O conceito de filantropia e a forma pela qual ela se dá tem que ser mudado neste país. As autoridades têm que parar de tentar tapar o sol com a peneira e enfrentar a situação de maneira direta e objetiva, sem rodeios, discursos pomposos (mas vazios) e com visão mais realista e acurada dos acontecimentos.
Alguns ultrapassados ainda acham que uma entidade, para ser filantrópica, tem que ser pobre. Puro atraso intelectual e completamente desassociado da evolução normal da sociedade e da própria realidade brasileira. Não adianta esperar que milagres aconteçam e que um bom samaritano resolva os problemas da sociedade injusta, cruel e egoísta em que vivemos. Não existe milagre. Deve existir, sim, competência, boa vontade, seriedade e recursos financeiros.
As regras para as filantrópicas existem e são conhecidas de todos aqueles que militam na área. Aliás, o que mais temos são regras, portarias, resoluções, decretos, ordem de serviços e toda a gama de demais atos administrativos que insistem em ser mais abrangentes que a própria legislação ordinária, complementar e até constitucional. Mas isso é outra estória.
A grande discussão travada hoje é: de onde vai sair o dinheiro para fazer filantropia? Ou algum lunático ainda acha que virá do governo ou simplesmente aparecerá do nada depositado na conta corrente? Não. Para fazer filantropia é necessário dinheiro, por mais surpreendente que isso possa parecer para alguns. Tomo emprestada a frase citada pelo Sr. Décio Goldfarb, Presidente da AACD: “Fazer o bem sai caro”.
E como, então, vamos ter dinheiro para realizar obras, prestar serviços, enfim, fazer o bem a quem necessita? As entidades precisam prestar serviços mediante remuneração para, com o superávit, fazer acontecer a verdadeira filantropia. Essa é a verdade, apesar de combatida veementemente por alguns. As entidades filantrópicas precisam se profissionalizar, imprimir e difundir visão empresarial. Elas não podem ficar inertes no tempo. Temos que escurraçar de nossos pensamentos que quem presta serviços numa entidade filantrópica é aquele profissional que faz um favor, durante alguns minutos por dia. Assim não se chegará a lugar nenhum.
A Constituição Federal e o Código Tributário Nacional não limitaram a possibilidade de uma entidade beneficiada com imunidade ou isenção ter lucro. O que está bem delimitado é a proibição de divisão desse lucro entre os sócios da entidade e a sua aplicação no exterior, o que é extremamente sensato. Todavia, alguns desinformados e hermeneutas amadores tentam defender a idéia de que a legislação brasileira proíbe as entidades filantrópicas de auferirem lucro. Não é isso.
Lucidamente, Sacha Calmon Navarro Coêlho já disse: “Nem se pretendeu, tampouco se lhes exigiu gratuidade em tal mister. De onde viriam então as receitas, as rendas cuja distribuição o Código Tributário Nacional veda, como pressuposto da imunidade? É preciso nos darmos conta de que o país todo é carente de assistência social, educação e cultura. O gigantesco aparato governamental voltado para as funções assistencial e educacional – conquanto dotado de descomunal orçamento – não cumpre suas finalidades a contento. … Em suma, vedado pelo CTN e pela jurisprudência era o animus distribuendi e não o animus lucrandi, …”
Essa é linha de raciocínio dos grandes doutrinadores brasileiros. Basta, agora, o governo se conscientizar disso e executar medidas práticas que visam implementar algo realmente de concreto, fugindo de discursos estúpidos que somos obrigados a ouvir de vez em quando.
O Ministro Waldeck Ornelas, demonstrando pensamento moderno afirmou recentemente : “Todas as entidades do terceiro setor devem investir para se modernizarem técnica e gerencialmente, sobretudo as tradicionais, que foram criadas como um apoio da caridade e de maneira bastante informal. (…) A política de filantropia do País, cujo modelo defasado impede a conciliação com uma Previdência atuarial, deve ser revista.”
Sr. Ministro, as entidades filantrópicas estão tentando fazer exatamente isso. Basta o Estado parar de cercear, dificultar, atrapalhar e inibir a atuação delas. Isso já seria de grande ajuda.
* Advogado em São Paulo e assessor jurídico da Pró-Saúde.