*Graciano Pinheiro de Siqueira
Embora sem nenhum respaldo legal, têm sido arquivados, ao longo do tempo, quer perante as Juntas Comerciais, quer perante os Registros Civis de Pessoas Jurídicas, alterações contratuais em que o ESPÓLIO passa a figurar entre os QUOTISTAS, em lugar do SÓCIO FALECIDO.
A justificação, para acolhimento de tal prática, é a demora dos processos judiciais de inventário e a conseqüente partilha dos bens.
Atualmente, por força do disposto no artigo 1.028 da Lei nº 10.406/02 (NCC), no caso de morte de sócio, a REGRA da lei é a liquidação de suas quotas, o que resulta, segundo Sérgio Campinho, “inexoravelmente, na dissolução parcial da sociedade, realizando-se a apuração de seus haveres para pagamentos a seus herdeiros e legatários”, que, aliás, é uma questão estranha aos órgãos de registros públicos.
A solução somente não se perfaz se:
a) o contrato contiver, o que é de todo desejável, disposição diversa, que possibilite, ou não, o ingresso de herdeiros, caso evidentemente concordem, em sucessão ao sócio falecido, procedendo-se, em caso negativo, à apuração de haveres, impondo-se, nesse caso, dar o tratamento pelos sócios dispensados à hipótese;
b) os sócios remanescentes optarem pela dissolução da sociedade; e,
c) por convenção com os sucessores do sócio falecido, regular-se a sua substituição na sociedade. Neste último caso, a rigor, os herdeiros deverão eleger um representante para exercerem em comum seus direitos junto à sociedade, conforme lição de Waldemar Ferreira, “in” Tratado de Sociedades Mercantis (3º Volume – Sociedade por Quotas de Responsabilidade Limitada, Editora Nacional de Direito, 1.958, páginas 918 e 919), ou, não o fazendo, observar-se-á a regra disposta na nova legislação civil pátria que determina que, em ocorrendo sucessão do sócio falecido, os direitos derivados da condição de sócio devem ser exercidos perante a sociedade pelo inventariante do espólio até que se ultime a partilha (parágrafo 1º, do artigo 1.056), o que não significa uma permissão legal para que o ESPÓLIO ingresse na sociedade, na condição de sócio, o que é juridicamente impossível, já que o ESPÓLIO, embora tenha personalidade judiciária (possibilidade de estar em juízo, como se dá também com a massa falida, o condomínio e outras entidades jurídicas não personificadas), não é PESSOA, não tendo, assim, personalidade jurídica (capacidade plena para todos os atos da vida civil).
Com efeito, o contrato de sociedade estabelece uma relação jurídica entre sócios. Para Theodor Sternberg “Relaciones jurídicas son relaciones reguladas jurídicamente entre personas” (Introducción a la Ciencia Del Derecho, Editora Nacional, México, 1.967, tradução da 2ª. edição alemã, página 260).
O ESPÓLIO é uma massa de bens e não pode ser sujeito de uma relação jurídica.
Este o ensinamento de Miguel Reale: “O que não pode se admitir é que a relação jurídica se estabeleça entre uma pessoa e uma coisa: só pessoas podem ser sujeitos de uma relação jurídica, e sem duas ou mais pessoas ela não se constitui”.
A propósito, o artigo 981 do NCC é bastante claro ao definir que “Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados”.
Do mesmo modo, não tem sentido, como já se viu na prática, a EXCLUSÃO DO ESPÓLIO do quadro de quotistas. Efetivamente, o instituto da exclusão alcança, exclusivamente, os sócios, desde que vinculada a uma justa causa (artigo 1.085 do NCC).
É importante esclarecer, também, que o recebimento de quotas de sociedade limitada por herdeiros ou sucessores do sócio falecido não os torna automaticamente sócios. “Não se investem nessa qualidade, senão quando, por assim contratarem, entrem a fazer parte da sociedade. Só nesse momento, e nesta hipótese, é que sócios se tornam, como sucessores do falecido” (Waldemar Ferreira, “Compêndio das Sociedades Mercantis”, 3a. edição, 1º Volume, página 171). No mesmo sentido o ensinamento de Jesias Correa Barbosa: “A cláusula por si só não tem a virtude de converter em sócios os herdeiros do falecido…E, de outra parte, seria juridicamente impossível a transmissibilidade do vínculo social, eis que a qualidade de sócio é direito personalíssimo, situado fora da esfera da sucessão” (“Revista de Direito Mercantil” nº 4, ano X, 1.971, páginas 19/22). Ainda, Hernani Estrella: “A vocação hereditária se opera exclusivamente na esfera patrimonial, jamais a respeito da relação pessoal, como é aquela que deriva da qualidade de sócio” (“Apuração de Haveres”, página 70). Assim também na jurisprudência dos Tribunais: RT 562/206; RT 587/79).
Em suma, falecido o sócio, as prerrogativas pessoais do “status socii” não se transmitem automaticamente aos herdeiros ou sucessores, e muito menos ao ESPÓLIO, que, repita-se, pessoa não é, não lhe sendo possível, por tal motivo, possuir quotas sociais, ainda que transitoriamente.
*Graciano Pinheiro de Siqueira, especializado em Direito Comercial pela Faculdade de Direito da USP e Substituto do 4º Oficial de Registro de Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca da Capital/SP, estabelecido à Rua Dr. Miguel Couto, 44, Centro, CEP 01008-010, Fone: 0xx11 3241 0033, Fax: 0xx11 3241 0351, e-mail: gpsiqueira@bol.com.br.