A revelação do sigilo dos dados pessoais sensíveis contidos no Prontuário do Paciente sem seu consentimento implicará em indenização por dano moral pelo médico ou hospital.
Josenir Teixeira
Advogado, Mestre em Direito pela FADISP, Pós-Graduado em Direito Processual Civil pela UNIFMU/SP, em Direito Empresarial pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (SP), em Direito do Trabalho pelo Centro de Extensão Universitária (CEU/SP-IICS) e em Direito do Terceiro Setor pela FGV/SP. É vice-presidente do IBATS – Instituto Brasileiro de Advogados do Terceiro Setor. É fundador e editor da RDTS – Revista de Direito do Terceiro Setor. É membro da Comissão de Direito do Terceiro Setor da OAB/SP. É professor do curso de Direito do Terceiro Setor da Escola Superior de Advocacia (ESA) da OAB/SP. É autor dos livros Prontuário do Paciente: Aspectos Jurídicos e Assuntos Hospitalares na Visão Jurídica (www.abeditora.com.br), Opiniões e O Terceiro Setor em Perspectiva: da estrutura à função social (www.editoraforum.com.br). É articulista da revista www.noticiashospitalares.com.br.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Conceito de Prontuário do Paciente. 3. Funções. 4. Elementos integrantes. 5. O sigilo. 5.1. A legislação. 5.2. A proteção do sigilo em assuntos distintos do prontuário do paciente. 5.2.1. Sigilo de dados cadastrais e de terceiros. 5.2.2. Sigilo de dados bancários. 5.2.3. Sigilo de inquérito policial, inclusive de advogados. 5.2.4. Sigilo de anotações na Carteira de Trabalho. 6. A proteção judicial do sigilo das informações do prontuário do paciente. 6.1. O sigilo do prontuário do paciente falecido. 7. A quebra indiscriminada do sigilo do prontuário do paciente. 8. A indevida relativização do acesso ao sigilo contido no prontuário do paciente. 9. Conclusão. 10. Referências bibliográficas.
RESUMO: Os gestores de hospitais travam batalha com autoridades e familiares de pacientes no que diz respeito à manutenção em sigilo das informações constantes do prontuário daqueles. Ameaças de prisão e inquéritos policiais para apuração de crime de desobediência são apenas algumas circunstâncias que os gestores enfrentam nessa guerra diuturna, em que autoridades cometem abuso de poder ao darem ordens que não encontram respaldo jurídico na Constituição Federal. É sobre as consequências de tais posturas dos gestores, a ordem constitucional de manutenção do sigilo dos prontuários dos pacientes e esse contexto que este artigo trata, além de trazer argumentos jurídicos que podem auxiliar os envolvidos a cumprir as leis inerentes ao assunto.
PALAVRAS-CHAVE: Prontuário. Paciente. Sigilo. Segredo profissional. Proteção. Constituição Federal. Hospital. Médico.
- Introdução
É enorme o assédio de pessoas que buscam cópia de prontuários nos hospitais. Familiares dos pacientes interessados em receber pensão governamental ou comprovar paternidade, seguradoras que querem informações complementares para decidir se pagam prêmios contratados, autarquias[1], órgãos públicos[2], autoridades[3], empregadores e o próprio paciente solicitam cópia do prontuário daqueles que foram atendidos no hospital, ou relatórios médicos, que nada mais são do que o resumo daquele documento e que invariavelmente contêm as informações essenciais, justamente aquelas que devem ser protegidas pelo estabelecimento e pelos profissionais de saúde.[4] [5]
O hospital, a partir da interpretação e cumprimento da Constituição Federal e da legislação infraconstitucional, especialmente resoluções e pareceres dos Conselhos Federal e Regionais de Medicina, restringe o acesso e a entrega de cópias dos prontuários dos pacientes a quem o ordenamento jurídico proibiu[6]. Não se discute o assunto quando quem solicitou a cópia do prontuário foi o próprio paciente[7] [8] [9], pois o interesse em jogo é exclusiva e subjetivamente seu.
O problema surge quando o interessado na obtenção da cópia do prontuário do paciente é um terceiro[10] ou na hipótese de o paciente vir a óbito.
Outra controvérsia aparece quando os pedidos de cópias dos prontuários não são atendidos pelo hospital, principalmente quando a negativa se dirige a autoridades, que não se conformam com essa postura do estabelecimento de saúde e ameaçam os seus dirigentes com a abertura de inquérito policial pela prática do crime de desobediência e até mesmo estabelecem a cominação de multa financeira diária pelo prazo que durar o descumprimento da ordem.
Pretende este artigo cooperar com a discussão jurídica acerca da legalidade da postura dos hospitais em proteger o sigilo das informações íntimas e pessoais contidas nos prontuários dos pacientes e não disponibilizá-las a terceiros, mesmo que, para isso, tenham que enfrentar desgastes e processos judiciais cíveis e criminais.
- Conceito de Prontuário do Paciente
É o Conselho Federal de Medicina[11] (CFM) que conceitua o prontuário do paciente, o que faz por meio da Resolução n. 1.638/02, donde se extraem importantes nortes para o entendimento da complexidade do tratamento a ser dado a este documento.
Prevê referida Resolução que o prontuário do paciente é o
documento[12] único constituído de um conjunto de informações, sinais e imagens registradas, geradas a partir de fatos, acontecimentos e situações sobre a saúde do paciente e a assistência a ele prestada, de caráter legal, sigiloso e científico, que possibilita a comunicação entre membros da equipe multiprofissional e a continuidade da assistência prestada ao indivíduo.[13]
- Funções
O prontuário do paciente possui várias funções[14]. Citamos aqui as mais importantes, sem prejuízo de outras:
- assistência ao paciente: ele é absolutamente necessário para a continuidade do atendimento e tratamento do paciente, para constatar a efetiva (ou não) realização de procedimentos[15] [16] [17] e aferir a qualidade com que os serviços profissionais são realizados.
- ganho de tempo: estando todas as informações do paciente num só documento (como manda a Resolução do CFM) não haverá necessidade de buscá-las em outros locais, o que representará economia de tempo na assistência ao doente.
- apoio diagnóstico: com base nas anotações dos profissionais multidisciplinares que atendem o paciente eles poderão compreender com maior gama de informações a evolução do seu quadro clínico, o que lhes dará maior segurança no estabelecimento do diagnóstico e da terapêutica a ser empregada.
- estatística: é o prontuário do paciente a base para a coleta das informações que a área administrativa dos estabelecimentos de saúde entender necessárias para interpretar todos os dados que permitam completo domínio das atividades desenvolvidas.
- cobrança: é naquele documento que serão escritos todos os medicamentos ministrados, despesas incorridas[18], equipamentos e procedimentos utilizados pelo paciente, o que servirá de base para os setores de faturamento, contabilidade e auditoria.[19]
- defesa: esta é uma das funções mais importantes (senão a mais) do prontuário do paciente. Será com base neste documento que os profissionais e os estabelecimentos de saúde serão julgados quando questionados por eventual “erro” na prática da medicina (ou outras atividades) ou por algum resultado atípico ou indesejado[20]. Somente o prontuário bem feito terá a eficácia de comprovar a regularidade dos serviços realizados e disponibilizados aos pacientes. Prontuários mal feitos ou adulterados[21] servirão para punir profissionais e estabelecimentos de saúde que não cumprem suas obrigações a contento. O prontuário do paciente será utilizado em questionamentos judiciais (ação civil de indenização e penal) e administrativos (inquérito policial, processo disciplinar nos Conselhos de Classe etc.).
- pesquisas científicas e ensino: é com base nas informações constantes do prontuário que profissionais da saúde colherão informações técnicas que servirão de estudos que constituirão a base do progresso científico e de descobertas.
- informações epidemiológicas: o prontuário do paciente é vital para a colheita de informações acerca do controle de epidemias que possam atingir a sociedade, que será a única perdedora quando aquele documento for mal feito.
- eficiência dos profissionais: a competência, deficiência ou eficiência do trabalho dos profissionais multidisciplinares de saúde que atendem o paciente serão estimadas com base no prontuário, que deverá registrar todos os cuidados a ele ministrados.
- meio de comunicação: os profissionais multidisciplinares que atendem o paciente devem se comunicar[22] por meio do prontuário, que é o único documento que deverá concentrar todas as informações técnicas relativas a ele, de modo a propiciar ao profissional o entendimento do quadro clínico de forma rápida, precisa e completa.
- elaboração de relatórios e atestados: a confecção do prontuário do paciente da forma determinada pelas normas legais permitirá a qualquer profissional da saúde a elaboração de documentos que digam respeito ao estado clínico do paciente sem nenhuma dificuldade, a princípio.
- Elementos integrantes
São elementos integrantes do prontuário do paciente os itens abaixo relacionados, dentre outros inominados que contenham informações que digam respeito ao doente:
a) Ficha de anamnese;[23]
b) Exames físico e clínico;
c) Histórico, registros, diagnóstico, prescrição, ocorrências, evolução, anotação e relatório da assistência do pessoal de enfermagem;[24]
d) Ficha de evolução do estado de saúde do paciente;
e) Ficha de prescrição terapêutica;
f) Ficha de registro de resultados de exames laboratoriais, complementares e de outros métodos diagnósticos auxiliares;[25]
g) Relatórios de anestesias e cirurgias;
h) Lâminas e laudos cito-histopatológicos ou anatomopatológicos;[26]
i) Cópias de atestados e de solicitação de exames;
j) Radiografias.[27]
Sobre sua importância prática e imprescindibilidade como documento de atendimento médico-hospitalar e que traduz a atenção dispensada ao paciente, não restam dúvidas que “o prontuário médico [do paciente] constitui meio de prova idôneo para instruir processos disciplinares e/ou judiciais.” [28]
Entretanto, infelizmente, tal documento não é assim entendido ou tratado. Não é de hoje que cursos e seminários sobre o assunto são realizados visando conscientizar os profissionais da saúde sobre a importância do prontuário do paciente e também não é de hoje que vemos inúmeras condenações judiciais e administrativas justamente por causa da precariedade de informações que de tal documento constam.
Pululam artigos orientativos sobre o assunto, mas, por diversos fatores, os profissionais aos quais eles são direcionados sequer deles sabem.
Médicos[29] da Universidade de Brasília constataram a precariedade de preenchimento do prontuário do paciente e afirmaram:
Apesar de sua reconhecida utilidade e ampla utilização no âmbito biomédico, os prontuários dos pacientes trazem, de ordinário, muitas falhas de preenchimento. Apresentam-se, neste relato, erros e dúvidas habituais em seu uso, relacionados a dados incompletos, incorreções gramaticais, ilegibilidade, prescrição sem exame do paciente, prescrição por telefone, falta de laudos, cessão de laudos e radiografias aos pacientes, atendimento sem prontuário, falta de carimbo, empréstimos de prontuário, relato de casos de crimes, abandono ou recusa de tratamento, transferência de pacientes, autorização para tratamentos, relatório de óbitos. Tendo em vista a importância do prontuário e o grande número de irregularidades em seu uso, conclui-se ser necessário que suas normas sejam fartamente divulgadas nas instituições biomédicas por meio de educação contínua, sobretudo nos hospitais-escola.[30]
A consequência da não elaboração do prontuário do paciente da forma completa determinada pela legislação é a provável condenação judicial tanto dos profissionais quanto dos estabelecimentos de saúde, quando constatada alguma não conformidade no atendimento, como exemplifica a seguinte decisão:
Responsabilidade civil. Erro médico. Atendimento em instituição privada. Relação de consumo. Responsabilidade objetiva. Consumidor. Hospital apelante que, por seu preposto, não diagnosticou a ruptura do tendão patelar direito do apelado decorrente de acidente. Fato que levou o consumidor a se submeter a doloroso tratamento inapropriado à sua patologia (aplicação de infiltração com gessamento e uso de anti-inflamatório), situação posteriormente constatada em outro médico, que, inclusive, indicou imediata intervenção cirúrgica. Relação de consumo que impõe a responsabilidade objetiva do apelante. Inteligência do art. 14 do CDC. Fato do serviço. Aferição do dano e do nexo causal que defluem irrefutáveis da prova dos autos. Prontuários médicos preenchidos com redação lacunosa e letra ilegível, fato constatado, inclusive na perícia médica realizada, o que denota grave desorganização administrativa, descaso e negligência com o consumidor. Danos morais, que à vista do ocorrido, senão aquém do devido, mostram-se razoáveis e proporcionais. Sentença que se mantém.[31]
Destacamos o seguinte trecho da decisão judicial acima mencionada para ressaltar o quão importante é a elaboração adequada do prontuário do paciente para que se possa dar subsídios à autoridade que for analisar determinada situação e permitir que ela entenda a cronologia e os atendimentos realizados. Afirmou a desembargadora relatora do caso:
Não existe notícia nos autos da lesão de malar diagnosticada pela emergência do Hospital Albert, e nem tampouco dos procedimentos do SASE, já que o preenchimento dos prontuários médicos, conforme fls. 166/170, pouco relatam acerca dos atendimentos prestados pelo médico do apelante, apresentando-se, outrossim, com letra ilegível e redação lacunosa, fato que foi constatado, inclusive, pelo perito médico do Juízo às fls. 178/185, trechos que se transcrevem:
“CONCLUSÃO – (…) A crítica ao serviço médico AME, SASE, situa-se no prontuário trazido aos autos que não permite identificar nada, não sendo possível com ele qualquer esclarecimento sobre a queixa do paciente, sobre o exame clínico, sobre a solicitação dos exames complementares, sobre a formulação da hipótese diagnóstica mais provável e sobre o tratamento.” (cf. fls. 181/182)
Sublinhe-se que prontuários médicos servem para relatar em detalhe o histórico de atendimento do paciente, seus sintomas, aspectos físicos, reações, queixas, diagnóstico, exames requeridos, tratamentos ministrados etc., donde não se nega serem instrumento imprescindível ao acompanhamento da evolução do quadro clínico e tratamento sistemático, ainda que seja necessário a passagem do paciente por diversos centros de tratamento, pelo que se constitui grave falha administrativa, denotadora de descaso e negligência com o consumidor, a falta de informações acerca do atendimento prestado ao mesmo.
Ainda sobre a consequência e os riscos decorrentes da má elaboração dos prontuários dos pacientes, ilustramos o assunto com as seguintes decisões judiciais:
Do contexto probatório releva notar que se ressentem os autos do prontuário médico pertinente ao ato cirúrgico, de forma a registrar o que efetivamente ocorreu no transcurso do ato operatório. Com razão a procuradora da autora às fls. 281, quando, analisando a prova pericial, anota que o perito se baseou para responder que a lesão aórtica não decorreu de possível erro médico, por informações colhidas dos prontuários, quando inexiste prontuário da menor relativamente ao que sucedeu no curso da cirurgia. Com efeito, apenas um relatório, assinado pelo Diretor do HIJG – fls. 28 – datado de quase um ano após a cirurgia, ou em 20.5.91, aflorou nos autos, anotando que no ato operatório houve lesão aórtica que necessitou tempo aumentado de clampeamento para sua correção”.
Na verdade, os autos acusam apenas fichas clínicas da menor – entre os dias 9.7.90 a 31.7.90 e dos dias 1º e 2 de agosto de 1990.
(…)
Fazia-se imperioso que do prontuário da paciente-autora constasse o relatório médico esclarecendo o realmente sucedido no curso da cirurgia, de que resultou lesão da aorta e as seqüelas decorrentes da sua correção, pois o seu campleamento “inadequado por um período além do necessário pode determinar lesões orgânicas” (depoimento supra).
A par dessa deficiência de dados no prontuário da paciente-autora, a dificultar sobremaneira a defesa da instituição apelada, o alegado no parecer último de que o acidente cirúrgico de que tratam os autos, mesmo previsível era inevitável, não é de molde a afastar a responsabilidade da recorrida.[32]
O prontuário é um documento de suma importância no relacionamento paciente/médico, mas infelizmente o mesmo não apareceu nos autos, quer porque foi rasgado, quer porque foi extraviado.
Sobre a importância do prontuário, traz-se entendimento do Professor de cirurgia vascular da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Irany Novah Moraes, in Erro Médico, Maltese, pág. 107: “Graças aos prontuários, os médicos podem provar que seus cuidados foram aprimorados e que as medidas tomadas eram adequadas ao quadro clínico que o paciente apresentava naquele momento. Mas se nada constar, o médico perde a possibilidade de poder comprovar o que realmente fez e, nesse caso, a alegação do paciente passa a ter maior validade do que a memória do médico que, na oportunidade certa, não registrou o fato no lugar adequado”.
No caso vertente, o requerido esqueceu-se de registrar as ocorrências no prontuário médico do autor, mas a representante legal deste está lembrada de numerosos elementos fáticos que nortearam o processado. Em que pese o conteúdo da contestação, a realidade fática demonstra que o requerente, em decorrência de culpa do requerido, encontra-se acometido de paralisia cerebral, anímico, sem auto-locomoção e necessitando de auxílio permanente até para as suas necessidades bio-fisiológicas mais básicas, incapacitado para quaisquer atos da vida civil. Essa foi a alta médica que o autor recebeu após o término do pós-anestesia necessário à operação cirúrgica de fimose. (…)[33]
Dano moral – Indenização – Situação de urgência – Demora excessiva no atendimento – Paciente no corredor de hospital que sofreu aborto espontâneo após espera de, aproximadamente, 4 horas – Feto que permaneceu ‘pendurado’ na autora sem que lhe fosse prestado socorro – Notícia de que o feto foi colocado em um saco plástico na frente da paciente, após o abortamento – Falta de informação aos familiares ou mesmo à paciente quanto ao seu real estado clínico e sobre os procedimentos adotados – Apesar de abalada emocionalmente foi a própria autora quem solicitou que viessem buscá-la no nosocômio – Ausência de lançamentos no prontuário médico – Falha no serviço caracterizada – Laudo pericial que, no entanto, não apontou nenhuma conduta dos médicos do hospital como causadora da morte do feto – Desnecessidade de intervenções cirúrgicas posteriores – Sofrimento imposto totalmente desnecessário – Aplicação do art. 14 do CDC – Dano moral reconhecido – Indenização fixada em valor equivalente a 1.000 (um) mil salários mínimos, à época do fato – Redução, porém, da verba indenizatória para o montante equivalente a 100 salários mínimos – Mantida determinação de expedição de ofícios ao Ministério Público para apuração de eventual crime de falso testemunho – Sentença parcialmente reformada – Recurso parcialmente provido.[34]
Quando o prontuário do paciente é elaborado da forma completa e cuidadosa preconizada pela legislação e possibilita a constatação dos serviços que foram prestados pela equipe multidisciplinar, ele proporciona a defesa das pessoas e dos estabelecimentos de saúde envolvidos de forma efetiva e contribui para a absolvição de quem está sendo acusado indevidamente. Exemplifica-se esta afirmativa com a decisão judicial abaixo, que se baseou no conteúdo de tal documento para absolver médico da acusação de homicídio culposo. Eis alguns trechos da decisão:
Homicídio culposo – Erro médico – Inocorrência de violação do dever de cuidado – Médico que, após realizar os exames necessários, prescrever a medicação correta, indicar a terapêutica e avaliar o paciente, concedeu-lhe alta para que seguisse o tratamento em casa – Ausência de negligência no desempenho da atividade – Inexistência, ademais, de nexo causal entre a conduta do profissional e o resultado lesivo – Absolvição mantida – Recurso desprovido.
[…]
Em 31.08.94, o exame foi realizado, confirmando-se o diagnóstico do Dr. Rajá Elias, qual seja, o de “Púrpura Trombocitopênica Idiopática” (TPI). Com o resultado em mãos, o Recorrido conversou com os pais da Vítima, apontando a medicação adequada e a forma de tratamento – prontuário médico à fl. 20 verso.
[…]
A materialidade do crime restou evidenciada através do prontuário médico, que indicou o óbito da Vítima às 21h do dia 01.09.94 (fl. 22 verso).
[…]
In casu, conforme consta no prontuário de fl. 20, foram realizados os exames laboratorias de hemograma, TAP (tempo de ativação da protrombina), KPTT (para verificação do tempo de coagulação) e tempo de coagulação. No centro cirúrgico do Hospital Regional de Chapecó, o Acusado efetuou o exame mielograma (fls. 20/21). Logo, quanto ao diagnóstico, não se vislumbra qualquer violação do dever de cuidado por parte do Apelado.
[…]
Por outro lado, o prontuário de fl. 20, a ficha de enfermagem de fl. 21 e o depoimento prestado pelo Dr. Rajá Elias (fls. 181 verso/182) evidenciam que o estado geral da Vítima era bom até o momento da alta, na manhã do dia 01.09.94, e, como bem salientou o Magistrado de origem, o paciente vinha reagindo bem à terapêutica aplicada, tanto que o número de plaquetas já havia subido de 5.000 para 10.000 por mm3, aproximadamente, em menos de 48 horas.
[…]
Destarte, não prospera a assertiva do Ministério Público de que o Acusado errou na avaliação do estado clínico do Ofendido ou de que realizou atendimento superficial a ele, já que inclusive foi o Médico que pessoalmente efetuou o exame “Mielograma” em Guilherme, indo em seguida ao quarto onde estava ele e seus pais, para explicar sobre a doença e sua terapêutica – conforme demonstra o prontuário à fl. 20 verso.[35]
O prontuário do paciente bem elaborado serve para levar pessoas a julgamento, pois se constitui em fonte para se buscar informações relativas a crime praticado, conforme se observa da seguinte decisão:
Tentativa de homicídio. Pronúncia. Corpo de delito. Desclassificação. (1) Nos crimes materiais, o prontuário médico aliado à prova testemunhal supre a ausência do corpo de delito. Inteligência dos arts. 158 e 167 do CPP. 2) Na primeira fase do procedimento escalonado do Tribunal do Júri, o juiz somente deverá desclassificar o crime, cuja denúncia foi recebida como sendo doloso contra a vida, diante da cristalina certeza quanto à ocorrência de outro diverso daqueles previstos no art. 74, § 1.º, do CPP. (3) Existindo dúvida acerca da intenção do agente no momento da prática do crime em tese cometido (animus necandi), impõe-se sua pronúncia por constituir mero juízo de admissibilidade da acusação, aplicando-se, nesta etapa processual, o princípio in dubio pro societate, de modo a reservar ao Conselho de Sentença, mercê de sua constitucional competência, o julgamento da causa.
(…)
No tocante a inexistir nos autos laudo de lesões corporais, que poderia ensejar o provimento do recurso com a impronúncia do recorrente pela não-comprovação da existência do crime que lhe foi imputado (CPP, art. 409) e não a pretendida nulidade da decisão de pronúncia recorrida, o prontuário médico de fls. 31/39 demonstra que, no dia dos fatos, a vítima foi submetida a cirurgia, enquanto ele próprio confessou, em seus interrogatórios, ter com ela se engalfinhado em briga (fls. 07 e 88), tudo corroborado pelos depoimentos testemunhais de fls. 19, 20, 102 e 104. Isso basta para atestar, de forma indireta, a materialidade delitiva, consoante admitem, por interpretação sistemática, os arts. 158 e 167 do CPP.[36]
- O sigilo
A presidente Dilma Rousseff estava de olhos fechados e vestia blazer vermelho com riscas de giz pretas quando posou para a foto que ilustrou a edição da revista Época de 30 de maio de 2011. É a manchete da capa: A saúde de Dilma. Época teve acesso a exames, listas de remédios e relatos médicos. Por que seu estado ainda exige atenção.[37]
Ao longo de seis páginas, a revista escarafunchou todos os males que afligiam a paciente Dilma, inclusive com a utilização de foto de corpo inteiro que destacava as partes onde ela tinha ou havia tido problemas. O título deste quadro ilustrativo é: O prontuário da presidente – um perfil médico de Dilma. Esta mesma página 63 da revista trouxe a lista dos principais remédios que ela utilizava, dos 28 que consumia.
A revista Época poderia escancarar as informações de caráter íntimo e pessoal do prontuário de uma paciente? Ainda mais (ou exatamente por isso) quando a paciente é a presidente da República? Se a paciente autorizou (e certamente isso aconteceu) não há nenhum problema nem qualquer repercussão jurídica, pois o sigilo diz respeito a ela, que pode tornar públicas as informações de seu estado clínico, como corriqueiramente fazem (ou fizeram) as autoridades, com destaque para o ex-presidente Lula e o ex-vice-presidente José Alencar.
É isso o que prevê o Código de Ética Médica.[38] Entretanto, se o paciente não autorizar por escrito a divulgação de suas intimidades, o estabelecimento de saúde, guardião[39] do prontuário do paciente, não poderá fazê-lo a terceiros, mesmo que o paciente tenha ido a óbito[40].
O conceito de prontuário do paciente indica que o documento possui caráter sigiloso. E é justamente na interpretação desta característica que reside a problemática que os hospitais enfrentam no seu dia a dia no que diz respeito a extração de cópias de referido documento e sua disponibilização a terceiros, quando não há autorização expressa do paciente[41] ou quando ele faleceu.
Existem situações em que o sigilo interessa ao próprio cidadão [ou paciente] para resguardar-lhe aspectos que lhe sejam caros, em relação aos quais a publicidade poderia ferir a sua intimidade.
As informações que o paciente passa ao profissional da saúde ou que este colhe diretamente são protegidas pelas disposições legais que integram o instituto do sigilo (ou segredo) profissional.
Consta do juramento de Hipócrates, feito pelos médicos ao se graduarem: “Àquilo que no exercício ou fora do exercício da profissão e no convívio da sociedade, eu tiver visto ou ouvido, que não seja preciso divulgar, eu conservarei inteiramente secreto. […]”
O Conselho Federal de Medicina “considera absolutamente abusiva a ação de autoridades policiais que, sem acionar o Judiciário, tentam pressionar médicos e parentes de pacientes a liberar prontuários. Tal fato continua a ocorrer em várias partes do Brasil e deve ser amplamente denunciado, para que ações sejam tomadas no sentido de impedir a existência e a continuidade dessa prática. Para o Conselho Federal de Medicina, todos os esforços para garantir o sigilo médico são absolutamente indispensáveis. E para o obtermos, adotaremos as ações necessárias e legalmente exequíveis.”[42]
O ordenamento jurídico brasileiro é primoroso no que diz respeito a previsões legais acerca da proteção do direito fundamental da pessoa em ter seu sigilo inviolado.
Esta ordenação protege o sigilo das informações das pessoas nas suas diversas facetas e situações, que serão abaixo exploradas para se fazer comparativo com a proteção do sigilo do prontuário do paciente.
A manutenção do segredo profissional talvez seja o item mais importante e controvertido no que diz respeito ao trato jurídico do prontuário do paciente, o que produz intermináveis discussões.
Há decisões judiciais que consideram que o sigilo profissional não é absoluto[43] e que comporta exceções, o que será trazido à baila mais adiante como parte integrante da discussão deste complexo tema que ainda carece de decisões e posicionamentos objetivos e terminativos.
5.1. A legislação
Básica e fundamentalmente, a proteção das informações constantes do prontuário do paciente tem origem na Constituição Federal, que prevê:
Art. 5o. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[…]
X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
Antes da atual Constituição Federal brasileira, que é de 1988, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada e proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948, previu, no seu artigo 12:
Ninguém será sujeito a interferências na sua vida privada, na sua família, no seu lar ou na sua correspondência, nem a ataques à sua honra e reputação. Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques.
Infraconstitucionalmente, diversas são as leis que protegem o sigilo profissional inerente ao conteúdo do prontuário do paciente e estabelecem sanções para o caso de sua quebra ou revelação.
Nesse sentido, prevê o Código Civil (Lei n. 10.406/02): “Art. 21. A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma.”
Eis o que dispõe o Código Penal:
Art. 153 – Divulgar alguém, sem justa causa, conteúdo de documento particular ou de correspondência confidencial, de que é destinatário ou detentor, e cuja divulgação possa produzir dano a outrem.
Pena – detenção, de 1 (um) a 6 (seis) meses, ou multa.
- 1o. A – Divulgar, sem justa causa, informações sigilosas ou reservadas, assim definidas em lei, contidas ou não nos sistemas de informações ou banco de dados da Administração Pública:
Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. […]
Art. 154 – Revelar[44] alguém, sem justa causa[45] [46], segredo, de que tem ciência em razão de função, ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outrem.
Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa.
Art. 269 – Deixar o médico de denunciar à autoridade pública doença cuja notificação é compulsória:
Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.
Art. 325 – Revelar fato de que tem ciência em razão do cargo e que deva permanecer em segredo[47], ou facilitar-lhe a revelação:
Pena – detenção, de seis meses a dois anos, ou multa, se o fato não constitui crime mais grave.
- 1o Nas mesmas penas deste artigo incorre quem:
I – permite ou facilita, mediante atribuição, fornecimento e empréstimo de senha ou qualquer outra forma, o acesso de pessoas não autorizadas a sistemas de informações ou banco de dados da Administração Pública;
II – se utiliza, indevidamente, do acesso restrito.
- 2o Se da ação ou omissão resulta dano à Administração Pública ou a outrem:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.
A Lei das Contravenções Penais (Decreto-Lei n. 3.688/41) indica como ilegal a seguinte prática, que permeia o assunto segredo profissional e abre exceções à sua manutenção:
Art. 66. Deixar de comunicar à autoridade competente:
I – crime de ação civil pública, de que teve conhecimento no exercício de função pública, desde que a ação penal não dependa de representação;
II – crime de ação pública, de que teve conhecimento no exercício da medicina ou de outra profissão sanitária, desde que a ação penal não dependa de representação e a comunicação não exponha o cliente a procedimento criminal.
Pena – multa.
Sobre este tema, o magistrado Jurandir Sebastião assim se manifestou:
Neste caso, o fato (crime) do qual o médico teve conhecimento pelo exercício da Medicina há de estar caracterizado como crime de ação pública e que não dependa de representação (ou seja, não dependa da vontade da vítima), e cuja comunicação não exponha o paciente a procedimento criminal. Exemplo: se o médico, em razão da profissão, ficar sabendo que seu paciente praticou o crime de aborto, não poderá denunciá-lo porque a comunicação desse fato à autoridade pública exporá seu cliente ao devido processo criminal, importando essa comunicação em quebra de sigilo profissional.
Entretanto, cometerá a infração contravencional o médico que deixar de comunicar às autoridades públicas se, ao fazer necropsia, constatar que a morte decorreu de violência (homicídio), ou, ainda, constatar que o corpo foi objeto de sevícias graves, antes da morte, por outras causas etc. É que esses fatos constituem crimes de ação pública incondicionada, e a comunicação não estará apontando o autor, cumprindo às autoridades públicas diligenciar para `descobrir´ a autoria do fato.
Ocorrerá igual contravenção se o médico deixar de comunicar o fato quando, ao atender seu paciente, ficar sabendo da ocorrência de crime de ação pública incondicionada (exemplos: homicídio, latrocínio, seqüestro, tráfico de drogas etc.) praticado por outrem (e não pelo paciente), e cuja autoria seja desconhecida pelas autoridades públicas, ou esteja sendo atribuída a terceiro inocente. Nesses casos, tem o médico o dever legal de comunicar o fato, porque essa comunicação não importará em quebra de sigilo profissional e nem processo crime contra o paciente.
De igual forma, deve o médico fazer a comunicação, quando atender paciente vítima de lesão grave (produzida por arma branca ou outro instrumento), ou envenenamento, ou qualquer outro delito, mesmo que o paciente não queira envolvimento pessoal com a polícia (fato comum do cotidiano). Não se pode esquecer que, em tais hipóteses, o paciente é a vítima, e apenas nessa condição integrará o procedimento criminal. Em quaisquer dessas comunicações, o médico estará acobertado pela conduta de cumprimento do dever legal.[48]
A Lei n. 8.159/91, que dispõe sobre a Política Nacional de Arquivos Públicos e Privados, aqui mencionada por analogia ao assunto, traz a seguinte previsão:
Art. 4º. Todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular ou de interesse coletivo ou geral, contidas em documentos de arquivos, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujos sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado, bem como à inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas.
Art. 6º. Fica resguardado o direito de indenização pelo dano material ou moral decorrente da violação do sigilo, sem prejuízo das ações penal, civil e administrativa.
Art. 11. Consideram-se arquivos privados os conjuntos de documentos produzidos ou recebidos por pessoas físicas ou jurídicas, em decorrência de suas atividades.
Art. 23. Decreto fixará as categorias de sigilo que deverão ser obedecidas pelos órgãos públicos na classificação dos documentos por eles produzidos. […]
- 3º O acesso aos documentos sigilosos referentes honra e à imagem das pessoas será restrito por um prazo máximo de 100 (cem) anos, a contar da sua data de produção.
Art. 24. Poderá o Poder Judiciário, em qualquer instância, determinar a exibição reservada de qualquer documento sigiloso, sempre que indispensável à defesa de direito próprio ou esclarecimento de situação pessoal da parte.
Parágrafo único. Nenhuma norma de organização administrativa será interpretada de modo a, por qualquer forma, restringir o disposto neste artigo.
Art. 25. Ficará sujeito à responsabilidade penal, civil e administrativa, na forma da legislação em vigor, aquele que desfigurar ou destruir documentos de valor permanente ou considerado como de interesse público e social.
Prevê o Decreto n. 4.553/02, que dispõe sobre a salvaguarda de dados, informações, documentos e materiais sigilosos de interesse da segurança da sociedade e do Estado, no âmbito da Administração Pública Federal, aqui mencionado por analogia:
Art. 2º. São considerados originariamente sigilosos, e serão como tal classificados, dados ou informações cujo conhecimento irrestrito ou divulgação possa acarretar qualquer risco à segurança da sociedade e do Estado, bem como aqueles necessários ao resguardo da inviolabilidade da intimidade da vida privada, da honra e da imagem das pessoas.
Parágrafo único. O acesso a dados ou informações sigilosos é restrito e condicionado à necessidade de conhecer.
Art. 3º. A produção, manuseio, consulta, transmissão, manutenção e guarda de dados ou informações sigilosos observarão medidas especiais de segurança.
Parágrafo único. Toda autoridade responsável pelo trato de dados ou informações sigilosos providenciará para que o pessoal sob suas ordens conheça integralmente as medidas de segurança estabelecidas, zelando pelo seu fiel cumprimento.
O Decreto n. 6.029/07, que institui o Sistema de Gestão Ética no Poder Executivo Federal, traz a seguinte disposição:
Art. 13. Será mantido com a chancela de “reservado”, até que seja concluído, qualquer procedimento instaurado para apuração de prática em desrespeito às normas éticas.
[…]
- 2º – Na hipótese de os autos estarem instruídos com documento acobertado por sigilo legal, o acesso a esse tipo de documento somente será permitido a quem detiver igual direito perante o órgão ou entidade originariamente encarregado de sua guarda.
- 3º – Para resguardar o sigilo de documentos que assim devam ser mantidos, as Comissões de Ética, depois de concluído o processo de investigação, providenciarão para que tais documentos sejam desentranhados dos autos, lacrados e acautelados.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, Lei n. 8.069/90) possui dispositivos que podem ser aqui mencionados, por analogia, para ampliar as várias facetas da questão:
Art. 13. Os casos de suspeita ou confirmação de maus-tratos contra crianças ou adolescentes serão obrigatoriamente comunicados ao Conselho Tutelar da respectiva localidade, sem prejuízo de outras providências legais.[49]
Art. 18. É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor.
Art. 245. Deixar o médico, professor ou responsável por estabelecimento de atenção à saúde e de ensino fundamental, pré-escola ou creche, de comunicar à autoridade competente os casos de que tenha conhecimento, envolvendo suspeita ou confirmação de maus-tratos contra criança ou adolescente:
Pena – multa de três a vinte salários de referência, aplicando-se o dobro em caso de reincidência.
Consta do texto do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.471/03):
Art. 6o. Todo cidadão tem o dever de comunicar à autoridade competente qualquer forma de violação a esta Lei que tenha testemunhado ou de que tenha conhecimento.[50]
Art. 19. Os casos de suspeita ou confirmação de maus-tratos serão obrigatoriamente comunicados pelos profissionais de saúde[51] a quaisquer dos seguintes órgãos:
I – autoridade policial;
II – Ministério Público;
III – Conselho Municipal do Idoso;
IV – Conselho Estadual do Idoso;
V – Conselho Nacional do Idoso.
A Lei n. 11.111/05[52], que regulamenta a parte final do disposto no inciso XXXIII[53] do caput do art. 5º da Constituição Federal, estatui:
Art. 7o Os documentos públicos que contenham informações relacionadas à intimidade, vida privada, honra e imagem de pessoas, e que sejam ou venham a ser de livre acesso poderão ser franqueados por meio de certidão ou cópia do documento, que expurgue ou oculte a parte sobre a qual recai o disposto no inciso X do caput do art. 5o da Constituição Federal.
Parágrafo único. As informações sobre as quais recai o disposto no inciso X do caput do art. 5o da Constituição Federal terão o seu acesso restrito à pessoa diretamente interessada ou, em se tratando de morto ou ausente, ao seu cônjuge, ascendentes ou descendentes, no prazo de que trata o § 3o do art. 23 da Lei no 8.159, de 8 de janeiro de 1991.
A obrigação de manutenção do sigilo permanece quando o profissional de saúde for instado a se manifestar em depoimento sobre o conteúdo do prontuário de um paciente, hipótese em que ele poderá se esquivar da revelação do segredo contido naquele documento, postura que encontra respaldo jurídico na própria legislação.
Neste sentido, citam-se os seguintes dispositivos legais que preveem a desobrigação do depoimento sem qualquer consequência ao profissional de saúde:
O Código de Processo Penal (Decreto-Lei n. 3.689/41) prevê, no artigo 207, que “São proibidas de depor as pessoas que, em razão de função, ministério, ofício ou profissão, devem resguardar segredo, salvo se, desobrigada pela parte interessada, quiserem dar o seu testemunho.”[54]
O Código Civil (Lei n. 10.406/02) ressalva a questão do sigilo profissional em depoimentos e desobriga o detentor das informações de exteriorizá-las a terceiros, inclusive a magistrados:
Art. 229. Ninguém pode ser obrigado a depor sobre fato:
I – a cujo respeito, por estado ou profissão, deva guardar segredo;
II – a que não possa responder sem desonra própria, de seu cônjuge, parente em grau sucessível, ou amigo íntimo;
III – que o exponha, ou às pessoas referidas no inciso antecedente, a perigo de vida, de demanda, ou de dano patrimonial imediato.
O Código de Processo Civil (Lei n. 5.869/73) traz a seguinte previsão:
Art. 347. A parte não é obrigada a depor de fatos:
I – criminosos ou torpes, que lhe forem imputados;
II – a cujo respeito, por estado ou profissão, deva guardar sigilo.
Parágrafo único. Esta disposição não se aplica às ações de filiação, de desquite e de anulação de casamento.
Art. 363. A parte e o terceiro se escusam de exibir, em juízo, o documento ou a coisa:
I – se concernente a negócios da própria vida da família;
II – se a sua apresentação puder violar dever de honra;
III – se a publicidade do documento redundar em desonra à parte ou ao terceiro, bem como a seus parentes consangüíneos ou afins até o terceiro grau; ou lhes representar perigo de ação penal;
IV – se a exibição acarretar a divulgação de fatos, a cujo respeito, por estado ou profissão, devam guardar segredo;
V – se subsistirem outros motivos graves que, segundo o prudente arbítrio do juiz, justifiquem a recusa da exibição.
Parágrafo único. Se os motivos de que tratam os ns. I a V disserem respeito só a uma parte do conteúdo do documento, da outra se extrairá uma suma para ser apresentada em juízo.
Art. 406 – A testemunha não é obrigada a depor de fatos:
I – que lhe acarretem grave dano, bem como ao seu cônjuge e aos seus parentes consangüíneos ou afins, em linha reta, ou na colateral em segundo grau;
II – a cujo respeito, por estado ou profissão, deva guardar sigilo.
Maria Helena Diniz se posiciona de forma convergente à desobrigação de depoimento do profissional da saúde em casos em que o sigilo deva ser preservado:
Desobriga-se de depor, em juízo, sobre fatos a cujo respeito uma pessoa, por estado ou profissão, deve guardar sigilo, isto porque a não revelação de segredo profissional é um dever imposto constitucional e legalmente, ante o princípio da ordem pública, sendo que constitui crime revelar a alguém o sigilo de que tiver notícia ou conhecimento, em razão de ofício, emprego ou profissão.[55]
O Código de Ética Médica[56] (Resolução CFM n. 1.931/09) é a norma jurídica específica a ser consultada para o assunto tratado neste artigo, que é alçado à condição de princípio fundamental. Referido código traz capítulo específico sobre o tema. Eis a sua previsão:
Capítulo I
PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS
XI – O médico guardará sigilo a respeito das informações de que detenha conhecimento no desempenho de suas funções, com exceção dos casos previstos em lei.
Capítulo IX
SIGILO PROFISSIONAL
É vedado ao médico:
Art. 73. Revelar fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão, salvo por motivo justo, dever legal ou consentimento, por escrito, do paciente.
Parágrafo único. Permanece essa proibição:
- a) mesmo que o fato seja de conhecimento público ou o paciente tenha falecido;
- b) quando de seu depoimento como testemunha. Nessa hipótese, o médico comparecerá perante a autoridade e declarará seu impedimento;
- c) na investigação de suspeita de crime, o médico estará impedido de revelar segredo que possa expor o paciente a processo penal.
Art. 74. Revelar sigilo profissional relacionado a paciente menor de idade, inclusive a seus pais ou representantes legais, desde que o menor tenha capacidade de discernimento, salvo quando a não revelação possa acarretar dano ao paciente.
Art. 75. Fazer referência a casos clínicos identificáveis, exibir pacientes ou seus retratos em anúncios profissionais ou na divulgação de assuntos médicos, em meios de comunicação em geral, mesmo com autorização do paciente.
Art. 76. Revelar informações confidenciais obtidas quando do exame médico de trabalhadores, inclusive por exigência dos dirigentes de empresas ou de instituições, salvo se o silêncio puser em risco a saúde dos empregados ou da comunidade.
Art. 77. Prestar informações a empresas seguradoras sobre as circunstâncias da morte do paciente sob seus cuidados, além das contidas na declaração de óbito, salvo por expresso consentimento do seu representante legal.
Art. 78. Deixar de orientar seus auxiliares e alunos a respeitar o sigilo profissional e zelar para que seja por eles mantido.
Art. 79. Deixar de guardar o sigilo profissional na cobrança de honorários por meio judicial ou extrajudicial.
Capítulo X
DOCUMENTOS MÉDICOS
É vedado ao médico:
Art. 85. Permitir o manuseio e o conhecimento dos prontuários por pessoas não obrigadas ao sigilo profissional quando sob sua responsabilidade.
Art. 89. Liberar cópias do prontuário sob sua guarda, salvo quando autorizado, por escrito, pelo paciente, para atender ordem judicial ou para a sua própria defesa.
- 1º Quando requisitado judicialmente o prontuário será disponibilizado ao perito médico nomeado pelo juiz.
- 2º Quando o prontuário for apresentado em sua própria defesa, o médico deverá solicitar que seja observado o sigilo profissional.
Observa-se pela simples leitura dos dispositivos legais acima reunidos que a regra geral é a proteção incondicional do sigilo das informações contidas nos prontuários dos pacientes em relação a terceiros, quando o paciente não autorizou por escrito a estes ter acesso àqueles dados, o que se torna impossível no caso de óbito ou impedimento momentâneo ou definitivo, mental[57] ou físico.
Nenhum dispositivo legal relativizou a proteção do sigilo das informações contidas no prontuário, a não ser por justa causa prevista pela própria legislação, o que não engloba os ofícios expedidos por autoridades, por exemplo.
5.2. A proteção do sigilo em assuntos distintos do prontuário do paciente
Destoa o tratamento rigoroso que algumas espécies de sigilo do indivíduo detêm, se comparadas ao recebido pelo prontuário do paciente. Abaixo, exemplificamos cuidados que, quisera os hospitais, fossem tão claros em relação ao prontuário do paciente, o que evitariam inúmeras discussões, desentendimentos e ações judiciais contra os estabelecimentos de saúde e seus gestores.
5.2.1. Sigilo de dados cadastrais e de terceiros
A Lei n. 5.061/07, do Estado do Rio de Janeiro, criou a obrigação de supressão de dados pessoais dos envolvidos que permitam a sua localização por pessoas estranhas aos quadros da Polícia Civil. Consta de referida lei:
Art. 1º – A Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro, nas delegacias de polícia nas quais se encontra implantado o sistema Delegacia Legal, deverá preservar em sigilo o endereço, o número telefônico, o número da identidade e o número do CPF dos envolvidos e testemunhas em ocorrências criminais, Ministério Público e Poder Judiciário.
Art. 2º – Para que não haja prejuízo ao serviço policial e judicante, tais dados serão mantidos em peça apartada, sendo encaminhados ao Poder Judiciário juntamente com o procedimento criminal, sempre que este lhe for apresentado, não podendo, sob nenhuma circunstância, serem disponibilizados aos envolvidos, testemunhas ou a terceiros.
O Superior Tribunal de Justiça afirmou que “o acesso a dados sigilosos de terceiros goza de proteção constitucional, não havendo ilegalidade na medida em que autoriza o acesso aos dados pertinentes ao crime em apuração, desde que sejam utilizados instrumentos de informática específicos para a correta busca e separação somente dos dados pertinentes ao caso.”[58]
5.2.2. Sigilo de dados bancários
Em 2010, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), em apertada votação (5[59] a 4[60]) e em acórdão com 62 páginas, frearam o ímpeto de devassa indiscriminada da Receita Federal e decidiram processo que foi assim ementado:
Sigilo de dados – Afastamento. Conforme disposto no inciso XII do artigo 5º da Constituição Federal, a regra é a privacidade quanto à correspondência, às comunicações telegráficas, aos dados e às comunicações, ficando a exceção – a quebra do sigilo – submetida ao crivo de órgão equidistante – o Judiciário – e, mesmo assim, para efeito de investigação criminal ou instrução processual penal.
Sigilo de dados bancários – Receita Federal. Conflita com a Carta da República norma legal atribuindo à Receita Federal – parte na relação jurídico-tributária – o afastamento do sigilo de dados relativos ao contribuinte.[61]
O Recurso Extraordinário julgado foi interposto contra decisão do Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região, que havia entendido e decidido favoravelmente à sempre prestigiada Receita Federal acerca da aplicação descontrolada da Lei n. 10.174/01, que alterou a Lei n. 9.311/96.
Havia decidido o TRF que
O acesso da autoridade fiscal a dados relativos à movimentação financeira dos contribuintes, no bojo de procedimento fiscal regularmente instaurado, não afronta, a priori, os direitos e garantias individuais de inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas e de inviolabilidade do sigilo de dados, assegurados no art. 5º, incisos X e XII, da CF/88, conforme entendimento sedimentado no tribunal.[62]
O início do voto do ministro Marco Aurélio, do STF, relator do Recurso Extraordinário em discussão, registra importante premissa que será invocada quando tratarmos especificamente do sigilo ou segredo profissional que incide sobre o prontuário do paciente. Afirmou o ministro:
É sempre oportuno atentar para os princípios consagrados na Carta Maior. A República Federativa do Brasil tem como fundamento a dignidade da pessoa humana – artigo 1º, inciso III, estando as relações internacionais norteadas pela prevalência dos direitos humanos – artigo 4º, inciso II. A vida gregária pressupõe segurança – artigos 5º e 6º -, pressupõe estabilidade, e não a surpresa. […] A referência a lei, a encerrar observância do princípio da legalidade, medula em um Estado que se diga Democrático de Direito, remete à necessária harmonia com o texto constitucional.[63]
Essa profunda e ampla discussão jurídica se deu em relação à necessidade de resguardar e garantir ao cidadão o seu direito constitucional ao sigilo de dados bancários, diante de “atos extravagantes que possam, de alguma forma, alcançá-lo [o cidadão] na dignidade.” E este “ato extravagante” consistia em lei federal, à qual foi dada “interpretação conforme à Carta Federal”, ou seja, ela foi desconsiderada na parte que afrontava a nossa Lei Maior.
Diante da complexidade e recorrência do assunto consistente no direito ao sigilo bancário do cidadão ele ainda será objeto de decisão do Supremo Tribunal Federal quando ele julgar a matéria, que foi afetada com Repercussão Geral.[64]
Noutro julgamento, o Supremo Tribunal Federal já havia decidido que o Banco Central não podia quebrar o sigilo bancário de um ex-diretor de um banco estadual, tendo a ementa da decisão recebido a seguinte redação:
SIGILO DE DADOS – ATUAÇÃO FISCALIZADORA DO BANCO CENTRAL – AFASTAMENTO – INVIABILIDADE. A atuação fiscalizadora do Banco Central do Brasil não encerra a possibilidade de, no campo administrativo, alcançar dados bancários de correntistas, afastando o sigilo previsto no inciso XII do artigo 5º da Constituição Federal.[65]
5.2.3. Sigilo de inquérito policial, inclusive de advogados
A Lei federal n. 8.906/94, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil, prevê:
Art. 7º. São direitos do advogado:
XIII – examinar, em qualquer órgão dos Poderes Judiciário e Legislativo, ou da Administração Pública em geral, autos de processos findos ou em andamento, mesmo sem procuração, quando não estejam sujeitos a sigilo, assegurada a obtenção de cópias, podendo tomar apontamentos;
XIV – examinar em qualquer repartição policial, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de inquérito, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos;
XV – ter vista dos processos judiciais ou administrativos de qualquer natureza, em cartório ou na repartição competente, ou retirá-los pelos prazos legais;
Na prática, não é tão simples como a lei manda. O Superior Tribunal de Justiça tem relativizado este direito e restringindo o acesso de informações constantes de inquéritos policiais quando elas pertencem a terceiros, ou seja, a pessoas diferentes do cliente do advogado, que pode ter acesso irrestrito e ilimitado “apenas no que disser respeito ao seu cliente, vedado o acesso a documentos pertinentes a terceiras pessoas e diligências ainda em curso”, conforme afirmou o ministro Arnaldo Esteves de Lima [STJ], que concluiu, ao confrontar dispositivos do Código de Processo Penal com o Estatuto da Advocacia:
A partir da exegese das normas supracitadas, deve-se conciliar os interesses da investigação e o direito à informação do investigado e, consequentemente, de seu advogado, a fim de salvaguardar as garantias constitucionais.
[…]
Nesse contexto, o acesso conferido aos procuradores não é irrestrito, devendo restringir-se aos documentos já disponibilizados nos autos e que se refiram apenas ao seu cliente, sendo, portanto, vedado o acesso a documentos pertinentes a outras pessoas.[66]
Seguindo essa mesma linha de pensamento, o Superior Tribunal de Justiça, em outra oportunidade, decidiu que o advogado sem procuração nos autos não tem o direito líquido e certo de examinar o processo:
PROCESSUAL CIVIL. IMPOSIÇÃO DE SIGILO NO DECORRER DA ANÁLISE DO PROCESSO. VALIDADE. EXAME DOS AUTOS POR ADVOGADO SEM PROCURAÇÃO NOS AUTOS. IMPOSSIBILIDADE. ART. 7º, XIII, LEI 8.906/94.
I – A liberdade de consultar os autos, tomando notas e com a obtenção de cópias, deve ceder à constatação da autoridade judicial de que o feito deve ter andamento com a garantia do sigilo, consoante inscrito no artigo 5º, X, da Constituição Federal.
II – O sigilo processual é colocado pela lei sob o prudente e criterioso arbítrio da autoridade julgadora em qualquer instância ou tribunal, o que ocorreu na espécie.
III – Nesse panorama, o advogado sem procuração nos autos não tem o direito líquido e certo a examinar o processo.
IV – Agravo regimental improvido.[67]
Noutro julgamento, de relatoria da Ministra Denise Arruda, o Superior Tribunal de Justiça, com base em decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, decidiu que o advogado tem direito a acessar autos de inquérito policial e obter informações que interessem diretamente apenas ao seu cliente. Eis a ementa:
RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONSTITUCIONAL. INQUÉRITO CIVIL. ACESSO A ADVOGADO CONSTITUÍDO PELOS IMPETRANTES. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
- Empresarial Plano de Assistência Médica Ltda e Outro impetraram mandado de segurança contra ato do Juiz de Direito da 2ª Vara Cível do Foro Regional de São José dos Pinhais, Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, consubstanciado no indeferimento de pedido de acesso a inquérito civil contra eles instaurado.
- No presente recurso ordinário, os recorrentes pleiteiam a reforma do acórdão proferido pela Corte local, com a consequente concessão da segurança, para que seja reconhecido o direito de acesso aos autos do procedimento investigatório 1.578/2007, bem como “lhes seja facultado o direito de fazer anotações e cópias; seja vedado o uso de documentos já encartados nos autos por quem quer que seja, inclusive e especialmente a parte requerente, ante a indevida obtenção de tais documentos sem audiência das requerentes; sejam devolvidos todos os prazos competentes e imponíveis contra o r. despacho que acolheu a pretensão do Ministério Público, para que possam as impetrantes manifestar os competentes recursos; sejam intimados de todos os atos do processo doravante” (fl. 221).
- Não é lícito negar ao advogado constituído o direito de ter acesso aos autos de inquérito civil, embora trate-se de procedimento meramente informativo, no qual não há necessidade de se atender aos princípios do contraditório e da ampla defesa, porquanto tal medida poderia subtrair do investigado o acesso a informações que lhe interessam diretamente. Com efeito, é direito do advogado, no interesse do cliente envolvido no procedimento investigatório, ter acesso a inquérito instaurado por órgão com competência de polícia judiciária ou pelo Ministério Público, relativamente aos elementos já documentados nos autos e que digam respeito ao investigado, dispondo a autoridade de meios legítimos para garantir a eficácia das diligências em curso. Ressalte-se, outrossim, que a utilização de material sigiloso, constante de inquérito, para fim diverso da estrita defesa do investigado, constitui crime, na forma da lei.
- Nesse contexto, o Pretório Excelso editou a Súmula Vinculante 14, segundo a qual “é direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa”.
- Nas palavras do Ministro Luiz Fux, “não obstante a garantia estabelecida pelo art. 7º, XIV do Estatuto dos Advogados do Brasil, constitui interesse primário de indiciado em procedimento que possa acarretar em cerceamento de sua liberdade, o acesso aos autos da investigação, justamente nos resultados que já constem do feito. Por outro lado, caso venha a se violar o segredo de justiça, utilizando-se as informações obtidas para fins outros que não a defesa do paciente, responderá o responsável nos termos da lei aplicável pelos delitos que cometeu. Ressalte-se que a adequação do sigilo da investigação com o direito constitucional à informação do investigado devem se coadunar no acesso restrito do indiciado às diligências já realizadas e acostadas aos autos. Afinal, a decretação de sigilo não impede o advogado de ter acesso aos autos do inquérito policial. Entretanto, essa garantia conferida aos causídicos deverá se limitar aos documentos já disponibilizados nos autos, não sendo possível, assim, sob pena de ineficácia do meio persecutório, que a defesa tenha acesso, ‘à decretação e às vicissitudes da execução de diligências em curso.’ (HC nº 82354/PR, 1ª Turma, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 24/09/2004)” (HC 123.343/SP, DJe de 9.12.2008). […][68]
5.2.4. Sigilo de anotações na Carteira de Trabalho
A Constituição Federal, no art. 5º, inciso X, acima transcrito, “elege como bens invioláveis, sujeitos à indenização reparatória, a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas. Encontra-se aí subentendida a preservação da dignidade da pessoa humana, em razão de ela ter sido erigida em um dos fundamentos da República Federativa do Brasil.”[69]
Este entendimento serviu de preâmbulo para que o Tribunal Superior do Trabalho reformasse acórdão proferido pelo Tribunal Regional do Trabalho [TRT] da 17ª Região que havia deferido indenização por dano moral de R$ 5 mil a empregada que teve anotado na sua Carteira de Trabalho, pelo empregador, a circunstância consubstanciada na utilização das palavras “conforme decisão judicial”, haja vista que o vínculo empregatício entre as partes foi estabelecido somente pelo Judiciário.
O TRT entendeu que aquela anotação (“conforme decisão judicial”) desabonava a ex-empregada e dificultava a procura de emprego,
[…] haja vista a realidade econômica e social do país e o fato de não ser bem vista, pelos empregadores, a procura do Judiciário pelo candidato a emprego.
Com efeito, em época de inegável escassez de empregos, a observação inscrita numa Carteira de Trabalho deixa de ter uma conotação de mera notícia para assumir o caráter prejudicial de contra-indicação do seu portador para eventuais futuros empregadores.
Conclui-se, portanto, pela lesão à dignidade e à privacidade da reclamante que teve em sua carteira anotação do fato contrário aos seus interesses e potencialmente prejudiciais à sua inclusão no mercado formal de trabalho. (sic)
A ex-empregada interpôs recurso de Embargos em relação à decisão do Tribunal Superior do Trabalho e, em março de 2012, conseguiu restabelecer o acórdão primitivo do TRT, conforme constou de seu resumo:
Decisão: I – por unanimidade, conhecer do Recurso de Embargos quanto ao tema “Danos morais. Configuração. Registro na CTPS de que a anotação do vínculo de emprego decorreu de determinação judicial”, por divergência jurisprudencial e, no mérito, por maioria, dar-lhe provimento para restabelecer o acórdão regional, vencidos os Exmos. Ministros João Batista Brito Pereira, Milton de Moura França e Ives Gandra Martins Filho; II – por unanimidade, não conhecer do Recurso de Embargos no tocante ao tema “Danos morais. Valor arbitrado.”
A decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região, restaurada, foi assim ementada:
Anotações desabonadoras na CTPS. Danos morais. A anotação de que o empregado foi dispensado por conta de acordo judicial tem aptidão para macular a sua vida profissional (além da honra, vida privada e intimidade), causando-lhe danos morais suscetíveis de indenização.
Vê-se, daí, o rigorismo jurídico com o qual é tratado o inciso X do artigo 5º da Constituição Federal, que protege o sigilo das informações dos cidadãos, inclusive aquelas contidas no prontuário do paciente.
- A proteção judicial do sigilo das informações do prontuário do paciente
O Ministro Cesar Asfor Rocha, do Superior Tribunal de Justiça, excursionou sobre o sigilo profissional em geral e afirmou:
O sigilo profissional é exigência fundamental da vida social que deve ser respeitado como princípio de ordem pública, por isso mesmo que o Poder Judiciário não dispõe de força cogente para impor a sua revelação, salvo na hipótese de existir específica norma de lei formal autorizando a possibilidade de sua quebra, o que não se verifica na espécie.
O interesse público do sigilo profissional decorre do fato de se constituir em um elemento essencial à existência e à dignidade de certas categorias, e à necessidade de se tutelar a confiança nelas depositada, sem o que seria inviável o desempenho de suas funções, bem como por se revelar em uma exigência da vida e da paz social.
Hipótese em que se exigiu da recorrente – ela que tem notória especialização em serviços contábeis e de auditoria e não é parte na causa – a revelação de segredos profissionais obtidos quando anteriormente prestou serviços à ré da ação.[70]
O Tribunal de Justiça de Santa Catarina enviou a todos os Juízes de Direito daquele Estado a Circular n. 4, de 8 de abril de 2011, que “orienta acerca das hipóteses de quebra de sigilo médico e requisição judicial de prontuários clínicos” e que traçou as seguintes diretrizes:
- se a ordem judicial estiver acompanhada de autorização/consentimento do paciente, não há qualquer impedimento legal ou ético no seu fornecimento pelo médico;
- se não houver autorização/consentimento do paciente, o magistrado deverá avaliar a ocorrência de dever legal ou justa causa, emitindo ordem judicial devidamente fundamentada para o fornecimento do prontuário pelo médico; nestes casos, cópia do prontuário médico somente será entregue ao perito nomeado pelo juiz (art. 89, § 1º, Código de Ética Médica), e
- em qualquer das situações anteriores, não deverá ser efetuada a juntada do prontuário médico aos autos. Em caso de juntada, os autos deverão tramitar sob “segredo de justiça”.[71]
Existem várias decisões judiciais que mandam resguardar de terceiros o sigilo profissional das informações contidas no prontuário do paciente e se direcionaram para a afirmação da impossibilidade de envio de cópia do prontuário do paciente para autoridades em geral. Abaixo, por amostragem, citamos 12 exemplos de tais decisões judiciais:
Desobediência. Médico e enfermeira que deixam de atender requisição judicial. Observância rigorosa do sigilo profissional. Hipótese que não versava, ademais, sobre crime relacionado com prestação de socorro médico ou sobre notificação compulsória de moléstia infectocontagiosa. Inexistência de justa causa para abertura de inquérito. Trancamento. Habeas Corpus concedido.[72]
Constitui constrangimento ilegal a exigência de revelação do sigilo e participação de anotações constantes das clínicas e hospitais. Habeas Corpus concedido.[73]
- Reclamante submetida ao processo de Extradição n.º 783, à disposição do STF. 2. Coleta de material biológico da placenta, com propósito de se fazer exame de DNA, para averigüação de paternidade do nascituro, embora a oposição da extraditanda. 3. Invocação dos incisos X e XLIX do art. 5º, da CF/88. 4. Ofício do Secretário de Saúde do DF sobre comunicação do Juiz Federal da 10ª Vara da Seção Judiciária do DF ao Diretor do Hospital Regional da Asa Norte – HRAN, autorizando a coleta e entrega de placenta para fins de exame de DNA e fornecimento de cópia do prontuário médico da parturiente. 5. Extraditanda à disposição desta Corte, nos termos da Lei n.º 6.815/80. Competência do STF, para processar e julgar eventual pedido de autorização de coleta e exame de material genético, para os fins pretendidos pela Polícia Federal. 6. Decisão do Juiz Federal da 10ª Vara do Distrito Federal, no ponto em que autoriza a entrega da placenta, para fins de realização de exame de DNA, suspensa, em parte, na liminar concedida na Reclamação. Mantida a determinação ao Diretor do Hospital Regional da Asa Norte, quanto à realização da coleta da placenta do filho da extraditanda. Suspenso também o despacho do Juiz Federal da 10ª Vara, na parte relativa ao fornecimento de cópia integral do prontuário médico da parturiente. 7. Bens jurídicos constitucionais como “moralidade administrativa”, “persecução penal pública” e “segurança pública” que se acrescem, – como bens da comunidade, na expressão de Canotilho, – ao direito fundamental à honra (CF, art. 5°, X), bem assim direito à honra e à imagem de policiais federais acusados de estupro da extraditanda, nas dependências da Polícia Federal, e direito à imagem da própria instituição, em confronto com o alegado direito da reclamante à intimidade e a preservar a identidade do pai de seu filho. 8. Pedido conhecido como reclamação e julgado procedente para avocar o julgamento do pleito do Ministério Público Federal, feito perante o Juízo Federal da 10ª Vara do Distrito Federal. 9. Mérito do pedido do Ministério Público Federal julgado, desde logo, e deferido, em parte, para autorizar a realização do exame de DNA do filho da reclamante, com a utilização da placenta recolhida, sendo, entretanto, indeferida a súplica de entrega à Polícia Federal do “prontuário médico” da reclamante.[74]
Mandado de Segurança. Impetração contra ato judicial requisitando a remessa do prontuário médico de paciente do hospital impetrante. Cabimento. Documentação protegida pelo sigilo profissional. Inocorrência das hipóteses do artigo 269, do Código Penal. Violação a direito líquido e certo de que é titular caracterizado. Dispensa do cumprimento da requisição. Segurança concedida.[75]
Sigilo médico profissional. Quebra. Inadmissibilidade. Recusa do fornecimento de prontuário médico de paciente para fins de investigação criminal, por suposta prática de aborto. Legitimidade. Apuração que não trata de crimes relacionados com a prestação de socorro médico ou de moléstia de comunicação compulsória.[76]
Ação de indenização. Apelado que, na qualidade de médico que assistia a apelante, enviou relatório da paciente para outro médico que passou a assisti-la. Inocorrência de quebra de sigilo de informações confidenciais sobre a paciente. Conduta do apelado que não caracteriza infração aos artigos 11 e 102 do Código de Ética Médica. Prontuário encaminhado de um médico para outro e não a pessoas estranhas ao exercício da medicina. (…) [77]
De acordo com o Código de Ética Médica (Lei n. 3.268/57) e a Instrução n. 153/85, da Corregedoria de Justiça do Estado de Minas Gerais, a entrega de documentos contendo dados de interesse médico às instituições públicas ou privadas, sem a devida e expressa autorização do paciente, de seu responsável legal ou sucessor, viola a ética médica. A sua requisição judicial deverá ser determinada apenas quando houver interesse público que recomende sua requisição para instrução de processos judiciais, entretanto, deverão ser adotadas providências no sentido de se resguardar o sigilo profissional da classe médica.[78]
Segredo profissional. A obrigatoriedade do sigilo profissional do médico não tem caráter absoluto. A matéria, pela sua delicadeza, reclama diversidade de tratamento diante das particularidades de cada caso. A revelação do segredo médico em caso de investigação de possível abortamento criminoso faz-se necessária em termos, com ressalvas do interesse do cliente. Na espécie, o hospital pôs a ficha clinica à disposição de perito médico, que “não estará preso ao segredo profissional, devendo, entretanto, guardar sigilo pericial” (art-87 do Código de Ética Médica). Por que se exigir a requisição da ficha clinica? Nas circunstâncias do caso, o nosocômio, de modo cauteloso, procurou resguardar o segredo profissional. Outrossim, a concessão do “writ”, anulando o ato da autoridade coatora, não impede o prosseguimento regular da apuração da responsabilidade criminal de quem se achar em culpa.[79]
Segredo profissional – Impedimento legal ao atendimento de requisição de documentos – Ficha clínica e relatório médico de paciente requisitados a hospital visando a instruir inquérito policial – Não equivalência a “justa causa” par a revelação, como tal entendidas as hipóteses de consentimento do ofendido, denúncia de doença cuja notificação é compulsória, estado de necessidade e exercício regular de direito – Exigência sob pena de busca e apreensão e ameaça de processo por crime de desobediência que implica violação de direito líquido e certo. Mandado de Segurança concedido.
A revelação do segredo profissional só é típica quando realizada sem justa causa, que constitui o elemento normativo do tipo do art. 154 do CP. Assim, não há tipicidade do fato, por ausência do elemento normativo, nas hipóteses de consentimento do ofendido, denúncia de doença cuja notificação pé compulsória, estado de necessidade e exercício regular de direito. A tanto não equivale a requisição judicial a hospital de ficha clínica e relatório médico de paciente visando a instruir inquérito policial. A exigência de tais documentos sob pena de busca e apreensão e ameaça de processo por crime de desobediência implica violação de direito líquido e certo, amparável por mandado de segurança.[80]
Apelação. Responsabilidade Civil. Entrega de prontuário médico sem as cautelas devidas, gerando dano moral à paciente, eis que utilizado em juízo, por terceiro, como prova contrária a seus interesses. Conduta ilícita demonstrada, bem como o nexo causal. Valor da indenização que deve ser reduzido de forma a se adequar à gravidade da conduta e ao dano efetivo suportado pela autora. [81]
Indenização. Danos materiais. Danos morais. Divulgação de prontuário. Paciente com AIDS. Incidência do CDC. Art. 14, § 3º. O hospital é fornecedor de serviços de saúde. Prontuário de paciente que tem o vírus HIV positivo divulgado a terceiros, servindo para a instrução de processo judicial. Não autorização da autora para entrega do prontuário. Violação da intimidade. Infração ao art. 5º, inciso X da CF. Ilicitude da conduta. Nexo causal. Prejuízo. Dano moral configurado. Valor da indenização. Necessidade de eficácia punitiva e coativa. Fixação em 30 salários-mínimos Danos materiais não comprovados.[82]
Exibição de documentos. Violação de dados pessoais relativamente ao prontuário médico de terceiros, que não têm qualquer relação com a parte. Descabimento. 1. Se inexiste certeza do nascimento do autor no nosocômio, se a data pode também estar incorreta, se nada indica que houve o abandono e posterior adoção, descabe liberar dados relativos aos prontuários de todas as pessoas do sexo masculino nascidas no dia indicado pelo autor, que é pessoa portadora de sérios distúrbios psicológicos. 2. Ainda que se possa compreender o drama pessoal do autor e os seus profundos conflitos pessoais, ainda que se possa reconhecer o direito dele de conhecer a sua origem biológica, esse seu direito não pode ser exercitado como se não existissem outros direitos que também são albergados pela Carta Magna. 3. O direito da pessoa de vasculhar documentos de um hospital, a fim de colher dados para a investigação da sua origem biológica, é limitado pelo direito das demais pessoas, que nenhuma relação tem com ele, à inviolabilidade da própria intimidade, da sua vida privada, da sua honra e da sua imagem (art. 5º, inc. X, CFB). 4. O direito de acesso das pessoas a obtenção de informações de interesse particular está previsto na Carta Magna, que traz expressa ressalva “aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado” (art. 5º, inc. XXXIII).[83]
Citamos a decisão abaixo por analogia, pois ela contém pertinente lição sobre a manutenção do sigilo de informações do cidadão:
Câmara Municipal. Exibição de documento – Sigilo constitucional. O cidadão tem direito às informações relativas à sua pessoa, constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público, mas desde que essas informações não tenham seu sigilo garantido pela Carta Magna, como é o caso do documento do qual teria originado o decreto legislativo. Assim, não pode a Câmara Municipal, por seu presidente ou por qualquer vereador ou funcionário, fornecer documentos sigilosos relativos à atuação legislativa, para instruir futura ação de indenização, ou sabe-se lá para que fim. Nem ao Poder Judiciário é lícito imiscuir-se em assunto interna corporis do Legislativo para satisfazer pretensão pessoal. Não bastasse o impedimento constitucional ao deferimento do pedido, os incisos IV e V do artigo 363 Código de Processo Civil admitem ao terceiro a escusa à exibição de documento ou coisa “se a exibição acarretar a divulgação de fatos, a cujo respeito, por estado ou profissão, devam guardar segredo” e “se subsistirem outros motivos graves que segundo o prudente arbítrio do Juiz, justifiquem a recusa da exibição”.[84]
Constata-se que a postura dos dirigentes de hospitais e demais estabelecimentos de saúde em não enviar cópia de prontuário a autoridades sem que tenha havido autorização do paciente é plenamente defensável e justificável do ponto de vista jurídico.
6.1. O sigilo do prontuário do paciente falecido
O Código de Ética Médica[85] contém a seguinte disposição acerca da manutenção do segredo profissional constante do prontuário do paciente que vem a óbito:
É vedado ao médico:
Art. 73. Revelar fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão, salvo por motivo justo, dever legal ou consentimento, por escrito, do paciente.
Parágrafo único. Permanece essa proibição:
- a) mesmo que o fato seja de conhecimento público ou o paciente tenha falecido; […]
A respeito dessa especificidade da norma aplicável ao caso em discussão abre-se outro enorme flanco para intermináveis discussões e confrontos entre os hospitais, familiares (filhos, pais, irmãos, cônjuges etc.) e autoridades, a partir das diferentes interpretações que cada um confere ao ordenamento jurídico, de acordo com seus interesses.
O Código Civil (Lei n. 10.406/02, art. 1.991) prevê a figura do inventariante, que é o administrador da herança do falecido, o que não quer dizer que, para o efeito aqui estudado, tenha ele a prerrogativa de zelar pelas informações constantes do prontuário do de cujus.
Alguns julgados se referem ao fato de que o “representante legal” do falecido tem direito de obter cópia do prontuário do finado para lhe dar a destinação que melhor lhe aprouver, inclusive a instrução de processos para recebimento de seguro de vida, pensão etc.[86]
Acontece que o Conselho Federal de Medicina (CFM) pensa diferente. Provocado pelo Conselho Regional de Medicina do Ceará para se manifestar sobre o assunto, decidiu o CFM pela orientação consistente na não liberação de cópia do prontuário do paciente falecido para seus familiares, em parecer assim ementado:
O prontuário médico de paciente falecido não deve ser liberado diretamente aos parentes do de cujus, sucessores ou não. O direito ao sigilo, garantido por lei ao paciente vivo, tem efeitos projetados para além da morte. A liberação do prontuário só deve ocorrer ante decisão judicial ou requisição do CFM ou de CRM.[87]
O Conselho Federal de Medicina entendeu que
os direitos da personalidade são intransmissíveis, não cabendo cogitar, portanto, a transmissão sucessória de um direito personalíssimo como a intimidade e a vida privada” e que “em hipótese alguma deve o hospital ou o médico liberar o prontuário do paciente falecido a quem quer que seja somente pelo fato do requerente ser um parente do de cujus. O parentesco, por si só, não configura a “justa causa” a que se refere o artigo 102 do Código de Ética Médica. Deve-se considerar que, na verdade, em muitas vezes as pessoas que os pacientes menos desejam que saibam de suas intimidades são exatamente os parentes.”
Posto isso, havendo interesse na elucidação da responsabilidade médica, deve o caso ser levado ao Conselho Regional de Medicina onde a conduta médica foi praticada ou, dependendo do caso, à apreciação judicial que, em face de decisão específica, poderá exigir a apresentação do prontuário médico de um paciente falecido e a nomeação de um médico perito para o acesso e análise de seu conteúdo.
A personalidade cessa com a morte, mas os direitos personalíssimos persistem após o óbito. São protegidos os interesses de pessoas vivas em função da dignidade moral inserida no contexto de preservação das características da personalidade do ente falecido. Nesse sentido, dispõe o parágrafo único do artigo 12 do Código Civil brasileiro: “Em se tratando de morto, terá legitimação para requerer a medida prevista neste artigo o cônjuge sobrevivente, ou qualquer parente em linha reta, ou colateral até o quarto grau”. […]
A partir dessas últimas considerações deve-se salientar que existem outras formas de o beneficiário do seguro obter informações sobre a causa do óbito, procurando os médicos que foram assistentes do de cujus, os quais irão esclarecer, no que lhes compete, as dúvidas da seguradora, sem que haja acesso direto ao prontuário ou entrega de cópias do mesmo aos sucessores.
Concluiu referido Conselho profissional que o prontuário do paciente falecido não deve ser liberado diretamente aos parentes do de cujus, sucessores ou não, e que a liberação apenas deve ocorrer a) por ordem judicial, para análise do perito nomeado em juízo ou b) por requisição do CFM ou de Conselho Regional de Medicina, conforme expresso no artigo 6° da Resolução CFM n. 1.605/00.
É essa a orientação em vigência e que deve ser respeitada pelos hospitais, apesar das constantes ameaças de autoridades que não nomeiam peritos comprometidos com a manutenção do segredo profissional para verificarem os prontuários e colher as informações de que necessitam. Ao invés, elas encaminham ofícios que obviamente não têm o condão de revogar a Constituição Federal e, por desconhecimento, ameaçam de processo por crime de desobediência os profissionais que insistem em manter o sigilo inerente ao prontuário do paciente. Trata-se de verdadeiro disparate à Constituição.
- A quebra indiscriminada do sigilo do prontuário do paciente
Há corrente jurisprudencial que defende que o segredo profissional não é absoluto e entende pela possibilidade de quebra do sigilo profissional. Sustentam os pensadores dessa linha o elastecimento do conceito de “justa causa” para acrescentar no seu rol as ordens judiciais e administrativas perpetradas por meio de ofício expedidos pelas autoridades por meio dos quais elas solicitam o envio de cópia do prontuário do paciente para instruir seus procedimentos.
Eis exemplos de decisões judiciais nesse sentido:
Requisição de prontuário. Atendimento a cota ministerial. Investigação de “queda acidental”. Arts. 11, 102 e 105 do Código de Ética Médica. Quebra de sigilo profissional. Não verificação.
O sigilo profissional não é absoluto, contém exceções, conforme depreende-se da leitura dos respectivos dispositivos do Código de Ética. A hipótese dos autos abrange as exceções, considerando que a requisição do prontuário médico foi feita pelo juízo, em atendimento à cota ministerial, visando apurar possível prática de crime contra a vida. Precedentes análogos.[88]
Processo Civil. Embargos de Declaração. Sigilo profissional. Omissões inexistentes.
- É dever do profissional preservar a intimidade do seu cliente, silenciando quanto a informações que lhe chegaram por força da profissão.
- O sigilo profissional sofre exceções, como as previstas para o profissional médico, no Código de Ética Médica (art. 102).
- Hipótese dos autos em que o pedido da Justiça não enseja quebra de sigilo profissional, porque pedido o prontuário para saber da internação de um paciente e do período.
[…] Embargos de Declaração no Recurso em Mandado de Segurança.
- Explicitado ficou no voto condutor que a entidade hospitalar não está obrigada a enviar à Justiça prontuários médicos.
- O Tribunal disse, com clareza, que à vista do prontuário, preservados os dados sigilosos quanto à doença e ao tratamento realizado, todos os demais dados relativos à internação não estão ao abrigo do sigilo profissional.[89]
Mandado de Segurança. Sigilo profissional. Médico. Impetração do writ contra decisão judicial que requisitou a apresentação do prontuário de paciente. Inadmissibilidade. Documento que se mostra necessário à formação do convencimento do juiz e solução da lide.[90]
Sigilo profissional. Violação. Inocorrência. Recusa ao fornecimento de prontuário médico de paciente morto após cirurgia de redução do estômago com base em resolução do Conselho Federal de Medicina que veda este tipo de procedimento. Inadmissibilidade. Prova destinada a embasar investigação para apurar crime de ação penal pública incondicionada. Hipótese em que a requisição não se destina a revelar segredo da vítima, mas sim qual a rotina médica adotada no procedimento cirúrgico, com o fim específico de se obter informações necessárias à elucidação da causa do óbito, sua autoria e se o médico responsável negligenciou na observância de regra técnica da profissão.[91]
O sigilo profissional não tem caráter absoluto, comportando relativo elastério. A quebra de sigilo pode ser imposta ao prudente arbítrio do juízo quando, em face à peculiaridade do caso, se vislumbre a existência de justa causa a autorizá-la.[92]
1- Para a exibição de documentos pela mantenedora do hospital onde falecido o marido da autora, não negada a óbvia existência deles em prontuário médico, não se faz mister a oitiva de testemunhas, inocorrendo cerceamento de defesa pela ausência de momento para o apontado ato judicial. 2- Na forma disposta pelo art. 844, II, do CPC, a viúva do falecido tem direito e acesso aos documentos do prontuário ante justa causa – investigação da origem da morte do ponto de vista real – e, por isto, avalizável a decisão singular que determinou a exibição dos documentos. 3- Discussão, nesta fase cautelar, sobre existência ou não de culpa da direção do nosocômio ou dos médicos, tem-se por impertinente e descartável.[93]
Médico. Sigilo profissional. Violação. Inocorrência. Determinação judicial da entrega de prontuário médico de paciente. Admissibilidade, se fundada em justa causa e necessária à formação do livre convencimento do Juiz e ao justo equacionamento da lide. Interpretação do art. 154 do CP e do art. 339 do CPC. [94]
Apesar de as decisões serem interessantes e fazerem o contraponto em relação ao aqui defendido, seu conteúdo jurídico não é suficiente (e nem poderia) para afastar a aplicação da Constituição Federal de forma diferente da usual, pois sugere a sua interpretação de forma assistemática.
Infelizmente, essa situação de enfrentamento entre os hospitais, pacientes e autoridades, ao que tudo indica, se agravará mais ainda quando os projetos de lei que modificam o Código Brasileiro de Trânsito (CBT – Lei n. 9.503/97) e amplia os meios validados pela Lei Seca (Lei n. 11.705/08) para comprovar a embriaguez de motoristas, se transformarem em lei.[95]
O texto aprovado na Câmara dos Deputados dobra a multa para o condutor flagrado sob a influência de álcool ou de substância psicoativa e permite o uso de imagens ou vídeos para constatar a infração, além da oitiva de testemunhas e realização de exame clínico. Pretendem os parlamentares instituírem a chamada “tolerância zero”.
Dentre as propostas em discussão nos projetos de lei, busca-se ampliar a redação do art. 306 da Lei n. 9.503/97 e incluir o seguinte texto:
- 6º A caracterização do crime tipificado neste artigo poderá ser obtida:
I – mediante testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outros meios que, técnica ou cientificamente, permitam certificar o estado do condutor;
II – mediante prova testemunhal, imagens, vídeos ou a produção de quaisquer outras provas em direito admitidas.[96]
Outra alteração que o Congresso Nacional pretende instituir é a modificação da redação do artigo 277 do Código Brasileiro de Trânsito, sendo que o texto que está em discussão tem o seguinte teor:
Art. 277. Todo condutor de veículo automotor, envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo de fiscalização de trânsito, poderá ser submetido a testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outro exame que, por meios técnicos ou científicos, em aparelhos homologados pelo CONTRAN, permitam certificar seu estado.[97]
Os testes e exames clínicos serão feitos pelos motoristas/pacientes em hospitais ou em laboratórios, que devem obediência às Resoluções emanadas dos Conselhos Federal e Estaduais de Medicina, que determinam que os prontuários/resultados somente sejam entregues aos próprios pacientes ou a quem eles autorizarem expressamente. É bem provável que os motoristas não desejarão produzir prova contra si mesmos[98] e não autorizarão o envio de cópia dos resultados para terceiros.
Não é difícil imaginar que, mais uma vez, os gestores dos hospitais serão premidos e ameaçados por autoridades quando eles se recusarem a enviar cópias de resultados de exames de pacientes para instruírem inquéritos policiais abertos para apurar embriaguez ao volante do cidadão/motorista/paciente.
- A indevida relativização do acesso ao sigilo contido no prontuário do paciente
O Conselho Regional de Medicina do Distrito Federal, abordando o sigilo profissional, considerou que “são poucas as situações em que a revelação do segredo médico é permitida: crimes que não impliquem processo criminal contra o paciente; notificação compulsória de doenças transmissíveis (lei nº 6.259/1975); comunicação de morte materna (portaria n. 653 do Ministério da Saúde); atuação do médico como perito judicial; declaração de nascimento e de óbito; comunicação de maus-tratos em menores; notificação de violência contra a mulher (lei nº 10.778/2003).[99]
É inegável que o prontuário de qualquer paciente contém informações acerca de seus hábitos alimentares e procedimentais em relação à vida, compleição física, quadro clínico, estado emocional e uma série de outros dados que dizem respeito única e exclusivamente a ele. O prontuário resulta das confidências que são feitas pelo paciente e percebidas e descobertas pelo médico no decorrer do tratamento, em virtude da prestação de serviços (consulta, atendimento etc.) que lhe é destinada.
É indiscutível que a Constituição Federal (art. 5º, X) protege as informações que constam dos prontuários de terceiros, sendo que cabe aos hospitais a sua guarda, por mandamento da Resolução CFM n. 1.638/02.
Não há possibilidade de intromissão externa e a ninguém é dado o direito de intrometer-se na vida alheia ou ter informações de relação travada entre os profissionais e estabelecimentos de saúde e os pacientes, menosprezando-se o direito fundamental do cidadão à privacidade e a intimidade, o que se daria caso o prontuário pudesse ser acessado por terceiros sem autorização do paciente. Incluem-se dentro da categoria de “ninguém” as autoridades em geral, inclusive as judiciárias.
A severidade com que são tratados os dados bancários, por exemplo, não se estende às informações contidas no prontuário do paciente, que invariavelmente são relativizados pelas autoridades, que abusam de seu poder para invadir a intimidade dos pacientes e ameaçar de processo os dirigentes dos hospitais que insistem em protegê-las. E elas assim o fazem porque entendem que seus ofícios nesse sentido seriam erigidos ao mesmo patamar que as leis que preveem as restritas hipóteses da justa causa, o que não encontra respaldo jurídico.
É crível que as informações contidas no prontuário dos pacientes são mais reveladoras da sua intimidade do que se escrever “conforme decisão judicial” numa carteira de trabalho. Não se pretende, obviamente, comparar esses direitos. Mas não se pode ignorar que se o sigilo dos dados bancários dos cidadãos, por exemplo, são mais protegidos do que as informações contidas no prontuário de pacientes.
O recente episódio envolvendo o “Carlinhos Cachoeira”, acusado de chefiar uma rede de jogos ilegais, mostrou que o ministro Ricardo Lewandowski, do STF, liberou o acesso do Conselho de Ética do Senado e da Corregedoria da Casa aos documentos que fazem parte das operações Monte Carlo e Vegas, da Polícia Federal, que investiga o próprio e sua ligação com o senador Demóstenes Torres, alguns deputados e outros agentes públicos. Anteriormente e antes da instalação da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito pelo Congresso Nacional, o ministro havia negado pedido feito pela Comissão de Ética do Senado neste mesmo sentido.[100]
Ora, se informações acerca de eventuais negociatas corruptas são protegidas com tanto esmero pelo Supremo Tribunal Federal, por que aquelas que dizem respeito à saúde e ao quadro clínico de pacientes, que se sustentam na mesma Constituição Federal, são corriqueiramente relativizadas pelas autoridades e os seus protetores são ameaçados de processos?
Por que a Comissão de Ética do Senado não ameaçou processar o ministro Ricardo Lewandowski quando ele se recusou a enviar cópia dos documentos que solicitou?
Por que os diretores de hospitais são ameaçados de processo quando protegem documentos que contêm informações mais importantes do que simples relacionamentos aparentemente corruptos entre pessoas?
Como aceitar a postura de delegados, promotores e juízes, que defendem que a recusa no envio de cópia do prontuário pelo hospital e o não atendimento de seus ofícios impedem a realização de investigação, inviabiliza o poder/dever do Estado de exercício da persecução penal, o que provocaria grave prejuízo à ordem pública e o direito à segurança da sociedade, além de subverter a ordem jurídica?[101]
Tais autoridades acusam os dirigentes dos hospitais de se valerem de falsa premissa de proteção da intimidade do paciente e ofenderem e desprezarem o interesse público e sua supremacia sobre o interesse privado.
Definitivamente, não é esse o motivo que move os gestores de hospitais a não enviar cópia de prontuários que não foram autorizados por seus titulares, mas a inteligência conjunta de todos os dispositivos legais acima mencionados. Não há dolo[102] específico dos gestores de hospitais em desrespeitar qualquer ordem de autoridades, inclusive judiciais, o que, por si só, afasta a configuração do crime de desobediência, diante da atipicidade de conduta.[103]
Ao invés de desobediência dos gestores de hospitais, o que se vê é o verdadeiro abuso de poder de autoridades ao determinar a revelação de informações sigilosas protegidas pela Constituição Federal, pois divorciadas do conhecimento específico a respeito da amplitude e complexidade do assunto.
- Conclusão
A revelação do segredo[104] [105] contido no prontuário do paciente sem sua autorização[106] [107] expressa poderá ensejar condenação consistente no pagamento de indenização por dano moral e eventualmente patrimonial do profissional e/ou do estabelecimento de saúde que mostrou indevidamente o seu conteúdo. [108] [109] [110]
O assunto é árduo e há enorme descompasso entre a teoria e a prática, o que invariavelmente coloca os profissionais e os estabelecimentos de saúde em xeque no confronto com as autoridades, que têm o poder de mandar prender os primeiros, inclusive.
O conteúdo dos prontuários dos pacientes não pode ser revelado para terceiros, sejam eles quem for. A única hipótese que permite que o hospital entregue cópia do prontuário a alguém é a autorização escrita neste sentido do próprio paciente.
Caso este tenha ido a óbito, a revelação do sigilo não pode ser “autorizada” pelo inventariante, pelos herdeiros, pela viúva, pelos filhos, pelo Promotor de Justiça, pelo Delegado de Polícia, pelo Juiz de Direito, pelo Desembargador ou por quem quer que seja.[111]
Além do Código de Ética Médica, várias leis e a Constituição Federal preveem a obrigatoriedade de manutenção do sigilo das informações constantes do prontuário do paciente. E os estabelecimentos de saúde não podem se furtar ao cumprimento das normas legais em razão de ordens ilegais emanadas de autoridades desavisadas.
Se concordarmos que o prontuário de um paciente registra fatos dos quais podemos extrair informações que podem expor a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, então, este documento é inviolável, o que conceitualmente quer dizer sagrado, intangível, que não pode ser devassado.
E, se é assim, o encaminhamento de cópia do prontuário a alguém que não seja profissional da saúde (este está obrigado a manter sigilo das informações a que tem acesso por mandamento dos seus respectivos códigos de ética) viola o mandamento constitucional e expõe o paciente, sujeitando o hospital a responder por ação de dano moral.
O paciente que procura o urologista, o ginecologista, o psicólogo, o psiquiatra ou qualquer outro médico expõe intimidades e conta-lhes coisas que não exteriorizaria para ninguém, em prol da sinceridade ao profissional e para facilitar a correta e rápida identificação do mal que o acomete.
E o paciente faz isso na certeza de que aquelas informações ficarão restritas ao conhecimento do médico que o atendeu, no consultório ou no leito hospitalar. Se o paciente desconfiar que as informações que revelou não estão seguras e que qualquer um pode ter acesso a elas, muito provavelmente ele omitiria alguma passagem relevante, o que poderia lhe trazer incalculáveis prejuízos para a sua saúde.
E se os pacientes assim passassem a agir é possível acontecerem sérios problemas de saúde pública, em razão da impossibilidade da aferição do real estado de saúde da população. O sigilo inerente ao prontuário do paciente possui diversas vertentes, como se vê.
Tal qual qualquer pessoa, as autoridades são obrigadas a respeitar a legislação. O fato de ser autoridade não dá a ela o direito e nem o livre arbítrio de fazer ou exigir o que quiser. A limitação de sua ordem esbarra no ordenamento jurídico. E cabe aos hospitais explicar isso detalhadamente às autoridades, quando instados a cumprir ordem que não encontra amparo legal.
Os estabelecimentos de saúde possuem vasto material constitucional, legislativo, doutrinário, jurisprudencial e administrativo para se insurgir contra ordens ilegais que mandam que eles enviem cópia de prontuários de pacientes sem que estes os tenham autorizado por escrito.
O velho ditado que diz que ordem judicial não é para ser discutida, mas cumprida, encontra limites quando elas são ilegais. Uma ilegalidade não justifica outra. Os hospitais têm que enfrentar as ordens ilegais, pois baixar a cabeça para elas fragiliza todo o segmento e faz com que eles descumpram a Constituição e exponham os segredos que seus pacientes revelaram ao seu corpo clínico, o que não é admissível sob nenhum ponto de vista, principalmente jurídico.
Cabe ao Estado provar a autoria de crime praticado pelas pessoas. O princípio constitucional que faculta a pessoa a não produzir prova contra si mesma continua válido. Portanto, a conclusão de que o não encaminhamento de cópia de prontuário a autoridades, sem autorização do paciente, seria a tentativa de acobertamento de crime e impedimento de conhecimento de eventual autoria mais parece choro de incompetente do que argumento jurídico.
Cabe ao Estado buscar a comprovação da prática de crimes e a identificação do autor, mas sem descumprir o ordenamento jurídico, a quem ele deve rigorosa e irrestrita obediência, sem qualquer margem discricionária, sob pena de colocar em risco as instituições e os direitos fundamentais das pessoas, o que é absolutamente inadmissível e deve ser rechaçado pelos hospitais de forma rápida e precisa, no Judiciário, se necessário for.
Enquanto a Constituição Federal e a legislação estiverem redigidas como estão ninguém tem direito de conhecer o conteúdo do prontuário se não for autorizado por escrito pelo próprio paciente ou seu representante legal, estes em especialíssimos casos que constituem a regra e não a exceção. Os hospitais não devem fazer vistas grossas a desmandos e nem podem se curvar a ilegalidades, em nenhuma hipótese.
Ou fazemos a legislação valer ou este será mais um odioso capítulo da novela tupiniquim das leis que “pegam” e das que “não pegam”. Não caiamos na vala comum desta demonstração de falta de cidadania. O Brasil não merece essa postura de nossa parte.
- Referências bibliográficas
BACELAR, Simônides. Jornal do Cremesp. A palavra mais certa. Setembro 2006, p. 3.
BACELAR, Simônides. Wanderley Macedo de Almeida e Glória Maria Andrade, Falhas e dúvidas comuns no uso do Prontuário Médico do paciente, Brasília Med 2002; 39(1/4).
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Ano 1, n. 2, janeiro a junho de 2012, p. 78 a 127, Brasília,
Confederação das Santas Casas de Misericórdia,
Hospitais e Entidades Filantrópicas
[1] O Conselho Federal de Medicina editou a Resolução n. 1.931/09 que prevê: Capítulo X – Documentos Médicos – É vedado ao médico: […] Art. 90. Deixar de fornecer cópia do prontuário médico de seu paciente quando de sua requisição pelos Conselhos Regionais de Medicina.
[2] Como, por exemplo, o IML – Instituto Médico Legal, o INSS – Instituto Nacional do Seguro Social, os Conselhos Tutelares do Idoso e da Criança etc.
[3] Delegados de Polícia, Promotores de Justiça, Juízes de Direito etc.
[4] Resoluções CFM n. 1.819/07 e 1.976/11 – – “[…] CONSIDERANDO que as informações oriundas da relação médico-paciente pertencem ao paciente, sendo o médico apenas o seu fiel depositário; […] Art. 1º. Vedar ao médico o preenchimento, nas guias de consulta e solicitação de exames das operadoras de planos de saúde, dos campos referentes à Classificação Internacional de Doenças (CID) e tempo de doença concomitantemente com qualquer outro tipo de identificação do paciente ou qualquer outra informação sobre diagnóstico, haja vista que o sigilo na relação médico-paciente é um direito inalienável do paciente, cabendo ao médico a sua proteção e guarda. Parágrafo único. Excetuam-se desta proibição os casos previstos em lei.”
[5] Resolução CFM n. 1.931/09 (Código de Ética Médica) – “Art. 87. […] § 2º O prontuário estará sob a guarda do médico ou da instituição que assiste o paciente.”
[6] Este assunto foi abordado com detalhes no livro escrito pelo autor deste artigo: TEIXEIRA, Josenir. Prontuário do Paciente – Aspectos Jurídicos. Goiânia: AB Editora, 2008.
[7] Resoluções CFM n. 1.605/00 (art. 1º) e n. 1.833/08 (art. 5º).
[8] Resolução CFM n. 1.931/09 (Código de Ética Médica) – “É vedado ao médico: Art. 88. Negar, ao paciente, acesso a seu prontuário, deixar de lhe fornecer cópia quando solicitada, bem como deixar de lhe dar explicações necessárias à sua compreensão, salvo quando ocasionarem riscos ao próprio paciente ou a terceiros. Art. 89. Liberar cópias do prontuário sob sua guarda, salvo quando autorizado, por escrito, pelo paciente, para atender ordem judicial ou para a sua própria defesa. […]”
[9] Superior Tribunal de Justiça, Recurso em Mandado de Segurança n. 5.821-2, Relator Ministro Adhemar Maciel, julgamento em 15 de agosto de 1995. “Administrativo. Mandado de Segurança. Quebra de sigilo profissional. Exibição judicial de ficha clínica a pedido da própria paciente. Possibilidade, uma vez que o art. 102 do Código de Ética Médica, em sua parte final, ressalva a autorização. O sigilo é mais para proteger o paciente do que o próprio médico. Recurso ordinário não conhecido.”
[10] Superior Tribunal de Justiça, Recurso em Mandado de Segurança n. 5.821-2, Relator Ministro Adhemar Maciel, julgamento em 15 de agosto de 1995. Voto-vogal. Consta do acórdão: “É evidente, o segredo visa a impedir que terceiros tomem conhecimento de interesse reservado de pessoas.”
[11] Autarquia federal criada pela Lei n. 3.268/57 e regulamentada pelo Decreto n. 44.045/58.
[12] Documento – segundo Hungria – “é todo escrito de que resulte a prova de fato juridicamente relevante, tenha ou não caráter econômico. Documento, enfim, é qualquer escrito, instrumento ou papel.” BITENCOURT, Cezar Roberto. Código Penal Comentado. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 641.
[13] Resolução CFM n. 1.638/02 (art. 1º).
[14] Vejam-se os “considerandos” da Resolução CFM n. 1.638/02.
[15] Tribunal de Justiça de São Paulo, Apelação Cível n. 836.205-0/5, Relator Desembargador Celso Pimentel, julgamento em 12.07.05. “Indenização Securitária – 1. Se não há prova de que o segurado agiu de má-fé ao contratar o seguro, isto é, de que se omitiu sobre doença de que em tempo algum fora indagado, não há omissão e não se justifica, por isso, a alegação de mal preexistente para a recusa à indenização – 2. Erro médico não se afirma assim, sem mais nem menos – Reconhecimento de imperícia no perfurar vaso quando da introdução de intracate pressupõe conhecer todos os aspectos do procedimento, com destaque para as condições do paciente, no caso, vítima de AIDS há meses além de quatro anos antes da morte, cujo prontuário hospitalar revela passagens pela unidade de terapia intensiva – 3. Quando a “apólice limitar ou particularizar os riscos do seguro, não responderá por outros o segurador” (Código Civil de 1916, art. 1.460), regra que não se atingiu por nenhum preceito do Código de Defesa do Consumidor – 4. Intercorrência de tratamento clínico da grave doença da segurada exclui-se da cobertura, se assim dispõe a apólice.”
[16] Superior Tribunal de Justiça, Recurso Ordinário em Habeas Corpus n. 2.314/PR, Relator Ministro Assis Toledo, julgamento em 28.10.1992. “Médico. Responsabilidade Penal. Homicídio Culposo. Denúncia que descreve a morte de paciente, sob cuidados médicos, resultante de imprudência e imperícia na ministração de drogas contraindicadas para pessoas com histórico de sensibilidade. Crime em tese. Alegação de ausência de prova da materialidade do delito, através de exame pericial idôneo. Improcedência dessa alegação, já que se cumpriu a exigência do art. 158 do CPP e, embora não conclusivo, admite o laudo oficial, como uma das possíveis causas da morte, o emprego de drogas, com o objetivo de tratamento, conforme registro no prontuário médico.”
[17] Superior Tribunal de Justiça, Habeas Corpus n. 27.781/SP, Relator Ministro Gilson Dipp, julgamento em 02.09.2004. “Criminal. Atentado violento ao pudor. Corrupção de menor. Art. 241 do ECA. Cerceamento de defesa. Acareação. Oitiva de testemunhas dispensadas pelo Ministério Público. Supressão de instância. (…) VI. É descabida a apontada ofensa ao direito de defesa do paciente, pelos reiterados indeferimentos dos pedidos de vista, reservadamente e com seus advogados, das fitas cujo conteúdo seria a prova material dos crimes a ele imputados, se evidenciado o deferimento de acesso a tal material, desde que o réu providenciasse cópias dos vídeos junto ao Instituto de Criminalística, às suas expensas. VII. Inércia da defesa quanto à reprodução das fitas, tendo insistido na entrega dos originais. VIII. Não se pode argüir nulidade a que se deu causa. Inteligência do art. 565 do CPP. IX. O risco de destruição ou de desaparecimento das fitas originais, principal prova do processo-crime, justifica a cautela do Juiz singular de possibilitar o acesso ao material probatório à defesa por meio de cópia, o que não causaria qualquer obstáculo à pretendida análise reservada dos vídeos, tampouco ao confronto das imagens com os prontuários médicos. X. A complementação de laudo pericial a partir da remoção dos invólucros das fitas é inviável, pois certamente redundaria na perda da prova ou sua danificação seria tamanha que levaria anos para obter a reconstrução, em flagrante conflito com o interesse estatal relativo ao jus puniendi. No mesmo sentido: STJ, RHC 13.626/SP.”
[18] Superior Tribunal de Justiça, Agravo Regimental no Agravo de Instrumento n. 784.446, Relator Ministro Carlos Fernando Mathias (Juiz Federal convocado do TRF 1ª Região), julgamento em 18.09.2008. “Processual Civil. Apuração do quantum devido. Apreciação de documentos que se encontram em poder da agravada. Enunciados 5 e 7 da Súmula do STJ. 1. Verificar se a conduta da recorrente de reter os pagamentos estaria ou não amparada em valores constantes de prontuários médicos que se encontram em posse da agravada implicaria no revolvimento de matéria fático-probatória, obstado em sede de recurso especial por incidência dos enunciados 5 e 7 da Súmula do STJ. 2. Agravo regimental a que se nega provimento.”
[19] Tribunal de Justiça de Santa Catarina, Apelação Cível n. 01.003065-4, Relator Desembargador Carlos Prudêncio, julgamento em 27.03.2001. “Ação Monitória. Ficha de internamento hospitalar. Prova escrita. (…) É hábil a ensejar a ação monitória ficha de internamento hospitalar devidamente preenchida com os dados do paciente e seu responsável legal, bem como com a relação dos serviços efetuados pelo nosocômio, por tratar-se de documento que, mesmo sem a firma do devedor, consigna um valor certo e gera a presunção da existência de um possível débito do acionado, oriundo de internamento para procedimentos cirúrgicos, ainda mais se, nos embargos interpostos, o devedor limita-se a questionar a excessividade do valor pleiteado e a impropriedade do documento embasador do pedido injuntivo, ou seja, não nega a prestação dos serviços.”
[20] Cristião Fernando Rosas, ex-Conselheiro do CREMESP (Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo) assim se manifestou: “Infelizmente, alguns colegas médicos se esquecem que o prontuário é uma valiosa peça de defesa legal. Inúmeros são os processos disciplinares em que a ausência de prontuários ou o seu preenchimento incompleto e parcial – como, por exemplo, a inadequada descrição cirúrgica, ou a falta de anotações relevantes nas folhas de observação clínica que justifiquem determinadas condutas médicas – coloca muitas vezes o profissional médico em situação precária perante este tribunal, inviabilizando a sua defesa.” Revista Ética Médica, CREMESP, 1988, p. 144/150.
[21] Tribunal de Justiça de São Paulo, Agravo de Instrumento n. 420.317-4/4-00, Relator Desembargador Donegá Morandini, julgamento em 30.05.06. “Ação de indenização por danos morais e materiais ajuizada contra hospital – Imposição de pagamento mensal de dois salários mínimos para custeio de tratamento – Lesões apresentadas pela paciente após ter recebido atendimento nas dependências da agravante – Constatada, ademais, violação do prontuário da autora – Inquestionável necessidade do tratamento.”
[22] O Dr. Simônides Bacelar foi perguntado: “Os prontuários médicos também revelam erros de comunicação?” Respondeu ele: “Em alguns casos, as descrições cirúrgicas e outras anotações nos prontuários são insuficientes para o completo esclarecimento de quem as lê. Freqüentemente, o médico prefere conversar com o colega que cuidou anteriormente do doente, pois o escrito no prontuário está extremamente sintético, com excesso de siglas e nomes com significados vagos. Assim, muito teria de ser subentendido ou mesmo suposto. Uma interpretação errônea pode criar condutas imperfeitas. Muitos não sabem o que poderia significar, por exemplo, ´paciente com #s na perna esquerda´. Obscuridades, ambigüidades, estrangeirismos, omissões, enganos, siglas e gírias podem induzir um médico a diagnósticos imprecisos e imperfeições no tratamento.” In Jornal do Cremesp. A palavra mais certa. Setembro 2006, p. 3.
[23] Tribunal de Justiça de São Paulo, Apelação Cível n. 372.579-4/5, Relator Desembargador Caetano Lagrasta, julgamento em 05.09.2007. Dano moral. Erro médico. Anotação no prontuário tratar-se de paciente alcoolizado. Nexo de causalidade não evidenciado entre o fato e o resultado, inclusive quanto à vida da vítima levada a óbito. Indenização indevida. […] Ementa:
Trata-se de ação de indenização por dano moral movida por […] em face de […], médico, por ter este anotado no prontuário do seu pai, sem qualquer exame, tratar-se de paciente que estava alcoolizado no momento do acidente que o levou a óbito, maculando sua honra e causando danos à sua família. […]”
[24] Resolução COFEN (Conselho Federal de Enfermagem) n. 272/02.
[25] Processo Consulta CFM n. 2.969/89.
[26] Resolução CFM n. 1.472/97.
[27] “Radiografia é um documento particular e pertencente ao paciente.” Consulta CREMESP n. 14.730/86.
[28] Resolução CREMESP n. 70/95.
[29] Simônides Bacelar (Médico Assistente, Professor Voluntário, Centro de Pediatria Cirúrgica, Comissão de Revisão de Prontuário, Hospital Universitário da UnB), Wanderley Macedo de Almeida (Médico-Cirurgião, Hospital de Base do Distrito Federal) e Glória Maria Andrade (Professora Assistente, Pediatria, Hospital Universitário da UnB)
[30] “Falhas e dúvidas comuns no uso do Prontuário Médico do paciente” in Brasília Med 2002; 39(1/4): 42-51.
[31] Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Apelação Cível n. 2006.001.54835, Relatora Desembargadora Cristina Tereza Gaulia.
[32] Tribunal de Justiça de Santa Catarina, Apelação Cível n. 99.013579-9, Relator Desembargador Alcides Aguiar, julgamento em 31.08.2000.
[33] Tribunal de Justiça de Santa Catarina, Apelação Cível n. 02.015700-2, Relator Desembargador Monteiro Rocha, julgamento em 29.04.2004.
[34] Tribunal de Justiça de Santa Catarina, Apelação Cível n. 524.141-4/9-00, Relator Desembargador Elcio Trujillo, julgamento em 28.12.2007.
[35] Tribunal de Justiça de Santa Catarina, Apelação Criminal n. 2003.030496-7, Relator Juiz José Carlos Carstens Köhler, julgamento em 31.08.2004.
[36] Tribunal de Justiça do Paraná, Recurso em Sentido Estrito n. 177.154-4, Relator Juiz Convocado Xisto Pereira, julgamento em 17.04.2006.
[37] Revista Época, editora Globo, ed. n. 680, páginas 62 a 67.
[38] Resolução CFM n. 1.931/09 – “Capítulo IX – Sigilo Profissional – É vedado ao médico: Art. 73. Revelar fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão, salvo por motivo justo, dever legal ou consentimento, por escrito, do paciente.”
[39] Prevê a Resolução CFM n. 1.638/02: “CONSIDERANDO que compete à instituição de saúde e/ou ao médico o dever de guarda do prontuário, e que o mesmo deve estar disponível nos ambulatórios, nas enfermarias e nos serviços de emergência para permitir a continuidade do tratamento do paciente e documentar a atuação de cada profissional;” Vide, também, a Resolução CFM n. 1.821/07, especialmente seus artigos 6º, 7º e 8º.
[40] Resolução CFM n. 1.931/09 – “Art. 73. Revelar fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão, salvo por motivo justo, dever legal ou consentimento, por escrito, do paciente. Parágrafo único. Permanece essa proibição: a) mesmo que o fato seja de conhecimento público ou o paciente tenha falecido; b) quando de seu depoimento como testemunha. Nessa hipótese, o médico comparecerá perante a autoridade e declarará seu impedimento; c) na investigação de suspeita de crime, o médico estará impedido de revelar segredo que possa expor o paciente a processo penal.”
[41] Resolução CFM n. 1.605/00: “Art. 3º – Na investigação da hipótese de cometimento de crime o médico está impedido de revelar segredo que possa expor o paciente a processo criminal. Art. 4º – Se na instrução de processo criminal for requisitada, por autoridade judiciária competente, a apresentação do conteúdo do prontuário ou da ficha médica, o médico disponibilizará os documentos ao perito nomeado pelo juiz, para que neles seja realizada perícia restrita aos fatos em questionamento.”
[42] Editorial do Jornal do Conselho Federal de Medicina de fevereiro de 2008, que tratou de “Privacidade, confidencialidade e sigilo” médico, página 7.
[43] Superior Tribunal de Justiça, Recurso Ordinário em Mandado de Segurança n. 11.453-SP, Relator Ministro José Arnaldo da Fonseca, julgamento em 17 de junho de 2003. “Recurso em mandado de segurança. Administrativo e criminal. Requisição de prontuário. atendimento a cota ministerial. Investigação de “queda acidental”. Arts. 11, 102 e 105 do Código de Ética. Quebra de sigilo profissional. Não verificação. O sigilo profissional não é absoluto, contém exceções, conforme depreende-se da leitura dos respectivos dispositivos do Código de Ética. A hipótese dos autos abrange as exceções, considerando que a requisição do prontuário médico foi feita pelo juízo, em atendimento à cota ministerial, visando apurar possível prática de crime contra a vida. Precedentes análogos. Recurso desprovido.”
[44] “Pela importância que certas relações encerram e a gravidade do dano ou prejuízo que a divulgação, sem justa causa, pode causar ao ofendido, o CP preferiu elevá-las à condição de crime. Essas atividades podem ser as exercidas por médicos, dentistas, advogados, engenheiros, sacerdotes etc. (…) A conduta tipificada é revelar, que significa contar a alguém segredo profissional. Revelar tem uma abrangência mais restrita do que divulgar: aqui implica um número indeterminado de pessoas; lá é suficiente alguém.” BITENCOURT, Cezar Roberto. ob. cit. p. 647.
[45] “A justa causa, que torna atípica a conduta, deve ser legal, isto é, deve encontrar fundamento direto ou indireto em norma jurídica. Nosso Código Penal filia-se à orientação que dá proteção absoluta ao segredo profissional. Advogado, por exemplo, que revela segredo de seu cliente à parte contrária, em prejuízo daquele, pratica crime de patrocínio infiel (art. 355). A violação de sigilo profissional (advogado, médico etc.) também constitui falta ético-administrativa.” BITENCOURT, Cezar Roberto. ob. cit. p. 648.
[46] “A nosso juízo, a denunciação de crime não constitui justa causa para a revelação de segredo, contrariamente ao que pensava Heleno Cláudio Fragoso […].” BITENCOURT, Cezar Roberto. ob. cit. p. 650.
[47] Tribunal Regional Federal da 1ª Região, Reexame necessário criminal n. 2297436.2009.4013400-DF (2009.34.00.023105-1), Relatora Desembargadora Federal Assusete Magalhães, julgamento em 04.05.2010. “Comentando o referido dispositivo legal [art. 325, Código Penal], Guilherme de Souza Nucci, in Código Penal Comentado, 9ª edição, p. 1.088, leciona: ´Segredo. É o que deve ser mantido em sigilo, sem qualquer divulgação. Se o funcionário conta o fato sigiloso a quem dele já possuiu conhecimento, não se consuma a infração penal. Por outro lado, quando, em nome do interesse público, houve necessidade da revelação do fato – para apuração de um crime mais grave que está sendo encoberto, por exemplo – cremos não configurar o crime´.”
[48] SEBASTIÃO, Jurandir. Responsabilidade médica: civil, criminal e ética. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 217/218.
[49] “O silêncio (não comunicação) poderá ser caracterizado como crime de omissão de socorro (art. 135 do Código Penal) ou outro tipo mais grave, conforme o caso. Poderá a pessoa omissa ser tida como conivente, sujeita então às mesmas penas dos autores do crime, previstas nos arts. 232 e 233 do Estatuto.” TAVARES, José de Farias. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 23.
[50] “A Lei em comento ratifica os termos do art. 5o, § 3o, do Código de Processo Penal, que determina a qualquer pessoa do povo que tenha conhecimento da prática de crime que caiba ação pública o dever de comunicar verbalmente ou por escrito à autoridade policial e esta deverá tão logo seja informada do fato tomar as providências cabíveis, no caso, instaurar o inquérito desde que a informação seja procedente. O Código não diz “poderá”, mas “comunicará” que é um dever e não uma faculdade de agir, como determina o parágrafo em comento. A pessoa do povo que tiver ciência da prática de crime de ação pública e que não comunicar o fato à autoridade competente estará incursa nas penas do art. 66 da lei das Contravenções Penais. Contravenção esta, referente à Administração Pública, cuja pena é a de multa.” FRANCO, Paulo Alves. Estatuto do Idoso Anotado. Leme: LED Editora de Direito, 2004. p. 33/34.
[51] “Quando a lei diz “profissionais de saúde”, não implica que somente os médicos terão a obrigação de levar ao conhecimento das autoridades competentes os casos de maus-tratos. Farmacêutico, enfermeiro, biomédico, dentista etc. Qualquer desses profissionais que souber através de seu exercício que um paciente que esteja sofrendo maus-tratos por parte de seus familiares deve comunicar o fato às autoridades competentes para que sejam tomadas as providências cabíveis contra o infrator.” FRANCO, Paulo Alves. ob. cit. p. 49/50.
[52] Esta lei foi revogada pela Lei n. 12.527/11.
[53] Constituição Federal – “Art. 5º. […] XXXIII – todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado;”
[54] “O próprio ordenamento jurídico brasileiro reconhece a importância dos segredos profissionais, tanto que protege a sua inviolabilidade, inclusive excluindo os profissionais da obrigação de depor, que é um dever de todos (art. 206, 1a parte, do CPP); aliás, os profissionais a quem são confiados os segredos, nas circunstâncias aqui examinadas, ´são proibidos de depor´, salvo se, desobrigados pela parte interessada, quiserem dar o seu testemunho (art. 207 do CPP). (…) A proteção legal do segredo protege tanto o titular do segredo quanto o seu destinatário: mesmo liberado pelo titular do segredo, razões éticas justificam a recusa do profissional de depor acerca de segredos de que tenha tido ciência em razão da função, ministério, ofício ou profissão. Ninguém pode ser obrigado a violentar seus princípios éticos, aliás, em nome dos quais as pessoas são levadas a confiar-lhes suas intimidades! Esses profissionais, na verdade, não são obrigados a depor nem ´prestar informações´ ou ´esclarecimentos´, que não passam de eufemismos utilizados por determinadas autoridades, com visível abuso de autoridade, para burlar a proteção legal. A título de ilustração, destacamos a prescrição do Código de Ética Médica, aprovado pela Lei n. 3.268/57, que dispõe: ´O médico está obrigado, pela ética e pela lei, a guardar segredo sobre fatos de que tenha conhecimento, por ter visto, ouvido ou deduzido, no exercício de sua atividade profissional, ficando na mesma obrigação todos os auxiliares.´(art. 36).” BITENCOURT, Cezar Roberto. ob. cit. p. 649. (sic)
[55] DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. São Paulo: Saraiva, 1997.
[56] “Os preceitos contidos nesse Código são normas jurídicas equivalentes às normas federais e, assim, obrigam do mesmo modo que estas.” MORAES, Irany Novah. Erro Médico e a lei. São Paulo: LEJUS, 1998. p. 365.
[57] Resolução CFM n. 1.952/10.
[58] Superior Tribunal de Justiça, Habeas Corpus n. 124.253, Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima, julgamento em 18.02.2010. “Processual penal. Habeas Corpus. Operações da Polícia Federal. “Operações Chacal” e “Satiagraha”. Reconhecimento da nulidade e determinação de suspensão de ações penais distintas. Impossibilidade. Necessidade de apreciação de provas. Supressão de instância. Busca e apreensão de HD. Alegação de ilegalidade. Falta de precisa indicação do local da diligência. Não-ocorrência. Apreensão de servidor utilizado por investigado e pertencente a terceiro. Possibilidade. Quebra do sigilo de dados de terceiros. Não-evidenciada. Existência de ferramentas de informática que possibilitam a separação de dados. Competência do Tribunal a quo para apreciação da apelação. Inexistência de nulidade e perda do objeto de apelação. Ordem parcialmente conhecida e, nessa extensão, denegada. […] 5. Com o auxílio das atuais ferramentas de informática, é possível fazer a separação dos dados de um HD, evitando-se a eventual quebra do sigilo de dados acobertados pela garantia constitucional. […]”
[59] Foram vitoriosos na votação que resultou na ementa os ministros Cezar Peluso, Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski.
[60] Foram vencidos na votação que resultou na ementa os ministros Dias Toffoli, Cármem Lúcia, Ayres Britto e Ellen Gracie.
[61] Supremo Tribunal Federal, Recurso Extraordinário n. 389.808/PR, Relator Ministro Marco Aurélio, julgamento em 15.12.2010. Recorrente: G.V.A. Indústria e Comércio S/A; Recorrida: União.
[62] Supremo Tribunal Federal, Recurso Extraordinário n. 389.808/PR, Relator Ministro Marco Aurélio, julgamento em 15.12.2010, folhas 219 e 220.
[63] Supremo Tribunal Federal, Recurso Extraordinário n. 389.808/PR, Relator Ministro Marco Aurélio, julgamento em 15.12.2010, folha 223.
[64] Supremo Tribunal Federal, Repercussão Geral no Recurso Extraordinário n. 601.314/SP, Relator Ministro Ricardo Lewandowski, julgamento em 22.10.2009. “Constitucional. Sigilo bancário. Fornecimento de informações sobre movimentação bancária de contribuintes, pelas instituições financeiras, diretamente ao fisco, sem prévia autorização judicial (Lei Complementar 105/2001). Possibilidade de aplicação da lei 10.174/2001 para apuração de créditos tributários referentes a exercícios anteriores ao de sua vigência. relevância jurídica da questão constitucional. Existência de repercussão geral.”
[65] Supremo Tribunal Federal, Recurso Extraordinário n. 461.366, Relator Ministro Marco Aurélio, julgamento em 03.08.2007.
[66] Superior Tribunal de Justiça, Habeas Corpus n. 65.303-PR, Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima, julgamento em 20.05.2008. “Processual penal. Habeas Corpus. Inquérito policial. Acesso. Advogado. Sigilo das investigações. Ordem denegada. 1. Ao inquérito policial não se aplica o princípio do contraditório, porquanto é fase investigatória, preparatória da acusação, destinada a subsidiar a atuação do órgão ministerial na persecução penal. 2. Deve-se conciliar os interesses da investigação com o direito de informação do investigado e, conseqüentemente, de seu advogado, de ter acesso aos autos, a fim de salvaguardar suas garantias constitucionais. 3. Acolhendo a orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal, o Superior Tribunal de Justiça decidiu ser possível o acesso de advogado constituído aos autos de inquérito policial em observância ao direito de informação do indiciado e ao Estatuto da Advocacia, ressalvando os documentos relativos a terceiras pessoas, os procedimentos investigatórios em curso e os que, por sua própria natureza, não dispensam o sigilo, sob pena de ineficácia da diligência investigatória. 4. Habeas corpus denegado.”
[67] Superior Tribunal de Justiça, Agravo Regimental no Mandado de Segurança n. 10.299-DF, Relator Ministro Francisco Falcão, julgamento em 07.02.2007.
[68] Superior Tribunal de Justiça, Recurso Ordinário em Mandado de Segurança n. 28.949-PR, Relatora Ministra Denise Arruda, julgamento em 05.11.2009.
[69] Tribunal Superior do Trabalho, Recurso de Revista n. 74500-48.2008.5.17.0005, Relator Ministro Barros Levenhagem, julgamento em 12.05.2010. “Recurso de Revista. Dano Moral. Anotação na CTPS. Menção à decisão judicial. I – É certo que o inciso X do artigo 5º da Constituição elege como bens invioláveis, sujeitos à indenização reparatória, a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas. Encontra-se aí subentendida a preservação da dignidade da pessoa humana, em razão de ela ter sido erigida em um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, a teor do artigo 1º, inciso III da Constituição. II – Verifica-se do acórdão impugnado ter o Regional reconhecido o dano moral por conta da anotação realizada pelo empregador na CTPS da expressão “conforme decisão judicial”. III – Compulsando-se o acórdão recorrido, não se divisa nenhuma situação lesiva à honra e à imagem do trabalhador ou abalo moral e psicológico na simples referência ao fato de a anotação da CTPS o ter sido feito por decisão judicial. Isso porque, sendo incontroverso que o registro de anotação na CTPS adveio de cumprimento de determinação judicial, não se revela juridicamente viável a tese de que, em face da escassez de empregos e dos prejuízos à inclusão no mercado de trabalho, deve, a teor do artigo 29, § 4º, da CLT, ser considerado desabonador o registro da decisão judicial. IV – É indiscernível ilicitude no ato do empregador, pois somente cumprira a obrigação determinada judicialmente, pelo que não violou o artigo 5º, X, da Constituição. Precedentes de Turmas do TST. V – Recurso provido.”
[70] Superior Tribunal de Justiça, Recurso Ordinário em Mandado de Segurança n. 9.612, Relator Ministro Cesar Asfor Rocha, julgamento em 03.09.1998.
[71] Superior Tribunal de Justiça, Agravo Regimental na Medica Cautelar n. 14.949, Relatora Ministra Nancy Andrighi, julgamento em 19.05.2009. “Processo Civil. Segredo de Justiça. Art. 155 do CPC. Rol exemplificativo. Informações comerciais de caráter confidencial e estratégico. Possibilidade. – O rol das hipóteses de segredo de justiça contido no art. 155 do CPC não é taxativo. – Admite-se o processamento em segredo de justiça de ações cuja discussão envolva informações comerciais de caráter confidencial e estratégico. Agravo a que se nega provimento.”
[72] Revista dos Tribunais n. 608/326, decisão do extinto TACrimSP: Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo.
[73] Supremo Tribunal Federal, Habeas Corpus n. 39.308/62, Relator Ministro Ary Franco, julgamento em 19.09.1962.
[74] Supremo Tribunal Federal, Questão de ordem na
Reclamação n. 2.040/DF. Relator Ministro Néri da Silveira, julgamento em 21.02.02. Diário da Justiça de 27.06.2003. p. 31.
[75] Tribunal de Justiça de São Paulo, Mandado de Segurança n. 327.306-3. Relator Desembargador Jarbas Mazzoni.
[76] Tribunal de Justiça de São Paulo, Revista dos Tribunais n. 791/599.
[77] Tribunal de Justiça de São Paulo, Apelação Cível n. 300.579-4/3-00. Relator Desembargador Salles Rossi.
[78] Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Apelação n. 2.0000.00.511572-8/000(1). Relator Desembargador Antônio Sérvulo.
[79] Supremo Tribunal Federal, Recurso Extraordinário n. 91.218-SP. Relator Ministro Djaci Falcão, julgamento em 10.11.1981.
[80] Tribunal de Justiça de São Paulo, Mandado de Segurança n. 102.893-3, Relator Desembargador Denser de Sá.
[81] Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Apelação Cível n. 2006.001.06133, Relator Desembargador José de Samuel Marques.
[82] Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Apelação Cível n. 7001.7144478, Relator Desembargador Carlos Rafael dos Santos Júnior, julgamento em 14.09.2007.
[83] Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Apelação Cível n. 7001.1484110, Relator Desembargador Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, julgamento em 10.08.2005.
[84] Tribunal de Justiça de São Paulo, Apelação Cível n. 335.454-4/4, Relator Desembargador Sousa Lima, julgamento em 11.08.2004.
[85] Resolução CFM n. 1.931/09.
[86] Por amostragem: Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Apelação n. 2.0000.00.373487-6/000(1). Relator Desembargador Antônio Armando dos Anjos, julgamento em 22.10.2002.
[87] Processo-Consulta CFM n. 4.384/07 – Parecer CFM n. 06/10. Relator Conselheiro Renato Moreira Fonseca. Julgamento em 05.02.2010.
Disponível em http://www.portalmedico.org.br/pareceres/CFM/2010/6_2010.htm, Acesso 1 mai 2012, 12h20.
[88] Superior Tribunal de Justiça, Recurso em Mandado de Segurança n. 11.453/ SP. 1999-0120187-0. Relator Ministro José Arnaldo da Fonseca, julgamento em 17.06.2003.
[89] Superior Tribunal de Justiça, Embargos de Declaração no Recurso Ordinário em Mandado de Segurança n. 14.134-CE, Relatora Ministra Eliana Calmon, julgamento em 22.10.2002. Consta do acórdão: “O prontuário do paciente não pode ser devassado ou utilizado como meio de prova, se o que se pretende não é saber se houve erro médico ou outra causa legal neste sentido. A remessa não seria do prontuário do paciente e sim das informações nele contidas. É dever legal das entidades hospitalares, à vista das anotações contidas nos prontuários, fornecer certidão sobre os dados ali constantes, omitindo-se apenas as informações técnicas referentes ao nome da doença e ao tratamento prescrito.”
[90] Tribunal de Justiça de São Paulo. Revista dos Tribunais n. 821/237.
[91] Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Revista dos Tribunais n. 826/663.
[92] Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Apelação n. 1.0000.06.438104-9/000(1). Relator Desembargador Paulo Cezar Dias, julgamento em 08.08.2006.
[93] Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Apelação n. 2.0000.00.373487-6/000(1). Relator Desembargador Antônio Armando dos Anjos, julgamento em 22.10.2002.
[94] 2º Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, 3ª Câmara, Agravo de Instrumento n. 526199-00/3, Relator Juiz Milton Sanseverino, julgamento em 11.08.1998. Revista dos Tribunais n. 760/295.
[95] Em 20 de dezembro de 2012 foi editada a Lei n. 12.760, que alterou a Lei n. 9.503/97.
[96] Projeto de Lei n. 2.788/11, do Senado Federal.
[97] Projeto de Lei n. 5.607/09, cuja redação final dada Pela Câmara dos Deputados foi enviada ao Senado Federal por meio do Ofício n. 156/12/PS-GSE, em 13.04.2012.
[98] Convenção Americana de Direitos Humanos (1969) – (Pacto de San José da Costa Rica) – “Art. 8º – Garantias judiciais: 2. Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas: g) (9) direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada”. No Brasil, a alínea “g” (ou item 9) é interpretada extensiva e exegeticamente, de forma a chegar-se à conclusão de que “ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo”. O direito de permanecer em silêncio está previsto no art. 5º, LXIII, da Constituição Federal brasileira.
[99] Conselho Regional de Medicina do Distrito Federal. Prontuário médico do paciente: guia para uso prático. Brasília: Conselho Regional de Medicina, 2006, p. 23.
[100] http://br.reuters.com/article/topNews/idBRSPE83Q08620120427, jornalista Ana Flor, reportagem de 27.04.2012, acesso em 29 abr 2012, 10h56.
[101] O jornal do Conselho Federal de Medicina de fevereiro de 2008, que tratou de “Privacidade, confidencialidade e sigilo” médico informou na página 3 que, “Para Diaulas Ribeiro, promotor de Justiça do Ministério Público do Distrito Federal, deve haver uma flexibilização a respeito do sigilo médico. Ele acredita não existir razão para se falar em sigilo médico quando o paciente é vítima e que o direito ao sigilo termina com a morte. O Código de Ética Médica, ao contrário, diz que mesmo que o fato seja público e mesmo que o paciente esteja morto, o sigilo deve ser preservado.”
[102] O magistrado Jurandir Sebastião assim se manifestou a respeito do assunto: “Obviamente que o dever de preservar o sigilo nada tem a ver (com) a obrigação de notificar as doenças contagiosas listadas e as decorrentes do trabalho, previstas no art. 169 da CLT. O delito de “quebra de sigilo”, para sua tipificação penal, exige conduta consciente do agente (dolo direto ou eventual), pela divulgação do fato pessoal colhido no exercício da profissão. Entretanto, é necessário que produza ou possa produzir dano ou constrangimento ao paciente. Uma coisa é a eventual divulgação de, por exemplo, uma cirurgia para apendicite, que nenhum constrangimento possa levar ao paciente, outra, muito diferente, será a de correção de disfunção eréctil, como de tratamento de frigidez, para a mulher e seu marido; ou, ainda, qualquer doença grave, contagiosa ou não. O que conta, no plano criminal, é a importância que o paciente dá ou possa dar à divulgação. Daí porque esse delito pende de provocação (representação) da vítima para que tenha início o processo punitivo.” SEBASTIÃO, Jurandir. Responsabilidade médica: civil, criminal e ética. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 212.
[103] Superior Tribunal de Justiça, Corte Especial, Petição n. 45.419-DF (96.01.45419-5), Relatora Eliana Calmon, julgamento em 15/10/1998. “Processo civil – Crime de desobediência: Atipicidade de conduta. 1. Os Secretários de Estado, no cometimento de crimes de competência da Justiça Federal, devem ser processados e julgados pelos Tribunais Federais (precedentes da Corte). 2. Atipicidade de conduta por inexistência de dolo ou culpa quanto ao não-cumprimento da ordem judicial. 3. Investigação arquivada.”
[104] Tribunal de Justiça de São Paulo, Habeas Corpus, Relator Desembargador Márcio Bonilha, Revista dos Tribunais n. 515:316. “O dever de guardar segredo profissional é absoluto. O que a lei proíbe é a revelação ilegal, a que tenha por móvel a simples leviandade, a jactância, a maldade.” BITENCOURT, Cezar Roberto. ob. cit. p. 651.
[105] “Segredo é algo que não deve ser revelado, sendo necessária a preservação do sigilo, não podendo sair da esfera da privacidade pessoal. É indispensável que o documento contenha um segredo cuja revelação tenha idoneidade para produzir dano a alguém. Logo, a simples chancela de ´segredo´ ou ´confidencial´ que determinados documentos recebem não é suficiente para caracterizar o documento secreto ou a correspondência confidencial, definida neste tipo penal (art. 153, CP). O sigilo, ademais, deve recair sobre o conteúdo da correspondência ou documento e não sob o seu aspecto formal. Assim, documentos ou correspondências irrelevantes, inócuas ou, por qualquer razão, incapazes de produzir dano ao sujeito passivo não são objeto da proteção legal do art. 153 (CP). No entanto, isso não significa que, enquanto correspondências, não tenham proteção legal, pois a inviolabilidade do seu sigilo continua bem jurídico penalmente protegido, mas já então à luz do art. 151 (CP).” BITENCOURT, Cezar Roberto. ob. cit. p. 642.
[106] “Tratando-se de bem jurídico disponível, o consentimento do ofendido exclui a adequação típica da conduta de revelar segredos profissionais. O consentimento (do paciente) afasta a elementar “sem justa causa”.” BITENCOURT, Cezar Roberto. ob. cit. p. 649.
[107] Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Apelação Cível n. 52.774/05, Relator Desembargador Maldonado de Carvalho.
[108] “Trata-se de hipótese de responsabilidade objetiva, porquanto a norma não prevê conduta para que haja o dever de indenizar.” NERY JUNIOR, Nelson. Constituição Federal Comentada e Legislação Constitucional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.
[109]“Assim, o conceito de intimidade relaciona-se às relações subjetivas e de trato íntimo da pessoa humana, suas relações familiares e de amizade, enquanto o conceito de vida privada envolve todos os relacionamentos da pessoa, inclusive os objetivos, tais como relações comerciais, de trabalho, de estudos etc.” MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. São Paulo: Atlas, 2006. p. 225.
[110] “Intimidade e privacidade são sinônimos e devem ser considerados valores humanos supremos, conexos ao direito de ficar tranqüilo, em paz, de estar só. O que se busca tutelar são o segredo e a liberdade da vida privada. Sem sigilo ninguém pode desenvolver-se intelectualmente, pois nem sempre a divulgação e a investigação são benéficas ao homem (Pierre Kayser). (…) Logo, vida privada é a mesma coisa que vida íntima ou vida interior, sendo inviolável, nos termos da Constituição. É o contrário da vida exterior. (…) A honra, portanto, é o sentimento de temor do demérito em face da opinião pública. (…) A imagem física é o bem inviolável que reflete os aspectos materiais do indivíduo. (…) O dano estético é o sofrimento moral decorrente de ofensas endereçadas à integridade física. Trata-se da lesão permanente que atinge a beleza do ser humano, comprometendo a harmonia das suas formas externas, enfeiando-lhe e causando-lhe humilhação, vergonha, desgosto, mal-estar, tristeza. Por isso, equipara-se ao dano moral para fins de indenização.” BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal anotada. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 146/149.
[111] TEIXEIRA, Josenir. O sigilo do prontuário é para valer? São Paulo: Revista Notícias Hospitalares n. 65, ano 7, nov/dez/jan de 2011, p. 34 a 36.
Um ótimo texto, muito informativo. Também escrevi sobre prontuário do paciente, caso queira saber um pouco mais: https://blog.vitta.com.br/2020/06/15/prontuario-do-paciente-um-recurso-e-direito-seu/
Vc resumiu bem as informações principais acerca do assunto. Parabéns! Abraço!
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Olá, tudo bem? Advoguei para clínicas de reabilitação e hospitais psiquiátricos e tenho grande preocupação com o tema, pois há abismo enorme entre a legislação e a realidade do dia a dia das pessoas que se encontram nessa situação, e o Direito está muito longe de dar conta de proteger os direitos delas. Podemos identificar uma forma de, juntos, ajudar a esclarecer esses pontos às pessoas. Abraço!