A penhora on line
É chover no molhado dizer que a Justiça brasileira é lenta.
Estamos cansados de ver processos se arrastarem por anos, e, quando o juiz determina que o credor deve receber do devedor o que lhe é devido, inicia-se outro tormento, que é o de transformar a sentença em dinheiro.
Para que o leigo entenda: suponhamos que o autor de um processo que buscava indenização contra o réu por danos materiais, morais, ou valores decorrentes de reclamação trabalhista, teve o seu direito reconhecido pelo juiz, por meio de uma sentença, proferida no chamado “processo de conhecimento”. Após julgamento de todos os recursos previstos na legislação, com idas e vindas aos tribunais, eventualmente até Brasília, chega-se a hora de transformar o direito reconhecido na sentença em moeda.
A partir daí, inicia-se a fase de “execução”, ou seja, inicia-se outro processo dentro do processo inicial, sujeito, também, a vários recursos. Citado, ou seja, informado pelo oficial de justiça que o autor está executando (cobrando) o valor reconhecido pela sentença, o réu, para se defender, deve oferecer bens à penhora no valor do crédito cobrado. Caso assim não proceda, o juiz mandará penhorar-lhe bens para que seja garantido aquele pagamento, hipótese em que o devedor também poderá apresentar defesa (chamada tecnicamente de embargos).
E é aí que muitas vezes o processo trava, pois o brasileiro é muito “esperto” e tenta driblar a penhora tirando bens do seu nome, passando-os para a esposa, o filho, o tio, o empregado, enfim, para terceiros ou para “laranjas”, visando evitar que o Judiciário o alcance e lhe tire bens para pagar a dívida.
Esse caminho não vale para a ação de execução, que se inicia com a citação do devedor para pagar a dívida em 24 horas, sob pena de penhora. Não é necessário passar pelo “processo de conhecimento”, pois a dívida é representada por título de crédito (o cheque, a nota promissória, a duplicada, o acordo assinado pelas partes e duas testemunhas etc.) que legalmente presume-se ser líquido, certo e exigível.
O Banco Central vem, desde 2001, firmando convênios com os tribunais do País (estaduais, federais e Justiça do Trabalho) para que seja feita penhora na conta corrente do devedor pela internet, instantaneamente. Isso quer dizer que o devedor terá sua conta corrente bloqueada, on line, e o valor necessário para pagar o credor, reconhecido pela sentença, será dela retirado e transferido para o Judiciário, que posteriormente o liberará ao credor. Simples, fácil e ágil assim.
O BACEN dá uma senha individual ao juiz (somente para magistrados) para que ele, do seu computador, acesse a internet via sistema específico chamado Bacen-Jud e ordene que todas as instituições bancárias vasculhem a vida financeira do devedor, pessoa física ou jurídica, localize contas correntes e aplicações financeiras, bloqueie e desbloqueie saldos, transferia numerário etc., sempre, claro, limitado ao valor da dívida.
Pretendem os tribunais garantir o efetivo cumprimento das suas decisões, agilizar os pagamentos e acabar com a sensação do “ganha mas não leva” que o credor muitas vezes sente, com razão. Além do pagamento do crédito do vencedor da ação judicial, o erário também agradece ao convênio, pois, normalmente, as sentenças determinam o pagamento de impostos (contribuições ao INSS, ao IR etc.) sobre determinados direitos reconhecidos.
Há críticas ao convênio. Alguns dizem que ele é um confisco, que é ditatorial, que quebra o sigilo bancário, que é oneroso para o devedor, que é inconstitucional. Há os que temem tanto poder nas mãos do juiz e pregam a criação de punições a ele, no caso de abuso ou excesso de poder.
Na prática, realmente podem acontecer situações que merecem reflexão: um juiz trabalhista pode homologar crédito de R$100.000,00 e fazer a penhora on line deste valor na conta do devedor. Este poderá contestar o valor da dívida, provar que ela está errada e demonstrar que deve, apenas, R$60.000,00. Só que essa discussão não é feita on line e pode demorar meses. E a impossibilidade do devedor em usar diferença que ficou bloqueada indevidamente? E se os R$40.000,00, no exemplo citado, estivesse separado para quitar uma folha de pagamento? Quem paga por isso? O juiz? O tribunal? Os empregados ficam sem receber até que se discuta o real montante da dívida?
Sem dúvida, regras e critérios claros e específicos devem ser estabelecidos, evitando-se abusos. Tomara que o Judiciário saiba delimitar sua própria atuação, traçando os parâmetros a serem observados.
O fato é que este expediente já está sendo utilizado e só ainda é tímido porque muitos juízes não conhecem o convênio e a ele ainda não aderiram, o que é questão de tempo. Cabe a cada tribunal, individualmente, assinar o convênio com o BACEN e informar a seus juízes, permitindo seu uso.
Trata-se de avanço do Judiciário que visa prestar a tutela buscada pelo cidadão de forma eficaz. Ainda falta resolver o problema da lerda tramitação do processo para se chegar à fase da execução.
Infelizmente, no Brasil, não dá para querermos tudo de uma vez.