1. Introdução
Inicialmente deve ficar claro que cabe à assessoria jurídica das instituições a análise de contratos. Isto porque, composta por advogados, a assessoria jurídica é o órgão técnico competente para emitir parecer sobre os mesmos.
Todavia, é interessante traçar algumas considerações gerais a respeito de contratos, pois os profissionais da saúde (e aqui destacamos principalmente o administrador hospitalar) poderão fazer análise prévia e superficial deles antes de enviá-los à sua respectiva assessoria jurídica. Fazendo isso, ganhar-se-á tempo, pois, caso o contrato visto superficialmente pelo administrador hospitalar não apresente alguns dos requisitos que abaixo mencionaremos, ele mesmo poderá devolvê-lo à parte que o elaborou solicitando sua adequação.
2. Conceito de contrato
“ Acordo de vontades que tem por fim criar, modificar ou extinguir um direito.”
“ Expressa, assim, a idéia do ajuste, da convenção, do pacto ou da transação firmada ou acordada entre duas ou mais pessoas para um fim qualquer, ou seja, adquirir, resguardar, modificar ou extinguir direitos.
O contrato, pois, ocorre quando as partes contratantes, reciprocamente, ou uma delas assume obrigação de dar, fazer ou não fazer alguma coisa.”
3. Contrato de adesão
“Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo.” (grifo meu)
O juiz aposentado do Primeiro Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo, Sílvio de Salvo Venosa, assim se manifesta a respeito do contrato de adesão:
“ É o típico contrato que se apresenta com todas as cláusulas predispostas por uma das partes. A outra parte, o aderente, somente tem a alternativa de aceitar ou repelir o contrato. … O consentimento manifesta-se, então, por simples adesão às cláusulas que foram apresentadas pelo outro contratante.”
O advogado Eduardo Gabriel Saad diz:
“ O contrato de adesão é fruto da sociedade de consumo, da massificação das relações de consumo.
As grandes empresas, costumeiramente, preparam contratos-tipo para sua clientela. Esta, porém, não está impedida de escolher um outro fornecedor.”
4. Princípios fundamentais dos Contratos
a) Liberdade de contratar: – é o princípio segundo o qual as partes são inteiramente livres para estipular o contrato. Obviamente que esta liberdade para contratar é limitada, esbarrando em princípios de ordem pública e em algumas normas cogentes (obrigatórias), que não poderão ser tocadas pela vontade das partes.
b) Consentimento: – é a vontade contratual nascida do acordo das partes, tornando-se suficiente à perfeição do contrato. “Quando a vontade é posta em um acordo com outra vontade para obter efeitos jurídicos, estaremos diante do consentimento, forma de manifestação de vontade contratual.”
c) Obrigatoriedade: – o contrato devidamente formalizado, sendo válido e eficaz, obriga as partes contratantes, tornando lei o acordado entre elas. O acordo de vontades faz lei entre as partes. Em Direito, dá-se o nome de “pacta sunt servanda”.
d) A boa-fé: – “baseia-se no princípio de que o literal da linguagem não deve prevalecer sobre a intenção manifestada na declaração de vontade.” “Coloquialmente, podemos afirmar que esse princípio se estampa pelo dever das partes de agir de forma correta antes, durante e depois do contrato, isto porque, mesmo após o cumprimento de um contrato, podem sobrar-lhes efeitos residuais.”
5. A proposta e sua validade jurídica
Diz o Código Civil:
“Art. 1.080. – A proposta de contrato obriga o proponente, se o contrário não resultar dos termos dela, da natureza do negócio ou das circunstâncias do caso.”
Proposta é a declaração, expressa ou tácita, da vontade de uma parte (proponente) dirigida à outra parte, tendo em vista a realização de um negócio.
Para que a proposta, nos termos em que foi feita, produza efeitos jurídicos, basta que a outra parte a aceite, com o que terá surgido um contrato.
Quem faz uma proposta deve tomar cuidado pois ela vincula a vontade do proponente, que somente ficará liberada com a negativa do negócio pela outra parte ou o decurso do prazo estipulado na mesma.
6. Cláusulas essenciais que devem constar de um contrato
6.1. Agente capaz:
Diz o Código Civil:
“Art. 82. A validade do ato jurídico requer agente capaz (art. 145, n. I), objeto lícito e forma prescrita ou não defesa em lei (arts. 129, 130 e 145).”
O art. 145 do Código Civil (acima mencionado) diz que “é nulo o ato jurídico quando praticado por pessoa absolutamente incapaz.”
Obviamente que aqui trataremos somente da capacidade jurídica, deixando um pouco de lado a capacidade natural, que não interessa a este trabalho. A capacidade jurídica diz respeito à questão da capacidade legal de agir, ou seja, a competência jurídica de determinada pessoa para praticar determinado ato, como assinar um contrato em nome de uma pessoa jurídica, por exemplo.
Assim, a regra geral é no sentido da necessidade de haver documento hábil, seja ele procuração específica (pública ou particular), ou ata, ou contrato social, que autorize determinada pessoa física a representar qualquer outra pessoa (física ou jurídica). Desnecessário dizer que qualquer que seja o documento, ele deverá estar revestido das formalidades legais peculiares a cada um. Inexistente qualquer documento que autorize alguém a representar outra pessoa (física ou jurídica) em determinado ato, aplicar-se-á a regra do art. 145 do CC, ou seja, o ato será nulo.
6.2. Objetivo
Consiste na própria razão de existência do contrato. Deverá estar escrito com todas as letras e o mais claro e objetivo possível a que fim se destina o contrato que será assinado. É recomendável não se economizar palavras na cláusula do objeto. Quanto mais definido estiver a finalidade do contrato, menos problemas de interpretação subjetiva haverão.
6.3. Obrigações das partes
Também nesta cláusula não deve haver economia de palavras nem resumos de algo que se pretende. As obrigações das partes (Contratante e Contratada) devem estar esteticamente bem posicionadas e destacadas no contrato. A redação deve ser a mais clara e completa possível. Não se deve cometer o erro de se entender que alguma coisa está ‘implícita’. Para não haver nenhum problema de interpretação do contrato, as obrigações que cada parte desejar que a outra cumpra deverão estar escritas nas respectivas cláusulas. A velha estória de uma parte (geralmente a Contratante) “achar” que algo estava ‘implícito’ no contrato e que se constituía em obrigação da Contratada já deu margem a um sem número de ações judiciais. Desnecessárias, a nosso ver, se simplesmente todas as obrigações das partes estiverem escritas no contrato.
6.4. Preço
O preço que uma parte vai pagar à outra pela prestação de serviços (ou venda de algo) deverá ser fixado e determinado, além de ser escrito por extenso. Além disso, deve estar claro o dia do vencimento da obrigação de pagar, bem como a estipulação da multa moratória pelo desrespeito àquele dia e a cominação de juros de mora mensais.
Quando o preço for estipulado em percentual, deve-se deixar bem claro sobre qual montante, ou receita, ou evento, será aplicado aquele percentual, visando evitar-se interpretações divergentes.
6.5. Prazo
O prazo de vigência do contrato deverá estar determinado. Deve-se tomar muito cuidado com prazos excessivamente longos. Quando se assina um contrato, obviamente que se espera que ele produza seus efeitos de maneira tranquila. Todavia, caso essa expectativa não se concretize, se um contrato tiver sido assinado com um prazo de vigência muito amplo, haverão dificuldades para se cancelar (resilir) aquele instrumento, o que poderá ocasionar prejuízos.
Além disso, deve-se tomar muito cuidado com cláusulas que prevêem renovação automática pelo mesmo período. Pegando-se o exemplo acima, imagine se aquele contrato indesejado se renovar automaticamente por mais um enorme período?
O que temos sugerido é que contratos sejam feitos com prazo de duração indeterminado, podendo ser denunciado por qualquer parte, bastando para isso comunicar sua intenção à outra (sempre por escrito e mediante protocolo) com prazo de antecedência de 30 (trinta) dias, decorridos os quais o instrumento estará rescindido de pleno direito, sem direito a indenização a nenhuma delas. É a chamada “cláusula de aviso”.
6.6. Cláusula de extinção
Deve-se prever hipóteses para rescisão imediata do contrato pelo inadimplemento de uma parte, ou seja, quando ela não cumprir sua obrigação. Quando isso ocorrer, ocorrerá a extinção do contrato por ‘resolução’. Nessa condições, normalmente, a extinção gera a obrigação da parte que deu causa à rescisão indenizar à parte inocente.
Disposições gerais
6.7.
O ideal para a análise rápida de um contrato é que ele esteja esteticamente bem dividido. Isso quer dizer que os assuntos devem ser divididos em cláusulas devidamente identificadas, evitando-se misturar assuntos estranhos a seu respectivo item.
Assim, no item ‘disposições gerais’ devem ser inseridas as cláusulas que não se enquadrarem nas outras já constantes (conforme roteiro acima). Por exemplo, nas ‘disposições gerais’ poderão ser inseridas cláusulas que tratem:
a) da responsabilidade pelo recolhimento dos impostos incidentes sobre a prestação de serviços (ou venda) objeto do contrato.
b) da proibição de transferência do contrato sem anuência por escrito da outra.
c) da identificação dos anexos que acompanham e formam o contrato.
d) da irrevogabilidade e irretratabilidade do contrato e da obrigação dos sucessores.
e) da multa compensatória para quem infringir qualquer cláusula do contrato e de eventual perdas e danos, etc.
6.8. Foro
Para finalizar, as partes, em comum acordo, devem eleger o foro jurídico (a comarca) onde serão ajuizadas eventuais ações judiciais para discussão do contrato.
7. Dos cuidados na contratação
Quando se escolhe uma empresa para se estabelecer um contrato, deve-se observar a idoneidade daquela. Deve-se verificar se ela possui protestos, ações judiciais, cheques devolvidos, se paga seus empregados em dia, se reolhe corretamente o FGTS dos empregados, etc. Da mesma forma, dependendo da natureza do negócio a ser firmado, deve-se verificar se a empresa é devedora do INSS, ISS, etc., enfim, se é cumpridora de seus deveres como contribuinte.
Isto porque, se a Contratante escolher mau uma empresa para com ela firmar contrato, dependendo da natureza do negócio, se a Contratada não cumpirir corretamente suas obrigações com terceiros, a Contratante poderá ser condenada judicialmente a arcar com os respectivos pagamentos. Aplica-se o que em Direito se chama de subsidiariedade ou solidariedade, dependendo do negócio. É a chamada “culpa in eligendo”, ou seja, a Contratante poderá ser punida pela escolha de um parceiro inidôneo.
8. A diferenciação dos aspectos jurídicos e técnicos
À assessoria jurídica das partes caberá a análise técnica do ponto de vista do Direito, ou seja, à luz do que dispõe a legislação a ser aplicada no contrato.
Assim, dependendo da natureza do negócio, o contrato deverá ser submetido, também, à análise de pessoal técnico qualificado em outras áreas.
Por exemplo: se tratar-se da contratação de empresa para fazer manutenção de algum equipamento, o contrato deverá ser submetido à apreciação da equipe de manutenção da Contratante para que ela analise se na cláusula que trata das obrigações da Contratada estão inseridas todas as questões técnicas que devem ali figurar.
Portanto, os aspectos técnicos, quer sejam administrativos, financeiros, operacionais, médicos, contábeis, bem como os de viabilização do contrato deverão ser analisados pelo pessoal técnico competente de cada área envolvida na contratação.
Caso o advogado que for destacado para analisar o contrato tenha conhecimento técnico de outras áreas, melhor será, pois poderá opinar sobre elas. Todavia, sua responsabilidade profissional restringe-se apenas à questões jurídicas.
9. Conclusão
Obviamente que a matéria “contratos”, bem como seus subitens acima apresentados é muitíssimo mais complicada, sendo que tratados já foram escritos na tentativa de dissecar os complexos aspectos jurídicos que envolvem esta parte do Direito.
A intenção despretenciosa deste artigo foi pura e simplesmente trazer orientação geral e básica no sentido de dar um norte ao leigo que se dispuser a ler um contrato.
Ressaltamos, por relevante, que a análise criteriosa e aprofundada de contratos deve ser submetida ao assessor jurídico de que devem dispor as instituições, pois ele é o técnico competente a dizer se um contrato atende ou não à vontade de seu cliente, expondo eventuais riscos a que o mesmo poderá estar sujeito.