*Graciano Pinheiro de Siqueira
A recente Lei nº 11.127, de 28.6.2.005, que passou a vigorar na data de sua publicação, ou seja, 29.6.2.005, alterou os arts. 54, 57, 59, 60 e 2.031 da Lei nº 10.406, de 10.1.2.002 (NCC), revogando o parágrafo único do art. 57 da mesma lei.
Assim procedendo, o legislador, prestigiando o princípio constitucional da ampla liberdade de associação, deixou a cargo dos estatutos o modo de constituição e de funcionamento dos órgãos deliberativos, bem como a forma de gestão administrativa e de aprovação das respectivas contas, mantendo, apenas, a competência privativa da Assembléia Geral para decidir sobre a destituição de administradores e reformas estatutárias, seguindo-se, para efeito de tomada de deliberações, os quoruns neles livremente fixados, pondo fim a duas questões polêmicas que giravam em torno da nova legislação civil pátria:
1) a da possibilidade, ou não, de eleições indiretas dos administradores, já que a regra então vigente para o art. 59 determinava que competia, privativamente, à Assembléia Geral a eleição dos administradores, o que, para o Prof. Silvio de Salvo Venosa, tratava-se de um princípio cogente, de ordem pública, que não admitia disposição em contrário pela vontade privada.
Para o citado jurista, aquelas associações, mormente clubes sociais e esportivos, que sempre elegeram os diretores por meio indireto, através de um Conselho ou órgão assemelhado, não mais poderiam fazê-lo. As eleições deveriam ser sempre diretas.
Com isso, evitar-se-ia que apenas alguns poucos associados detivessem o poder, eternizando-se nos cargos que ocupavam na entidade, impedindo a renovação e o surgimento de novas lideranças.
Havia quem sustentasse, entretanto, e dentre eles o Prof. Miguel Reale, que as eleições poderiam ser indiretas, já que a Assembléia Geral, como órgão soberano que é, poderia delegar os poderes que lhe são conferidos, pela lei ou pelo estatuto, a qualquer outro órgão social.
Neste caso, o Conselho Deliberativo, por exemplo, que também é eleito pela Assembléia Geral, poderia eleger, por delegação desta, a Diretoria, ou órgão equivalente.
Destarte, ficaria preservado o direito dos associados de decidir livremente sobre o processo de administração mais conveniente aos interesses da entidade, preferindo a eleição indireta; e
2) a do parágrafo único do referido art. 59, o qual estabelecia que, para a destituição de administradores e alterações dos estatutos das associações, seria necessária a presença da maioria absoluta dos associados para deliberação em primeira convocação e de 1/3 (um terço) deles nas convocações seguintes, com aprovação por 2/3 (dois terços) dos presentes, o que significava que um número mínimo de associados deveria participar da votação para que a decisão fosse considerada legítima, o que, na prática, vinha inviabilizando as atividades de entidades com grande número de participantes, as quais estavam, por isso, tendo dificuldades para reunir milhares de associados para votar, em que pese o fato de que tal situação impedia que assuntos fundamentais para a vida da instituição fossem tratados por um número reduzido de pessoas, muitas vezes com interesses individuais acima dos sociais.
A conclusão a que se pode chegar é que o legislador, ao tornar a ver a matéria, voltou à conjuntura anterior à entrada em vigor do novo diploma regulamentador das relações privadas, quando os estatutos é que determinavam, bem ou mal, a organização e o funcionamento das pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos.
Com isso, pode-se dizer que muito pouco ou quase nada terão que mexer em seus estatutos aquelas entidades que ainda não se adequaram às regras do NCC, penalizando-se, de certa forma, aquelas que, visando atender o prazo estabelecido em seu art. 2.031, com a redação que lhe foi dada pela Lei nº 10.838, de 30 de janeiro de 2.004, ora revogada pela Lei nº 11.127/05, que, inclusive, o estendeu até 11 de janeiro de 2007, já haviam se adaptado, as quais, para não se verem obrigadas as seguir regras mais rígidas, especialmente quando pretenderem deliberar sobre matérias como destituição de administradores e emendas estatutárias, deverão rever seus estatutos, dispondo sobre as mesmas de forma mais flexível.
* Graciano Pinheiro de Siqueira, especializado em Direito Comercial pela Faculdade de Direito da USP e Substituto do 4º Oficial de Registro de Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca da Capital/SP.