Os parlamentares brasileiros. Eles são lerdos. Principalmente quando os assuntos a serem por eles tratados têm como destino a sociedade como um todo e não apenas um segmento dela.
Onde já se viu deixar tramitar, sem qualquer tipo de atitude mais enérgica ou eficaz, um projeto de lei da magnitude e importância da alteração do código civil, que regulamenta as ações de todos na sociedade, por mais de 25 (isso mesmo: vinte e cinco) anos? E o pior: depois de todo esse tempo, as ‘novas’ normas não passam duma reunião de meras alterações denominativas ou de mudanças de situações que, há muito, vêm sendo decididas de maneira moderna, eficaz e justa por nossos juízes que não podem se furtar ao acompanhamento da rápida evolução da sociedade.
Talvez o que nem todos saibam é que o Código Civil Brasileiro (CCB), editado em 1916 (apenas alguns anos depois do fim do Império), sofreu inúmeras (muitíssimas mesmo) alterações por intermédio de leis que chamamos de ‘esparsas’ (no sentido de espalhadas mesmo). Ou seja, artigos constantes do CCB já foram, há muito tempo e por várias vezes (como não poderia deixar de ser), alterados e modernizados por leis editadas ao longo desses quase 90 anos, principalmente com a promulgação da Constituição Federal de 1988, chamada de cidadã, de forma justa, até. Imagine você, leitor, se estivéssemos esperando até hoje a tal “vontade política” para alteração daquela norma primitiva. Imagine o caos em que a sociedade brasileira estaria mergulhada!
Agora, depois de mais de 25 anos de tramitação, temos um “novo” Código Civil. Anote outra, leitor: tais alterações só entram em vigor no ordenamento jurídico brasileiro daqui a 1 (um) ano. Estarão mais velhas e desatualizadas ainda.
Ora, o “novo’ Código Civil pouco contribuirá para resolver os problemas da sociedade. Ajudará, claro. Todavia, sua normatização poderia ter sido muito mais profunda. Ainda mais depois de tanto tempo de ‘tramitação’. Houve, apenas, alguns ajustes do texto caquético de 1916 (sim, na época ele era importantíssimo. Mas não é mais.). Entretanto, a sociedade evoluiu de forma absurda e assustadora, numa velocidade espantosa, nos últimos 70 anos, o que não foi acompanhado, nem de perto, pelo Direito.
O “novo” Código, nada mais fez do que reunir, num compêndio, leis esparsas que foram editadas depois do CCB de 1916. O “novo” Código tem 2.043 artigos. Realmente é muito. Mas, comparado a de outros países, até que está de bom tamanho: o Código Civil Argentino tem 4.053 artigos, o italiano 2.969, o francês 2.283 etc. Será que para reunir leis num documento só precisava-se de mais de 25 (vinte e cinco) anos?
Vimos que o “novo” Código Civil mudou algumas palavras do texto antigo para outras, com significado semelhante. Por exemplo: o artigo 1º do Código começou (em 1916) com a palavra “homem”; acharam que aquela palavra não era adequada e a mudaram para “ser humano”. Continuaram a achar que algo não soava bem e a trocaram novamente para “pessoa”, que é a atual. Afora isso, as imensas “inovações” pretendidas não passaram de mera pretensão mesmo.
Façamos justiça: algumas alterações são importantes. A maioridade civil (que era de 21) passará (daqui a um ano) para 18 (dezoito) anos.
Ademais, não há nada absolutamente importante que mereça destaque, exceto alguns conceitos que interessam, mais de perto, aos operadores do direito (advogados, promotores e juízes).
Para se ter uma idéia do quão já é antigo o “novo” CCB, ele não trata da união de homossexuais, por exemplo, algo que já é conhecido, debatido e escancarado na opinião pública há mais de 10 anos. Onde será que nossos parlamentares estiveram nos últimos 10 anos que não acompanharam essa evolução?
Este assunto foi por diversas vezes trazido ao conhecimento da opinião pública nos últimos tempos, por intermédio dos inúmeros meios de comunicação existentes. Talvez o seu ápice tenha se dado com a morte de Cássia Eller, homossexual convicta e assim reconhecida (e respeitada) por todos. A guarda do seu filho de 8 anos de idade (o pai do garoto é falecido) ficou com a mulher com quem ela viveu (sua companheira) seus últimos 14 anos de vida, numa decisão absolutamente consciente (que deverá ser mantida pelo tribunal) e de acordo com a composição da estrutura familiar brasileira.
O “novo” Código também não fala nenhuma linha sobre a clonagem humana, eutanásia nem barriga de aluguel.
Por óbvio que não estamos aqui pregando a criação de normas no dia seguinte ao aparecimento de algo novo na sociedade. Tem que existir o período de “maturação”, de discussão do assunto, de verificação das conseqüências para a sociedade etc.
Porém, não é possível que essa discussão não possa ser feita com mais rapidez nos dias de hoje, vez que temos a internet, o e-mail, a teleconferência, o fax, o avião e outros vários instrumentos de fácil acesso.
Só falta uma “vontadezinha política” para isso, o que, infelizmente, não é nada fácil neste nosso querido “quinto dos infernos”.
1Projeto de Lei nº 634/75.