Inúmeros prejuízos são causados às entidades de assistência social e sem fins lucrativos, e também às filantrópicas, pelo não entendimento correto da definição destes dois institutos jurídicos.
Vemos requerimentos feitos às autoridades públicas serem indeferidos porque o requerente, confundindo os dois institutos, acabam por formular incorretamente o pedido. Depois, gastam-se alguns anos e muito papel para corrigir uma falha que pode facilmente ser corrigida se se prestar atenção e ter um pouco de doutrina jurídica em mente.
Imunidade
Previsão legal
Na Constituição Federal, em dispositivo assim redigido:
“ Art. 150 – Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
VI – instituir impostos sobre:
c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei;
…”
Conceito de imunidade
“Entende-se o privilégio outorgado a alguém, para que se livre ou se isente de certas imposições legais, em virtude do que não é obrigado a fazer ou a cumprir certos encargos ou certa obrigação, determinada de caráter geral.
A imunidade coloca as pessoas, a quem se atribuem semelhantes prerrogativas ou regalias, sob proteção especial.
Imunidade Tributária: – Designa as vedações ao princípio jurídico de tributação obrigatórias, oriundas de expressos e inextensivos preceitos constitucionais.”
Doutrina
Ives Gandra da Silva Martins assim se posicionou a respeito da imunidade:
“Na imunidade, o Poder Tributante não tem qualquer poder. Não abdica do exercício de nenhum direito, porque não tem nenhum direito à imposição.”
A jurista Denise Lucena Rodrigues, professora de Direito Tributário da Universidade Federal do Ceará, ensina na sua obra :
“A diferença básica entre imunidade e as demais formas exonerativas é que naquela há um impedimento permanente e superior, emanado do texto constitucional, impedindo qualquer ingerência estatal no âmbito por ela traçado. Independe, assim, da vontade legislativa das competências outorgadas pela Constituição.
‘Na imunidade, não há nem o nascimento da obrigação fiscal, nem do consequente crédito, em face de sua substância fática estar colocada fora do campo de atuação dos poderes tributantes, por imposição constitucional. Independe, portanto, das vontades legislativas das competências outorgadas pela Lei Maior. …
O campo delimitado pela imunidade, situando-se na área da não-incidência, não poderá ser invadido, de qualquer forma, pelo Poder Público….
O preceito constitucional é tão absoluto que impede mesmo a criação de qualquer regra relativa à cobrança de impostos às pessoas e aos bens os quais ele concedeu imunidade; destarte, não há desvio de norma, não há exclusão de hipótese ou incidência. Não há exceção. …
O Professor Ruy Barbosa Nogueira assim se manifesta em sua obra :
“É preciso, porém, que todos os habitantes do Brasil, e especialmente os responsáveis pelos destinos da Nação, tenham ciência e consciência de que a Constituição da República Federativa não pode deixar de ser obedecida, tão inteiramente como nela se contém em seu texto e contexto. Ela é a Carta Magna da Nação, é a Lei Mater. A desobediência às disposições da Carta Magna, tanto mais pelos Poderes Públicos, gera o descalabro da ordem jurídica.
Assim, todas as imunidades institucionalizadas pelas alíneas a, b, c, e d, item VI do art. 150 da vigente Constituição da República, atendidas respectivamente as disposições do art. 14 do CTN e a dos parágrafos do mesmo art. 150, são ‘situações’ ou ‘entidade’ que, por suas naturezas (ontológicas) e finalidades (teleológicas), são e estão constitucionalmente reconhecidas como sem nenhuma ‘capacidade econômica’ ou contributiva.”
Roque Antônio Carrazza em sua obra “Curso de Direito Constitucional Tributário”, 6ª ed., ed. Malheiros, p. 356, diz:
“Os casos de imunidade estão todos definidos na própria Constituição. Desobedecer a uma regra de imunidade é, pois, incidir em inconstitucionalidade. Em vão, portanto, buscaremos em normas infraconstitucionais as diretrizes a seguir acerca desta matéria.”
Inexistência de certidão
Muitas pessoas acham que existe uma documento único, tipo uma certidão, que ateste que determinada entidade é imune a impostos. Não existe tal documento. O instituto jurídico da imunidade está previsto na Constituição Federal no dispositivo acima transcrito, sendo que sua aferição se dá através da análise de documentos contábeis e jurídicos. É um conceito abstrato que requer comprovação na prática. Não há um ‘certificado de imunidade’, como há o certificado de filantropia, por exemplo. Aliás, fica aqui a sugestão para que o Governo Federal crie tal documento, o que facilitaria muito a vida das entidades de assistência social e sem fins lucrativos, apesar da possível burocracia que existiria na obtenção de tal documento.
Isenção
Conceito
“Entende-se, na linguagem jurídica, a dispensa, a concessão, atribuída a alguma coisa ou a alguma pessoa, para que se possa livrar, esquivar ou se desobrigar de algum encargo, que a todos pesa, ou para que se livre de qualquer obrigação.“
Diferenças
Isenção
– A isenção é um benefício concedido pelo Poder Público através de legislação fiscal ordinária ou complementar ou qualquer legislação infraconstitucional. O ente político pode conceder ou não uma dispensa de imposto, dependendo do cumprimento de alguns requisitos legais instituídos por ele próprio, devidamente autorizados pela Carta Magna.
– A isenção pode ser revogada por lei, dependendo da vontade do ente político e de aprovação do órgão legislativo respectivo, resguardado o eventual direito adquirido.
Imunidade
– O instituto jurídico da imunidade está assegurado pela Constituição Federal, lei maior do país.
– Uma vez cumpridos os requisitos estabelecidos por ela, o reconhecimento da imunidade, no caso das entidades sem fins lucrativos, é uma obrigação legal do Poder Público. Não compete a ele questionar a imunidade, mas sim cumprir a Constituição.
– A imunidade só pode ser revogada através de emenda constitucional que altere o respectivo dispositivo.
Jurisprudência
Várias questões judiciais já foram levantadas a respeito da diferença jurídica existente entre os dois institutos. O TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO proferiu recente decisão que engloba e resume o assunto aqui tratado de maneira objetiva.
Eis a ementa:
“MANDADO DE SEGURANÇA. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. ENTIDADE ASSISTENCIAL.
I – Isenção e imunidade não se confundem.
II – Reconhecida a imunidade da impetrante em face dos documentos acostados, ilegal ato da autoridade que exige imposto de importação.
Apelação e remessa oficial desprovidas. Sentença confirmada.”
Lê-se da íntegra do acórdão , relatado pela EXMA. SENHORA JUÍZA FEDERAL LÚCIA FIGUEIREDO:
“ Isenção e imunidade são institutos que não se podem confundir. Enquanto que esta se consubstancia em proibição constitucional à própria tributação, aquela consiste em subtrair, por meio de lei, certa situação ou pessoa à hipótese de incidência.
Assim, ao se atribuir, em nível constitucional, competências aos entes políticos para legislarem em matéria tributária – de conseguinte, criarem o tributo – , fixaram-se as balizas demarcatórias dessas competências.
Relembremos, ademais, que nosso sistema constitucional tributário é rígido, pois se encontra disciplinada, em nível constitucional, toda a matéria tributária. Remanesce ao legislador ordinário apenas competência para instituir o tributo nas formas já previstas constitucionalmente.
Releva argumentar, a fim de que aflore o que se pretende destrinçar. Se é verdade que a competência impositiva se acha rigidamente demarcada na Constituição, a consequência óbvia é que não poderá ser tributado o que não fizer parte do conteúdo impositivo.
Concluímos, pois, que a imunidade está ínsita (de maneira negativa, proibitiva) na competência impositiva. Mais não é do que vedação constitucional expressa para que os entes políticos, a quem cabe legislar dentro de sua faixa expressa de competência, abstenham-se de fazê-lo, porque a situação encontra-se fora do campo de abragência de sua competência impositiva.
As letras ‘b’ e ‘c’ do artigo 150, VI, contêm vedação, tendo em vista as pessoas passíveis de serem tributadas: partidos políticos, instituições educacionais ou de assistência social. … “.
Posição da administração pública
Aos governantes cabe, apenas e tão somente, cumprir a legislação vigente a respeito da matéria aqui tratada, o que, infelizmente, não é o que estamos constatando na prática. Os administradores públicos, na ânsia desenfreada de arrecadar, simplesmente, ao arrepio da lei, arbitram, impõem, autuam e cobram impostos indevidos das entidades sem finalidade lucrativa, agindo com verdadeiro abuso de poder, fato que deve ser levado ao conhecimento do Judiciário para que sejam devidamente punidos.
O Juiz Francisco Antônio de Oliveira, na obra citada, já disse:
“O administrador público sujeita-se aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, finalidade. Na administração pública não há campo para fazer valer a vontade pessoal do administrador. A administração existe em função dos administrados que pagam os seus impostos e, por consequência, pagam os salários daquelas autoridades. Assim, enquanto ao particular é dada a liberdade de praticar todo e qualquer ato que a lei não proíbe (art. 5º, II, CF/88), a autoridade pública só poderá praticar atos nos moldes autorizados pela lei. O seu caminho, quer no ato vinculado, quer no ato discricionário, está previamente demarcado. No primeiro a lei determina um procedimento, enquanto no ato discricionário a lei permite várias alternativas, podendo o administrador trilhar o melhor caminho, dentro do seu senso de oportunidade e de conveniência. Não há lugar, nunca, para o ato arbitrário.”