Os constantes embates entre os Conselhos Federal e Estaduais de Medicina (CFM e CRMs), Conselhos Federal e Estaduais de Enfermagem (COFEN e CORENs) e agora também com a Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia (SBOT) estão deixando insegurança a sociedade. A discussão é sobre quem pode (e deve) fazer o gesso, em traumas ortopédicos.
A discussão não é nova. Em 1990, o COREN/RJ editou Resolução proibindo que o pessoal de enfermagem confeccione e coloque aparelhos de gesso. Mesmo depois de tantos anos, a controvérsia ainda não acabou e os órgãos de classe mantêm seus respectivos entendimentos divergentes.
Os Conselhos dos médicos e a SBOT defendem que o pessoal da enfermagem pode fazer o gesso, pois, apesar do ato ser médico, pode ser delegado a eles. Os Conselhos dos enfermeiros sustentam que, justamente por serem atos médicos, compete somente a estes executarem-no.
Ambos têm razão. Acontece que, no meio disso, estão os pacientes fraturados e luxados, para quem não interessa se o profissional que o está atendendo seja médico, auxiliar, técnico de enfermagem ou enfermeiro. Ele precisa ser imobilizado. Para ele, estando vestido de branco e sabendo fazer o que se propõe, está de bom tamanho. Todavia, há diversas implicações técnicas e jurídicas na questão.
É pacífico que a imobilização gessada constitui-se ato médico, assim definido por Resolução do CFM. Porém, vários “pareceres” do próprio CFM, e também da SBOT, possibilitam a realização ou compartilhamento de tal ato com outros profissionais de saúde, mais especificamente pelos ‘técnicos em gesso’, auxiliares e técnicos de enfermagem e/ou enfermeiros, desde que sob a indicação, orientação, supervisão e responsabilidade do médico. O CFM já manifestou entendimento no sentido de que tais profissionais realizam a imobilização gessada de forma segura, legal e ética.
Acontece que o COFEN e os CORENs manifestam-se contrários a tal posição, entendendo que o profissional de enfermagem não pode confeccionar, colocar ou retirar aparelhos de gesso, pois eles não possuem embasamento técnico-científico para realizar o procedimento com segurança, o que pode causar danos à saúde do paciente. Como se vê, as posições são antagônicas.
Além do problema no dia-a-dia em hospitais e clínicas, visando identificar quem, afinal, vai imobilizar com gesso os pacientes, há um problema jurídico.
O CFM e o CRMs, além da SBOT, emitiram “pareceres” sobre o assunto. Acontece que o parecer não passa de mera opinião que não tem força de lei. As Resoluções emanadas do COFEN e dos CORENs, ao contrário, têm e devem ser respeitadas. Os auxiliares e técnicos de enfermagem, além dos enfermeiros, são obrigados a cumprir as decisões do seu órgão de classe, sob pena de responderem a processo administrativo, podendo ser advertidos, suspensos e cassados.
Eis o problema: faz-se o gesso, obedecendo a ordem dos hospitais e clínicas e desrespeita-se a Resolução do seu órgão de classe ou não faz o gesso, obedecendo as Resoluções, e perde seu emprego? Sobre tal questão, nenhum dos Conselhos opina. Alegam que tal assunto foge de sua competência. Cômodo, não? Eles não se entendem e, como sempre, a corda pode arrebentar do lado mais fraco: o profissional que trabalha no hospital e está alheio à discussão de “competência” travada entre eles.
Vale lembrar que ainda não existe regulamentação legal da profissão de “técnico de gesso”. Existe projeto de lei tramitando na Câmara dos Deputados desde 1999, sem decisão até hoje. Todavia, há vários cursos de “gesseiro”, promovidos por diversas associações e entidades, visando qualificar este profissional. Se isso não é bom, como defendem alguns, pelo menos não é ruim. Vale dizer que deixar o auxiliar de enfermagem na sala observando o que o médico faz não é “treinamento”.
Ressalte-se que somente o técnico de enfermagem pode se qualificar para realizar curso de especialização em imobilizações ortopédicas e especialização em técnicas de gesso. O auxiliar de enfermagem não.
Várias entidades clamam pelo entendimento entre os órgãos de classe, resolvendo-se definitivamente a questão. O ideal é que fosse editada lei regulamentando o assunto de uma vez por todas. Entretanto, como a discussão já dura pelo menos uns 13 anos e ainda não há nenhuma sinalização neste sentido, o assunto ainda promete muito ‘pano p/ manga’.
Enquanto isso, na prática, vemos que os auxiliares, técnicos de enfermagem e enfermeiros continuam fazendo imobilizações em hospitais e clínicas. Legalmente, a responsabilidade civil por algum prejuízo eventualmente causado ao paciente, por conta daquele gesso e dependendo das características do caso concreto é do médico ortopedista responsável pela indicação da imobilização, pois sua função, além dessa, é de orientar e supervisionar o gesso, o que, sabemos, nem sempre acontece.
A responsabilidade penal (por alguma lesão corporal) por prejuízo ao paciente é do auxiliar, técnico ou enfermeiro que faz o gesso, pois esta é do agente que pratica o ato (engessar).
Resumindo o entendimento sobre a questão: a imobilização gessada é de exclusiva competência do médico. Ele pode solicitar a participação de auxiliares não médicos, desde que assuma a orientação, supervisão e responsabilidade pelo ato praticado por eles. Como não há Resolução do COFEN proibindo legalmente o pessoal da enfermagem em realizar as imobilizações gessadas, os médicos podem tê-los como auxiliares para tal finalidade e eles ainda não estão impedidos de fazê-lo. Lembramos que auxiliar é ajudar, prestar auxílio e não fazer tudo sozinho.
Em alguns estados, há Resolução do COREN local proibindo tal atividade. Nestes estados, os médicos não podem contar com o auxílio do pessoal da enfermagem em tal atividade.
A imobilização só pode ser feita com autorização do traumatologia