Acidentes acontecem. Sem aviso. Sem planejamento. Quando menos se espera. Por isso são acidentes, pois são imprevisíveis, fortuitos, casuais. Se assim não o fossem, não seriam acidentes.
As conseqüências dos acidentes podem mudar um destino ou fazer com que seja feito grande desvio nele. Pessoas que conviviam conosco, acidentalmente, se foram. Esportistas são forçados a deixarem de sê-lo, de um dia para o outro, também por causa deles. O trabalho rotineiro de uma pessoa pode sofrer grande impacto pela perda ou diminuição das funções de um membro qualquer do seu corpo, também em conseqüência de eventos imprevisíveis.
O médico sempre entra em nossas vidas minutos (poucos ou muitos) após um acidente. Inexoravelmente. É o plantonista que, após avaliar o estrago feito pelo infortúnio, agirá no sentido de consertar o paciente, restabelecendo ou minimizando seus efeitos. Quando se consegue restabelecer a saúde do paciente de maneira completa, todos ficam felizes. O atendimento se tornará problema quando o paciente não ficar totalmente “curado”, restando seqüelas.
Acontece que eventual lesão anatômica nem sempre poderá ser considerada como responsabilidade do médico plantonista que atendeu o paciente. Às vezes é. Mas também pode não ser. O resultado não desejado pode ter tido por causa a própria gravidade do acidente e/ou da lesão em si. O paciente politraumatizado, por exemplo, chega no pronto-socorro nesse estado porque o acidente que ele sofreu foi tão grave que o deixou assim e as eventuais complicações desse quadro clínico ficam à margem da atuação médica.
Aliás, não raramente, o médico bem preparado atua de forma determinante para que aquele paciente continue a viver da melhor forma possível, mesmo que seu quadro clínico lhe seja, agora, adverso. O restabelecimento dos movimentos de uma parte do corpo para quem não tem nenhum já significa muita coisa. E isso é ato médico, que pode estar presente numa simples tração de um pino ortopédico.
Nem sempre os pacientes pensam assim. É até próprio da natureza humana não se conformar com certas coisas. É até justificável.
Todavia, o que não se pode admitir é que a indústria do processo judicial, ou do denominado (equivocadamente) “erro médico”, seja alimentada por conta de inconformismos que não encontram justificativa técnica-médica-jurídica, sendo que a resignação pode ser obra do destino, do acaso, das circunstâncias ou de Deus, se o leitor preferir.
Não é sempre que o mau resultado é culpa do médico, não se podendo puni-lo por negligência, imperícia ou imprudência neste particular. É claro que cada caso é um caso e assim deverá ser analisado. O mau resultado advém de complicações cirúrgicas ou pós-cirúrgicas, de reação lenta, rápida ou inesperada do próprio organismo do paciente e até da evolução natural da doença. Às vezes, a evolução natural de uma doença é a morte e a medicina, por mais desenvolvida que seja, não pode fazer nada, a não ser estudar e pesquisar o caso para mudar essa sorte.
Ora, como pretender punir o médico por não ter feito um milagre? O profissional é obrigado a utilizar todos os recursos da medicina que lhe estiverem disponíveis para restabelecer a saúde do paciente. Mas não é obrigado a curá-lo ou restabelecer uma situação que não seja mais possível. Por isso diz-se tecnicamente que sua obrigação é de “meio” e não de “fim”.
Infelizmente, por desconhecimento técnico ou por falta de experiência, vimos que alguns peritos médicos, advogados, promotores, juízes e desembargadores não encaram assim essa questão.
Já vimos verdadeiras anomalias jurídicas condenarem médicos por não restituírem ao paciente o que Deus (ou o destino) lhe tirou. Decisões judiciais já condenaram hospitais de longínquas cidades do interior do Brasil, onde mal existe um estetoscópio, por não terem atingido nível zero de infecção, o que nenhum hospital do mundo ainda conseguiu. A justiça nem sempre é justa. É apenas legal.
Se conselho fosse algo bom seria vendido. Mas vá lá. Depois de alguns anos vivenciando dramas de clientes, com razão ou não, podemos afirmar taxativamente: isso não é bom e abala o profissional psicológica e financeiramente de forma profunda e marcante.
O médico deve agir da melhor forma técnica e humana que lhe for possível, diante dos recursos que tem disponíveis. Isso será a sua mais valiosa (e às vezes única) defesa. E o registro do seu agir constará do prontuário do paciente, que deverá retratar fiel e detalhadamente o que ele fez, os atos que praticou e as decisões que tomou, sob pena do juiz não “adivinhar” o que nele deveria estar escrito e que não está, tendo o médico seu futuro comprometido por algo tão “simples”, mas que dificilmente se encontra na prática.
O mau resultado é, conseqüentemente, jurídica e tecnicamente justificável. Mas para que isso seja possível, o médico deve ajudar seu advogado sendo cuidadoso e responsável nos atendimentos que realiza, zelando pelos registros completos e legíveis de seus atos no documento adequado (prontuário do paciente), pois só assim sua eventual defesa terá êxito.