Organizações Não-Governamentais – ONGs
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Graciano Pinheiro de Siqueira
Especializado em Direito Comercial pela Faculdade de Direito da USP.
Substituto do 4º Oficial de Registro de Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica de São Paulo/SP
e-mail: gpsiqueira@bol.com.br
SUMÁRIO
I- Legislação Básica.
II- O que é uma ONG?
III- Por que constituir uma ONG?
IV- Como constituir uma associação.
V- Como constituir uma fundação.
VI- Registros Facultativos.
VII- Crítica.
VIII- Lembrete.
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I- LEGISLAÇÃO BÁSICA
® Constituição Federal
– artigos: 5º, incisos XVII, XVIII, XIX, XX e XXI (todos relativos às associações); 17, parágrafo 2º (trata os partidos políticos como associações civis, assim como o faz a Lei nº 9.096/95); e, 127, caput, e 129, II e III (tratam da proteção, pelo MP, de interesses sociais, coletivos e difusos).
® Lei nº 10.406/02 (novo Código Civil):
artigos: 40; 41; 42; 44, com redação alterada pela Lei nº 10.825/03; 45 e respectivo parágrafo único; 46; 49 (administrador provisório); 50 (desconsideração da personalidade jurídica); 53 (conceito legal de associação) a 61; 62 a 69; 966 (trata do empresário) e respectivo parágrafo único; 981 (conceito legal de sociedade); 982 (trata da sociedade empresária e da sociedade simples); 985 (trata da aquisição da personalidade jurídica da sociedade, devendo ser combinado com os artigos 45 e 1.150; 969 e respectivo parágrafo único (trata do registro de filiais do empresário e da sociedade empresária); 1.000 e respectivo parágrafo único (trata do registro de filiais da sociedade simples); 2.031, com redação alterada pela Lei nº 10.838/04 e, mais recentemente, pela MP 234/05; 2.033; e, 2.034.
® Lei nº 6.015/73 (Lei dos Registros Públicos):
– artigos: 114; 115 (proibição de registro de pessoas jurídicas quando seu objeto ou circunstâncias relevantes indiquem destino ou atividades ilícitos, ou contrários, nocivos ou perigosos ao bem público, à segurança do Estado e da coletividade, à ordem pública ou social, à moral e aos bons costumes); 119; 120; 121; e, 198 (procedimento de dúvida).
® Lei nº 5.869/73 (Código de Processo Civil):
– artigos: 1.199 a 1.204, exceto naquilo que for colidente com o NCC (da organização e fiscalização de fundações).
® Lei Complementar nº 109/01– dispõe sobre o regime de previdência complementar.
® Lei Complementar nº 75/93 – dispõe sobre a organização, as atribuições e o estatuto do Ministério Público da União, especialmente arts. 1º e 5º.
® Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça/SP – Provimento nº 58/89 – Tomo II – Capítulo XVIII.
Qualificações/Títulos:
® Lei nº 9.637/98 – dispõe sobre a qualificação de entidades como Organizações Sociais (OS), as quais assinam, com o Poder Público, um contrato de gestão.
® Lei nº 9.790/99 – dispõe sobre a qualificação de pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), as quais assinam, com o Poder Público, um Termo de Parceria.
II- O QUE É UMA ONG?
Antes de responder à pergunta acima é importante trazer à baila alguns conceitos que reputo essenciais para a melhor compreensão da questão.
Pessoas são entes aos quais a lei atribui a possibilidade de se tornarem sujeitos de direito (abrangendo direitos e obrigações). Assim, a pessoa é sempre um sujeito de direito, embora nem todo sujeito de direito seja sempre uma pessoa. Ou seja, existem sujeitos de direito que não são pessoas, como, por exemplo: a sociedade não personificada, a sociedade irregular, o espólio, a massa falida, o condomínio, o nascituro, etc.
As pessoas, nos termos do Livro I do Código Civil, são as naturais ou físicas e as jurídicas ou morais. Entre aquelas, está o ser humano nascido com vida, nos termos do art. 2º.
A pessoa jurídica pode ser definida como a unidade de pessoas (naturais ou jurídicas) ou de patrimônios, que visa a consecução de certos fins, reconhecida pela ordem jurídica como sujeito de direito.
Três são os seus requisitos: organização de pessoas (universitas personarum) ou de bens (universitas bonarum); liceidade de propósitos ou fins (CC,art. 104, II, cb. com art. 115 da Lei nº 6.015/73); e capacidade jurídica reconhecida por norma.
As pessoas jurídicas podem ser:
a) de direito público interno (CC, art. 41):
a.1 – da administração direta: União, Estados, Distrito Federal, Territórios, Município, devendo ser lembrado que, atualmente, o Brasil não possui nenhum Território;
a.2 – da administração indireta: órgãos descentralizados, criados por lei, com personalidade jurídica própria para o exercício de atividades de interesse público, tais como as autarquias (INSS, OAB, USP, CADE, dentre outros) e as fundações públicas e agências reguladoras, estas últimas com natureza de autarquias especiais;
b) de direito público externo (CC, art. 42): os Estados estrangeiros e todas as pessoas que forem regidas pelo direito internacional público. Ex: as nações estrangeiras, a Santa Sé, organismos internacionais, tais como a ONU, OEA, UNESCO, dentre outros; e
c) de direito privado:
c.1 – estatais: instituídas, por meio de lei, pelo poder público, compreendendo as empresas públicas e as sociedades de economia mista;
c. 2 – não estatais: instituídas por iniciativa de particulares. São elas: as associações, as fundações privadas, as sociedades, as organizações religiosas e os partidos políticos (CC, art. 44), sendo as duas últimas, na verdade, modalidades de associação, mas que, por força da lei nº 10.825/03, não estão sujeitas às regras dos artigos 53 a 61, mas tão somente às do art. 46 do NCC.
A lei nº 10.406/02 (NCC), diferentemente do que fazia o Código anterior, de 1916, distingue as ASSOCIAÇÕES das SOCIEDADES. Estas, de acordo com o art. 981 do novo estatuto regulamentador das relações privadas, consistem na união de pessoas (físicas ou jurídicas), normalmente em número reduzido, que, reciprocamente, se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício de atividade econômica e a partilhar, entre si, os resultados.
Aquelas, em face do art. 53 do mesmo diploma, constituem-se pela união de pessoas (físicas ou jurídicas), habitualmente em número maior de indivíduos, que se organizam para fins não econômicos. Colima objetivos altruístas, morais, religiosos, de interesse geral etc., os quais são, a critério dos associados, mais facilmente alteráveis.
A sociedade, seja ela simples, seja ela empresária, procura alcançar lucros e distribuí-los a seus SÓCIOS, sendo constituída por pessoas que se reúnem com o objetivo de conseguir para si benefícios materiais, de modo que, por sua finalidade, tem caráter privado e as anima um interesse econômico particular. A sociedade, em suma, exerce atividade econômica, com fito de lucro.
A associação, por sua vez, não pode ter proveito econômico imediato, o que não impede, contudo, que determinados serviços que preste sejam remunerados e que busque auferir renda para preenchimento de suas finalidades. As vantagens econômicas que alcançar jamais devem ser destinadas a seus ASSOCIADOS, mas sim à comunidade como um todo ou, pelo menos, parte dela. A associação, resumidamente, não exerce atividade econômica, nem visa lucros.
São pontos comuns entre SOCIEDADE e ASSOCIAÇÕES:
a) consistem num agrupamento de pessoas;
b) são criadas por meio de um ato constitutivo, através de contrato social (sociedades) ou estatuto social (associações), por instrumento escrito, público ou particular;
c) adquirem personalidade jurídica com o registro do ato constitutivo no órgão de registro público competente: Registro Civil de Pessoas Jurídicas (sociedades simples e associações) e Registro Público de Empresas Mercantis, a cargo da Junta Comercial, (sociedades empresárias).
Já as FUNDAÇÕES caracterizam-se pela atribuição de personalidade jurídica a um patrimônio. Tem-se, assim, que as fundações não se originam de uma aglomeração de pessoas naturais ou jurídicas, característica própria das sociedades e associações, mas de um acervo de bens que, por meio de autorização legal, adquire a faculdade de agir no mundo jurídico, observando, em tudo, as finalidades, em regra imutáveis, a que visou o seu(s) instituidor(es), que pode(m) ser tanto pessoas físicas (regra) como jurídicas, cuja vontade deve ser sempre preservada.
Não se admite o nascimento de fundação para administrar interesses particulares. A fundação, em suma, é uma reunião de patrimônios personificados, não se admitindo na mesma a figura do SÓCIO ou do ASSOCIADO, sob pena de descaracterizá-la.
Assim como as sociedades e associações, a fundação nasce de um ato constitutivo, porém, etiologicamente diverso daquelas, adquirindo, quando de caráter privado, personalidade jurídica perante o Registro Civil de Pessoas Jurídicas.
Consoante o art. 62 do Código Civil, “para criar uma fundação, o seu instituidor fará, por escritura pública ou testamento, dotação especial de bens livres, especificando o fim a que se destina, e declarando, se quiser, a maneira de administrá-la”, sendo certo que a forma mais comum de constituição de uma fundação é a de escritura pública, lavrada em Tabelião de Notas.
Como visto acima, pode a fundação surgir de um ato causa mortis, por meio de testamento, seja qual for a modalidade (público, cerrado, particular), produzindo efeitos apenas somente após a morte do testador, com a abertura da sucessão.
As fundações, por envolverem nítido interesse social na sua atividade, independentemente de serem destinatárias de verbas públicas, devem sofrer a fiscalização do Ministério Público (art. 66, CC), através da Provedoria ou Curadoria de Fundações, excluídas as instituídas pelo Poder Público e aquelas enquadradas como entidades fechadas de previdência complementar (previdência privada), as quais, embora sejam de direito privado, não estão sob o velamento do MP, mas do Ministério da Previdência Social, de acordo com o art. 72 da Lei Complementar nº 109, de 29 de maio de 2.001.
O fundamento legal para a atuação da Curadoria de Fundações no campo fundacional é encontrada nos artigos 127, caput, e 129, II e III, da Carta Federal, nos artigos 65 a 69 do Código Civil e nos artigos 82, III (hipótese de intervenção processual), 1.200 até 1.204 do Código de Processo Civil, bem como, no Estado de São Paulo, nas Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça.
Velar significa estar atento, estar alerta, estar de sentinela, cuidar, interessar-se grandemente, proteger, patrocinar, o que inclui promover ação, até mesmo na condição de substituto processual. Significa muito mais do que simplesmente fiscalizar.
A função do MP não se restringe, portanto, à aprovação prévia dos estatutos sociais ou de suas eventuais reformas, estendendo-se sua atuação a todos os atos de interesse da fundação.
Toda essa conceituação se faz necessária, pois, interessa-nos, no presente trabalho, identificar onde estão situadas as ONGS, ou seja, as ORGANIZAÇÕES NÃO-GOVERNAMENTAIS.
A grande constatação é que, legalmente, só existem ASSOCIAÇÕES e FUNDAÇÕES PRIVADAS no chamado TERCEIRO SETOR, que é aquele que agrega as instituições de interesse público, mantidas pela iniciativa privada, sem finalidade lucrativa, o qual está situado entre o setor da sociedade que agrega as instituições de interesse público (1º setor, o Governo, a máquina estatal) e o setor da sociedade que agrega as instituições de interesse privado (2º setor, as sociedades que exercem atividade econômica, organizada ou não, de produção e circulação de bens e prestação de serviços, com fito de lucro).
Portanto, a expressão ONG, juridicamente, não existe, sendo que, segundo a ABONG – Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais, “em âmbito mundial, a expressão ONG surgiu pela primeira vez na Organização das Nações Unidas (ONU) após a Segunda Guerra Mundial, com o uso da denominação em inglês “Non-Governmental Organizations (NGOs)” para designar organizações supranacionais e internacionais que não foram estabelecidas por acordos governamentais”.
Há um consenso, entretanto, de que sejam consideradas como ONGs as ASSOCIAÇÕES e FUNDAÇÕES, que são pessoas jurídicas de direito privado, sem finalidade lucrativa, especialmente aquelas que exerçam, efetivamente, atividades de interesse social, coletivo ou difuso, abrangendo um grande número de pessoas beneficiárias.
Assim, não será considerada ONG aquela associação que vise interesses de grupos específicos, como “a associação de ex-alunos” ou “associação de criadores de…”, as quais, embora sejam pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, não demonstram um interesse social que possa ser considerado relevante.
Por necessitar de um fundo patrimonial expressivo para sua constituição, poucas ONGs são constituídas sob a forma de FUNDAÇÃO; a maior parte opta por constituir-se como ASSOCIAÇÃO.
III- POR QUE CONSTITUIR UMA ONG?
A motivação de constituir uma ONG parte de uma coletividade que já atua, informalmente, ou deseja atuar na promoção de uma causa justa, com o objetivo de contribuir para a construção de um mundo mais justo, solidário e sustentável.
Além da tendência inata do homem para viver em sociedade, trata-se de reconhecer que existe, além das vontades individuais, uma vontade coletiva, cuja força reivindicatória, no intuito de obtenção de resultados, é inquestionavelmente maior.
O nascimento de uma ONG é apenas um dos primeiros passos de sua trajetória; desafio maior é sua existência ao longo do tempo: exige dedicação, responsabilidade e profissionalismo.
Com sua constituição formal, através do registro do ato constitutivo perante o Registro Civil de Pessoas Jurídicas onde está localizada sua sede, a ONG (associação ou fundação) adquirirá personalidade jurídica distinta da de seus integrantes, podendo, a partir daí, agir em seu próprio nome, movimentando recursos, contratando pessoas, promovendo ações civis públicas etc.
O registro da pessoa jurídica em Cartório é equiparável ao registro de nascimento de uma pessoa física: é preciso tornar público sua existência. Além da personalidade jurídica, o registro confere ao ato jurídico autenticidade, segurança, eficácia e publicidade.
Tais entidades existem para suprir ou cooperar com a organização estatal no atendimento à coletividade, recebendo, ou devendo receber, por tal motivo, benefícios fiscais e/ou tributários do Estado, bem como verbas públicas, o que, além de envolver o interesse geral da sociedade, amplia a possibilidade de pessoas desonestas (pilantropos) tentarem se utilizar dessas pessoas jurídicas para uma ilícita locupletação.
Daí o papel importante de fiscalização do MP, o qual não deve limitar-se, apenas, às fundações, devendo estender-se a todas as organizações que desempenhem atividades de interesse coletivo, dentre as quais as associações.
IV- COMO CONSTITUIR UMA ASSOCIAÇÃO
O grupo interessado na constituição da entidade deverá convocar, através de carta, telefonema, mensagens eletrônicas, jornais etc., uma reunião (assembléia), na qual os presentes, considerados associados fundadores, deverão tratar dos seguintes assuntos:
a) aprovação das características da organização (denominação, previamente pesquisada junto ao CDT (no caso da Capital), fins, endereço da sede, duração, administração e outros);
b) aprovação do Estatuto Social (documento que registra essas características e regula o seu funcionamento), sendo aconselhável seja ele previamente minutado; e
c) eleição dos primeiros órgãos sociais (Assembléia Geral, Diretoria, Conselho Deliberativo, Conselho Fiscal etc.).
Quanto a denominação a ser escolhida para a entidade é imprescindível que se faça uma busca prévia junto ao CDT, já que não é possível a existência de pessoas jurídicas homônimas.
O Estatuto Social de uma associação deverá observar as regras dos artigos 46 e 53 a 61 do NCC, bem como as do art. 120 da Lei nº 6.015/73 (LRP), repetidas nas Normas de Sserviço da CGJ, dispondo, necessariamente, sobre o seguinte:
a) denominação social (arts. 46, I e 64, I);
b) endereço da sede (arts. 46, I e 54, I);
c) finalidade (não econômica), entendendo alguns que tal expressão deve ser compreendida como “fins não lucrativos”, o que significaria não estarem as associações impedidas de praticar atividades econômicas que garantam a sustentabilidade da entidade (venda de camisetas, promoções internas, dentre outras, cuja receita fosse reinvestida na própria associação, sem qualquer destinação de lucro aos associados). Daí a necessidade de deixar bem claro, no artigo relativo aos objetivos sociais, o que é atividade fim e o que é atividade meio (arts. 46, I e 54, I);
d) duração (pode ser por prazo indeterminado – art. 46, I);
e) os requisitos para admissão (retirada espontânea), demissão e exclusão (retirada forçada, havendo justa causa) de associados (art. 54, II), sendo certo que o estatuto poderá instituir categorias com vantagens especiais (CC, art.55);
f) os direitos e deveres dos associados (art. 54, III);
g) o modo de constituição e funcionamento dos órgãos deliberativos e administrativos (Assembléia Geral de associados, Diretoria, Conselho Fiscal, outros Conselhos etc.), devendo ser observado que não há regra para a estrutura da administração a ser adotada pelas associações.
Estas têm diferentes composições, com grande variação nas funções e respectivos poderes (arts. 46, III e 54, V). Cada organização deve avaliar o que é mais prático e coerente para a sua proposta e suas condições específicas de atuação. A única obrigatoriedade é a existência de uma Assembléia Geral, instância máxima da associação, que é privativamente competente para eleger e destituir os administradores, aprovar contas e alterar o estatuto (CC, art. 59).
Em suma, afora a Assembléia Geral, há uma liberdade quanto aos órgãos que uma associação deve conter. Entretanto, a concessão de um título ou registro pode implicar na necessidade de um determinado órgão. O título de OSCIP, por exemplo, exige a existência de um Conselho Fiscal;
h) o modo de representação da organização, seja ativa, ou passiva, judicial ou extrajudicial ,isto é, quem pode assinar pela organização e em que condições (art, 46, III);
i) as fontes de recursos para sua manutenção – contribuições de associados, doações de pessoas físicas, doações de pessoas jurídicas, recursos governamentais, financiamentos, constituição de fundo social etc. (art. 54, IV);
j) se os associados respondem ou não pelas obrigações sociais (art. 46, V);
k) as hipóteses e condições para a destituição dos administradores e para alteração do estatuto (arts. 46, IV e 54, VI). Para tratar de tais assuntos é preciso, segundo o parágrafo único do art. 59 do NCC, a aprovação de 2/3 dos presentes à assembléia especialmente convocada para esse fim, não podendo ela deliberar, em primeira convocação, sem a maioria absoluta dos associados ou com menos de 1/3 nas convocações seguintes, sendo certo que o registrador, para aferição desses “quoruns”, deverá se valer da declaração feita, na ata correspondente, de que os mesmos foram observados; e
l) as condições para a extinção da associação e o destino do patrimônio nesse caso (arts. 46, VI e 54, VI).
Observe-se que a falta de qualquer dos requisitos elencados no art. 54 do NCC tornam nulo o estatuto social.
Contrariamente à crença generalizada, nenhuma lei proíbe a remuneração de dirigentes. Ocorre que, se houver, a entidade passa, a princípio, a não ter mais direito a alguns benefícios determinados por leis esparsas, como é o caso da imunidade tributária e da isenção do imposto de renda, e, por vezes, passa a não ter direito a certas denominações ou certificados, como o título de utilidade pública e o certificado de fins filantrópicos.
Em relação às OSCIPs, a própria legislação permite a remuneração, tendo a Lei nº 10.637, de 30 de dezembro de 2002, reconhecido essa possibilidade sem prejuízo de sua imunidade tributária do IR e CSLL e do incentivo fiscal às doações a si dirigidas.
Uma vez aprovada a fundação da entidade, a ata da reunião (assembléia) dela resultante, assinada pelo Presidente e pelo Secretário, acompanhada do estatuto social, também aprovado, devidamente rubricado em todas as suas páginas e assinado, na última delas, pelo representante legal (com firma reconhecida) e por um advogado (Lei nº 8.904/94), bem como da ata que elegeu os órgãos sociais (pode ser tudo feito em uma única ata) e da lista de presença, serão tais documentos encaminhados a registro, em duas vias, perante o Registro Civil de Pessoas Jurídicas do local da sede social (e também do local onde mantenha, eventualmente, filiais), cabendo ao registrador examiná-los, valendo-se, para tanto, de princípios registrários, dentre os quais o da legalidade, da continuidade, da compatibilidade e o da especialidade. O requerimento de registro deverá ser assinado pelo representante legal, em uma via, a qual ficará arquivada no Cartório, juntamente com uma via dos atos constitutivos.
Indeferido o pedido de registro, deverá o registrador, de uma só vez, formular, por escrito, as exigências que entender devam ser cumprida, lançadas em nota devolutiva fundamentada, as quais poderão ser espontaneamente aceitas ou, caso haja dissenso entre o registrador e o apresentante do título, ser discutidas perante o Juiz Corregedor Permanente (1a. Vara de Registros Públicos, no caso da Capital/SP), através de procedimento administrativo denominado DÚVIDA, provocado pelo registrador a requerimento do interessado (art. 198 da Lei nº 6.015/73), sendo o documento necessariamente prenotado. No procedimento de DÚVIDA é obrigatória a intervenção do Ministério Público.
Julgada improcedente, o título será registrado. Caso contrário, o documento será restituído ao interessado e cancelada a prenotação. Da decisão (sentença) cabe recurso de apelação ao Conselho Superior da Magistratura, que, no Estado de São Paulo, tem posição pacífica no sentido de que o procedimento de dúvida só cabe para os casos de registro estrito senso (constituição de pessoa jurídica).
Na Capital, o registro de pessoas jurídicas sem fins lucrativos é feito perante um dos 10 (dez) Oficiais de Registro Civil de Pessoas Jurídicas, dependendo de distribuição prévia junto ao CDT, Centro de Estudos e Distribuição de Títulos e Documentos, sito à rua XV de Novembro, 251, Centro.
Uma vez adquirida a personalidade jurídica, a associação deve efetuar os demais registros necessários ao seu funcionamento, dentre os quais junto:
a) à Receita Federal, para obtenção do CNPJ;
b) à Prefeitura, para inscrição no CCM (Cadastro de Contribuintes Municipal)
c) ao INSS; e
d) à Caixa Econômica Federal, em razão do FGTS.
O espaço físico a ser utilizado como sede da associação também precisa ser regularizado perante a Prefeitura.
V – COMO CONSTITUIR UMA FUNDAÇÃO
Como visto, as fundações nascem de um ato constitutivo representado pela inequívoca manifestação de vontade do instituidor, declarada através de escritura pública ou testamento, no sentido de se fazer a dotação patrimonial, composta por bens livres e desimpedidos, isto é, bens sobre os quais não deve pesar ônus algum, como hipoteca, penhora, vínculos de inalienabilidade etc., e a determinação do fim (lícito) a que se destina (CC, art. 62), tudo sob a tutela do MP, exceto nas hipóteses já aludidas alhures.
O Código Civil de 2002 introduziu poucas modificações (arts. 62 a 69) na legislação anterior, mas significativas. Serão examinadas com atenção pelo notário e pelo registrador. Este usará, em relação à fundação, os mesmos critérios utilizados para analisar o estatuto social de uma associação.
A apreciação do ato constitutivo (estatuto) pelo MP deverá ocorrer antes mesmo da lavratura da escritura pública, quando a constituição se der por esta forma, bem como dos registros em Cartório – o Registro Civil das Pessoas Jurídicas, onde a fundação adquirirá personalidade jurídica e o Registro de Imóveis, onde se procederá à transferência da propriedade quando, da dotação, constar bem imóvel, compete ao MP do Estado em que a fundação terá sede, podendo aceitá-lo, sugerir modificações ou rejeitá-lo, cabendo ao interessado obter o suprimento judicial nos dois últimos casos (art. 1.201, CPC).
Aliás, a própria elaboração do estatuto poderá ser feita pelo MP, não a fazendo o instituidor, nem nomeando quem a faça, ou, ainda, não cumprindo o responsável o encargo, dentro de seis meses, caso não tenha havido estipulação de prazo. Neste caso, a quem submeter o ato de aprovação? Alguns sugerem a submissão dos atos ao Judiciário; outros pensam que não há necessidade de tal procedimento, bastando que o próprio autor do documento o encaminhe para registro em Cartório.
Para Tomáz de Aquino Resende, Procurador de Justiça em Minas Gerais, o Promotor de Justiça que elaborar o estatuto deve submeter os atos de constituição a algum dos órgãos de administração superior do MP (Procurador Geral, Conselho Superior etc.), vez que se infere da lei a necessidade do ato de aprovação e que ao MP compete tal atribuição.
A norma do art. 1.203 do CPC foi revogada pelo art. 67 do CC/02 ao especificar condições para alteração do estatuto fundacional, exigida a satisfação de dois requisitos a serem verificados pelo notário na elaboração do respectivo documento, além da garantia do direito dos minoritários (art.68): a) seja deliberada por dois terços dos componentes para gerir e representar a fundação; e b) não contrarie ou desvirtue o fim determinado pelo instituidor, nem o objeto delimitado pelo art. 62, parágrafo único.
Assim como ocorre em relação às associações, é livre a forma de composição e a competência dos órgãos de uma fundação, que deverá ser fixada no estatuto. Geralmente, a Fundação se compõe de uma Diretoria Executiva, um Conselho Fiscal e um Conselho Curador tendo os Tabeliães, quando a instituição se der por ato entre vivos, um modelo de escritura já padronizado.
Finalmente, observe-se que o objeto da fundação é limitado a fins religiosos, morais, culturais ou de assistência, a serem interpretados extensivamente, salvo se de modo evidente contrariarem uma das alternativas referidas no parágrafo único do art. 62, dispositivo este que tem sido objeto de diversas críticas, até mesmo por integrantes do MP, havendo, inclusive, proposta do deputado Ricardo Fiúza para sua eliminação, com a alegação de que “em vista da forma de sua constituição e das limitações e rigorosa fiscalização a que estão sujeitas as fundações, não parece conveniente a limitação de seus fins”.
VI- REGISTROS FACULTATIVOS
Além dos registros obrigatórios, anteriormente mencionados e que servem tanto para as associações como para as fundações, há também os facultativos, vinculados a certos títulos e qualificações concedidos pelo poder público, como, por exemplo:
a) o registro no CNAS – Conselho Nacional de Assistência Social e a obtenção do CEAS – Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social;
b) a obtenção das declarações de utilidade pública (em âmbito federal, estadual e municipal);
c) a qualificação como OSCIP;
d) a qualificação como OS.
É importante frisar que nenhum desses títulos e registros modifica a forma jurídica da ONG, que continuará a ser uma associação civil ou uma fundação privada.
VII- CRÍTICA
Toda a legislação pertinente às ONGs (e são várias, principalmente as relacionadas às qualificações, e conflitantes as leis) foi elaborada a partir do ponto de vista exclusivo de algum setor, segundo os interesses deste.
Daí a necessidade de uma consolidação e um aprimoramento dessa legislação.
VIII- LEMBRETE
De acordo com o art. 2.031 da lei nº 10.406/02 (NCC), com a nova redação que lhe foi dada pela Medida Provisória nº 234, de 10 de janeiro de 2005, “as associações, sociedades e fundações, constituídas na forma das leis anteriores, bem assim os empresários, deverão se adaptar às disposições deste Código até 11 de janeiro de 2006”.
Evidentemente, as novas entidades já devem vir adequadas às disposições do NCC.
É importante ressaltar que as novas regras já estão valendo, mesmo que as antigas pessoas jurídicas de direito privada não tenham a ela se adaptado.
BIBLIOGRAFIA
1. Rubens Limongi França, Manual de Direito Civil, 1º Volume, 3a. Edição Revista, 1.975, Editora Revista dos Tribunais.
2. Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, Novo Curso de Direito Civil, Volume I – Parte Geral, 2.002, Editora Saraiva.
3. Tomáz de Aquino Resende, As Fundações e sua disciplina no Novo Código Civil, texto inserido na obra coletiva intitulada Questões de Direito Civil e o Novo Código Civil, 1a. Edição, uma publicação da Imprensa Oficial, de iniciativa do Ministério Público do Estado de São Paulo.
4. Graciano Pinheiro de Siqueira, O Direito de Empresa e o Novo Código Civil, texto inserido na Revista de Direito Imobiliário nº 54 – Ano 26 – Janeiro-Junho de 2.003, Editora Revista dos Tribunais. Este texto foi publicado, também, em vários sites jurídicos, dentre os quais: www.jus.com.br (jusnavigandi) e www.jusvi.com (jusvigilantibus).
5. Leandro Sarai, A Doutrina da Desconsideração da Personalidade Jurídica e alguns de seus reflexos no ordenamento jurídico brasileiro: Lei nº 8.78/90, Lei nº 8.884/94, Lei nº 9.605/98 e Lei nº 10.406/02, texto inserido no site: www.jusvi.com (jusvigilantibus).
6. Carlos Gonçalves de Andrade Neto, Organizações religiosas e partidos políticos. Estado de Direito e liberdade religiosa no Direito Civil, texto inserido no site: www.jus.com.br (jusnavigandi).
7. Homero Francisco Tavares Júnior, O novo perfil jurídico da associação e da fundação no Código Civil de 2.002, texto inserido no site: www.jus.com.br (jusnavigandi).
8. André Luiz Junqueira, Curadoria de Fundações, texto inserido no site: www.jusvi.com (jusvigilantibus).
9. Graciano Pinheiro de Siqueira, As associações e o novo Código Civil, texto publicado em vários sites jurídicos, como: www.jusvi.com (jusvigilantibus), www.irib.org.br (IRIB), www.anoregsp.org.br (ANOREG/SP), etc… Também publicado em Boletins escritos do Instituto de Registro de Títulos e Documentos e de Pessoas Jurídicas do Brasil (IRTDPJBrasil), do Centro de Estudos e Distribuição de Títulos e Documentos (CDT), dentre outros.
10. ABONG- Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais – Perguntas mais freqüentes – site: www.abong.org.br