. O ego é um substantivo difícil de explicar. A definição de egoísmo facilita, pois é egoísta aquele que possui amor excessivo ao bem próprio, sem consideração aos interesses alheios.
Política e políticos são indissociáveis. A inexorabilidade desta afirmação aponta para uma mazela bastante tupiniquim.
Participei de uma etapa da democracia recentemente. Quero compartilhar esta experiência com o leitor, pois, como não tinha nada de útil para fazer, pelo menos gastei o tempo escrevendo este artigo, a partir do joeiramento e junção de alguns conceitos e do que presenciei.
A pessoa pode ser vazia e não saber nada de nada. Mas ela sente a necessidade premente de se mostrar e mostrar que representa alguém, como se aquilo tivesse a força arrebatadora de resolver, por osmose ou num passe de mágica, questões complexas que se arrastam por anos a fio.
E não basta a presença do gajo. Ele tem que fazer lambe-lambe. É interessante como são enaltecidas circunstâncias normais e inerentes às coisas como se fosse um grande desprendimento das pessoas que ocupam cargos públicos, como se não fosse exatamente essa a obrigação delas. E a questão principal continua da mesmíssima forma que estava antes da cerimônia: estacionada.
Mas aquele momento serviu para que os assessores de comunicação trabalhassem, junto com os vários fotógrafos que lá estavam, às pencas, de prontidão, para registrar qualquer piscada dos presentes. Se a pessoa estiver perto de uma celebridade, então, melhor ainda, pois vai parecer que o fato delas estarem num mesmo ambiente, mesmo que uma não saiba da existência da outra, já seria suficiente para “resolver” as coisas.
Quase duzentas pessoas participaram daquela sessão. Cada autoridade trazia o seu cortejo, que ficava na lateral do plenário, assistindo e aplaudindo. Olhando para o palco, viam-se autoridades carimbadas, querendo aparecer em qualquer evento, desde que elas sejam vistas e o tal acontecimento vire notícia, mesmo que frívola. As tais autoridades participam de debates sobre energia nuclear e saúde com a mesma desenvoltura: acéfala, axiomático, que em nada acrescenta nem avança em nenhum dos dois assuntos e apenas gasta o tempo das pessoas.
Ia esquecendo da participação especial dos puxadores de aplausos, que também estavam excitados e batiam palmas para qualquer número que alguma autoridade falasse. Fazia tempo que eu não via os números serem tão aplaudidos.
Os discursos? Todos falaram exatamente o que se esperavam deles: o óbvio; o que se lê em qualquer veículo de comunicação, em artigos escritos hoje e há décadas, por sinal. E bota óbvio nisso. Eu ouvi que a população carece de saúde e que ela é fundamental para o ser humano. Ouvi falas sobre a precariedade do financiamento do SUS (Sistema Único de Saúde), de onde vem ou deveria vir o recurso financeiro para aprimorá-lo, dos problemas com os recursos humanos, da necessidade de regulamentação da Emenda Constitucional n. 29 e tudo o mais que diz respeito à saúde. Tudo sem profundidade ou definição da ação ou atitude concreta a ser adotada, implementada, incrementada ou coisa que o valha. Tudo sabido e conhecido há décadas, mas que era colocado como se fosse o último assunto discutido na Corte. Tudo para inglês (ou brasileiro) ver. Uma pena.
Várias falas se seguiram sem nenhuma vinculacão de uma com a outra. Era natural, pois as pessoas têm prioridades subjetivas diferentes. Mas o evento tinha um tema, um objetivo, um assunto. Mas, na ânsia de falar, as pessoas diziam sobre o assunto que lhes interessavam, sem nenhuma preocupação de ligação entre ele e o tema central, o que obviamente não seria (e não foi) produtivo.
E incrível a capacidade que as pessoas têm em dizer o óbvio e querer debatê-lo, mesmo que o tal debate fique exatamente no mesmo ponto. O mais impressionante ainda é a capacidade que as pessoas têm em aceitar o óbvio. E tome aplausos. As palavras da moda são as de sempre: oportunidade histórica, agenda positiva, identificação de formas de contribuição, momento histórico, incrementação do diálogo e por aí vai.
No meio disso tudo, profissionais arrumam um jeitinho de defender seus interesses corporativistas, com colocações desassociadas do tema principal. Não se pode perder a oportunidade de aparecer. Isso eles sabem fazer. Usava-se a palavra e, após alguns minutos, quem a pronunciou se retirava, talvez para deixar de perder tempo ou se dedicar a algo mais produtivo. Estava dado o recado. Sequer se esperava pela eventual réplica da autoridade convidada, até porque já havia se passado três horas de falatório interminável.
É verdade que algumas intervenções se concatenaram com a ordem do dia e isso foi falado claramente para as autoridades. Logo alguém se apressava em sugerir uma “agenda” para discutir aquilo, pois o assunto era chato ou sério demais para aquela oportunidade. E a fala era sufocada pelas demais, ocas. Mas o que me encucou de verdade é que todos concordavam com tudo. Sempre. E tome troca de elogios.
Observei que nenhuma autoridade anotava nada. Ou elas tinham enorme capacidade de memória ou não anotavam de propósito, para esquecer. Será que alguém iria ver a gravação depois (três horas de novo?) para anotar os pontos principais? No lo creo. E os vários assuntos foram se sucedendo, por meio na monopolização da palavra pelas próprias autoridades. E tome brincadeirinhas sem graça de algumas autoridades, pretendendo, talvez, ser tidas pelos presentes como “gente boa”.
E a fila de cumprimentos das autoridades? Prefiro crer, na minha ingenuidade, que eram cumprimentos de antigos amigos, pois, se for pelo conteúdo das falas, talvez eu tenha que rever meus conceitos.
Todos fomos embora com o sentimento do dever cumprido, pois todos fizemos exatamente o que se espera da tais momentos. E mais uma tarde se passou.
Publicado na revista
Notícias Hospitalares nº 66, ano 7,
fev/mar/abr de 2011, p. 26/27