Nossos políticos não agem da forma que gostaríamos. O que fazemos? Criticamos. Quantas vezes você, caro leitor, já escreveu para o político em quem votou para cobrar a sua posição em relação a determinado assunto? Aliás, caro leitor, você se lembra em quem votou para deputado estadual nas últimas eleições? E deputado federal? E para vereador, na eleição anterior, você se lembra?
Culturalmente, o brasileiro não se interessa muito pelo associativismo. Até vemos união de interesses inicial, na emoção do momento, mas, com o passar do tempo, as pessoas vão se afastando das entidades que ajudaram a criar, deixando para apenas 3 ou 4 membros a missão de levar adiante aqueles interesses coletivos às vezes complexos e que deveriam ser desenvolvidos por todos, para que atingissem seu objetivo. Assistimos ao nascimento de inúmeras instituições nos últimos anos, mas poucas delas causam algum impacto na sociedade e nem sempre justificam a sua criação. Eu costumo dizer que é muito fácil criar uma associação sem fins lucrativos. E é mesmo. Isso é possível em apenas 3 dias. O difícil é colocar em prática os objetivos estabelecidos criados para ela. É fácil constatar isso, caro leitor. Muito provavelmente há associação de moradores em seu bairro. Você sabe o que ela faz? Você a ajuda na realização das suas atividades? O beneficiário direto do sucesso daquela associação é você, caro leitor, que vive nos domínios dela. Ah, você até sabe que ela existe mas acha que ela não faz nada? Por que você está esperando que ela faça alguma coisa por você, primeiro, para depois você se interessar em fazer alguma coisa por ela? Esse é o eterno círculo vicioso que, enquanto não for solucionado e tiver a iniciativa de “alguém”, assim permanecerá. E muita gente acaba se escondendo atrás desse “enigma”.
Inevitavelmente vem à mente John Fitzgerald Kennedy: “Não pergunte o que o seu país pode fazer por você, mas o que você pode fazer pelo seu país”. Essa frase, dita há algumas décadas, resume muito bem a postura que o povo deveria ter diante dos fatos do cotidiano. Por que sempre achamos que as coisas acontecem (ou não acontecem) por culpa dos “outros”? Sempre falamos que “alguém” deveria fazer alguma coisa contra isso ou aquilo. Para dar um exemplo recente, porque a população do Pará está esperando que as autoridades façam alguma coisa contra quem permitiu que uma adolescente ficasse presa com algumas dezenas de homens, sendo abusada diariamente? Não vamos entrar no mérito da “debilidade mental” dela ou da autoridade que insinuou isso, nem vamos discutir o fato de ela ter 15 ou 16 anos, até porque o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) define o adolescente como aquele que possui até 18 anos incompletos. As notícias dão conta que a população sabia do fato e que até viam-na na cela, da rua. Porque essa população não se insurgiu contra isso? Não era problema dela? Daria trabalho? Os motivos são vários. Depende da nossa capacidade de criatividade. O fato é que a população foi omissa. Infeliz e invariavelmente, a população é omissa e inerte em diversos casos. Mesmo depois de tanto tempo, você viu a população de Abaetetuba ir às ruas para mostrar a sua posição (favorável ou contrária) com a situação? Eu também não vi. E ao não ver a manifestação da população eu posso tirar as conclusões subjetivas que eu quiser. Infelizmente, nesse caso, elas não são boas.
Há alguns meses, soubemos de uma ex-gari alagoana que, aos 40 anos, já teve 27 gestações. Teve 9 abortos espontâneos, mas possui 18 filhos (ela não sabe quantos estão vivos nem onde estão os que ficaram no nordeste, pois não tem contato com eles). Ela é praticamente analfabeta e vive na miséria numa cidade da grande São Paulo com 4 filhos, inclusive a recém-nascida, numa casa sem condições de abrigar um ser humano. Quem alimenta essa família é a igreja local. Marido? Não tem. Companheiro? Não tem. O pai dos filhos? Ela não sabe por onde eles andam, pois são 3, pelo menos. Todos a “deixaram”. Alguns estão presos. De quem é a culpa por essa situação? O Estado teria a obrigação de cuidar dos 18 filhos paridos por esta mulher? O Estado não teria a obrigação de evitar que essa mulher gerasse tantos filhos sem condições de ensinar qualquer coisa a eles? O que essas crianças “vão ser quando crescer”? Quais as perspectivas de uma vida digna que essas 18 crianças possuem? E algumas autoridades estão “discutindo” se deve ou não laquear essa mulher, diante de direitos que não podem ser feridos. Falar de controle de natalidade no Brasil parece pecado e é quase proibido, pois os intelectuais de almanaque, os covardes e os míopes insistem em rotular o assunto com premissa e preconceitos inexistentes, o que se constitui numa postura típica de país subdesenvolvido e mesquinho: o tal “confronto” da elite (chama de “branca”, por alguns) contra os pobres. A continuarmos o desvio do assunto e do enfrentamento de frente da questão é que poderemos acirrar este ânimo cada vez mais. Isso é muito perigoso e está cada vez mais próximo de nós.
Mais importante do que as leis, os princípios e todo o arcabouço de normas pregado pelo Direito, enquanto regulador de uma sociedade pluralista e democrática, está o bom senso, este estado de espírito e mente que, baseado em alguns valores objetivos e subjetivos, faz com que norteemos nossas ações. Por que que será, meu Deus, que não aplicamos mais o bom senso na interpretação de algumas coisas? Por que nos “emburrecemos” e retardamos nossas condutas para analisar leis burras, feitas por legisladores mais burros ainda?
Nosso povo precisa melhorar, sob todos os aspectos. E se o povo não exigir essa melhora de forma mais ostensiva e eficaz e parar de se contentar com migalhas que são dadas quando algum assunto menor é discutido no Congresso Nacional, continuaremos para sempre no círculo vicioso acima referido.
O povo precisa de educação. Se há algum segredo a ser desvendado, acho que é esse: EDUCAÇÃO. Quando se fala em educação é claro que falamos não só dela, propriamente, mas de tudo o que gravita em torno dela e que está escrito na Constituição Federal brasileira como “direitos” do cidadão: “a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância e a assistência aos desamparados.” Esses direitos estão positivados na norma jurídica mais importante do País, em cujo preâmbulo está escrito: “Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.” E por aí vai. Não podemos negar: é bonito. Eu diria que é um sonho, uma utopia distante, diante da falta de aplicabilidade, eficiência e eficácia do que está escrito na nossa Constituição “cidadã”. Basta dizer que ela determinou que algumas (centenas de) leis infraconstitucionais fossem criadas para regulamentar alguns de seus dispositivos e, quase 20 anos depois de sua promulgação, ainda não as temos.
Quando falamos que o povo precisa de educação, em suas várias vertentes, falamos de coisas simples, fáceis, mas também complexas. Algumas que demandam tempo e outras que podem ser criadas e aplicadas imediatamente, tal a deficiência apresentada por alguns locais. Não podemos perder de vista, nunca, o alerta de Paulo Freire: “Estudar exige disciplina. Estudar não é fácil, porque estudar é criar e recriar, é não repetir o que os outros dizem. Estudar é um dever revolucionário.”
O início de tudo, no nosso sistema republicano e presidencialista, se dá com a vontade política. Acredito que Aristóteles se remexe no túmulo quando vê nossos políticos fazerem “política”, algo tão necessário e tão desvirtuado atualmente. Ele deve pensar: perdi meu tempo escrevendo algumas diretrizes para a sociedade (A Política) e esse povo nem se dá ao trabalho de lê-las para aprender alguma coisa. É, caro Aristóteles (permita-me a intimidade), o problema é que nem ler nosso povo sabe direito. E ainda pior: alguns dos que lêem, não entendem o que leram. São os chamados “analfabetos funcionais”. Como desenvolver o país diante dessa constatação? Paulo Freire ressaltou: “O Brasil foi “inventado” de cima para baixo, autoritariamente. Precisamos reinventá-lo em outros termos.”
A educação é um ato fundamentalmente político. Mas não podemos esperar nada de útil nesse sentido dos nossos políticos. Nós, a sociedade, você que perdeu alguns minutos para chegar até aqui, é que devemos fazer com que isso seja realidade. “Somos todos responsáveis”. Reflita, caro leitor, a profundidade dessa frase, que intitula um livro de Antônio Ermírio de Moraes. Não culpe o próximo. Não culpe o vizinho. Não culpe o presidente da associação dos moradores do seu bairro. Não culpe o prefeito, nem o vereador, nem o presidente. Tenha a humildade de culpar a você mesmo. Se você não faz nada para o mundo melhorar (e você vive nele) a culpa também é sua.
Antônio Ermírio de Moraes escreveu outro livro cujo título soa como um clamor apocalíptico, quase que como súplica: “Educação Pelo Amor de Deus”. Ele diz: “Sem educação não há esperança. As pessoas pouco educadas amargam longos períodos de desemprego. A educação é a mola do progresso. A sua falta é a causa do atraso.”
Paulo Freire, em 1993, desabafou: “É um absurdo que estejamos chegando ao fim do século, fim de milênio, ostentando os índices de analfabetismo, os índices dos que e das que, mal alfabetizadas, estão igualmente proibidos de ler e de escrever, o número alarmante de crianças interditadas de ter escolarização e que com isso tudo convivamos quase como se estivéssemos anestesiados.”
Estamos incrivelmente anestesiados, caro Freire (permita-me, de novo, a intimidade). Não nos importamos muito com o número de diplomados analfabetos que nossas faculdades despejam anualmente no mercado, com destaque para os de Direito e Medicina. E só menciono essas 2 áreas porque as demais ainda não instituíram as provas de medição da capacidade dos seus graduados. Quando o fizerem, infelizmente, seremos “surpreendidos” de novo. Isso está anunciado. Por que não fazemos nada eficaz? Porque estamos anestesiados, acovardados, acomodados e impregnados com inércia tal que não desafiamos “os camaradas a pensar, a analisar a realidade”, como Freire sugeriu.
Lembram-se da música “Inútil”, do Ultraje a Rigor, composta pelo Roger Moreira? Eis alguns trechos:
“ A gente não sabemos
Tomar conta da gente …
Tem gringo pensando
Que nóis é indigente …
A gente faz filho
E não consegue criar …
Sei que você, caro leitor, não leu nenhuma novidade neste artigo. Eu ressoei o que muitas pessoas falam e escrevem. Aliás, desculpe a obviedade desse artigo. Mas entendi que eu deveria comentar minhas impressões e constatações com você, que é qualificado, formador de opinião, e que lida com a saúde do público em nossos estabelecimentos de saúde (hospitais, clínicas, laboratórios etc.). Você já percebeu como as pessoas deseducadas aceitam de forma muito pacífica a ausência do Estado no que diz respeito à saúde? Não tem médico no posto? Ou eles voltam para casa ou morrem ali mesmo. E estamos conversados. E olha que a nossa Constituição “cidadã” prevê que “a saúde é um direito de todos e DEVER do estado”.
Portanto, meu caro leitor, faça a sua parte. Faça algo em prol daquele que não teve a oportunidade que você teve: educação, nas suas diversas vertentes. Ensine alguém a ler, a aprofundar seu conhecimento de leitura. Doe um livro e, principalmente, cobre a sua leitura de quem o ganhou. Reúna pessoas para trocar idéias, estudar juntas e discuti-las. Isso vale, inclusive, para as normas técnicas que regulamentam a área da saúde, na qual atuamos. Se você quiser, conte-me suas experiências para que eu as compartilhe com os demais. Vamos sair do marasmo e da zona de conforto com a qual nos acostumamos. Vamos construir um futuro melhor! Vamos tomar as rédeas desse futuro! E que venha 2008!
Caro leitor: desculpe o deslumbramento da minha utopia!
dezembro/2007