A partir do momento em que o profissional médico (ou da área da saúde em geral) ou o hospital passa a ter determinada pessoa como paciente (pessoa que padece ou está doente), ou seja, sob seus cuidados, deve-se passar a vigiá-lo de forma eficaz.
Isso porque, caso ocorra algum evento com o paciente por conta da falta de vigilância do profissional ou do hospital, estes poderão ser responsabilizados civilmente pelo acontecido.
É o que se chama, tecnicamente em Direito, como culpa “in vigilando”.
Culpa, primeiramente, é o erro (ou a falta) cometida por inadvertência ou imprudência. Como define De Plácido e Silva, ‘é a violação de um dever preexistente, não praticado por má-fé ou com a intenção de causar prejuízos aos direitos ou ao patrimônio de outrem’. Culpa é a antítese do dolo, pois este é caracterizado pela vontade consciente (o querer) de causar prejuízo a alguém.
A modalidade “in vigilando” da culpa caracteriza-se pela falta de vigilância (ou atenção) que determinada pessoa deveria ter em relação a alguém ou alguma coisa e que, por conta disso, ocorreu um prejuízo.
Ao profissional da saúde, a vigilância em relação ao paciente (não internado) é mais difícil de se efetivar, pois o contato entre eles restringe-se, na maioria das vezes, às consultas ambulatoriais ou em consultório. De qualquer maneira, o profissional deverá ficar atento e, principalmente, anotar (de forma legível) no seu prontuário as mudanças ou eventuais resistências ao tratamento ministrado, visando defender-se de eventual questionamento infundado.
No que diz respeito ao paciente internado, a vigilância deve ser redobrada, principalmente por conta do estabelecimento hospitalar ou clínica que o recebe. Isso porque o paciente internado está acobertado pela chamada “cláusula de incolumidade”, que quer dizer que o enfermo deve ser mantido livre de qualquer perigo, são e salvo, intato, ileso e bem conservado pelo estabelecimento.
E essa incolumidade é ampla. Todo e qualquer acidente que o paciente sofrer será culpa do hospital (e de seus prepostos), salvo se o estabelecimento provar que não houve culpa por parte de seu pessoal, o que na prática não é muito fácil, pois, se ocorreu um dano, supõe-se que houve inadimplemento do dever de vigilância.
Os tribunais estão recheados de exemplos dessa culpa. Há casos de queda sofridas pelos pacientes da maca ou do leito, por falta de cuidado do enfermeiro ou serviçal; suicídios ou tentativas de suicídio cometidos pelos internos com distúrbios mentais; fuga de pacientes do hospital, que acabam se acidentando fora das dependências do estabelecimento; morte de um paciente pelo outro colega de quarto, enfim, as possibilidades de responsabilização são vastíssimas. Nesses casos, os estabelecimentos responderão civilmente (como empregadores) por culpa presumida de seus prepostos (ou empregados).
Os casos, às vezes, são complexos. A revista COAD nos traz o exemplo de um paciente que, já recuperado de problemas gastrointestinais, fica ansioso por deixar o hospital e opta por não esperar a alta médica. Prefere sair furtivamente pela janela do prédio. Chega ao telhado, escorrega, cai e morre. De quem é a culpa nesse caso? Do hospital que não vigiou devidamente seu paciente, impedindo-o de sair pela janela do quarto ou do próprio enfermo, que preferiu tomar a atitude de sair do hospital pelo telhado? Os Desembargadores que julgaram esse caso não foram unânimes na decisão. Um deles afirmou que a culpa era do hospital, mas a maioria decidiu que o hospital não era responsável.
Convém, todavia, transcrevermos parte do voto (vencido) do Desembargador que condenou o hospital a indenizar a família do paciente para que possamos pensar, tirar lições e ver como é feito o exercício de inteligência desse tipo de questão pelo Judiciário, visando aclarar o vasto alcance do dever de vigiar o paciente. Atente, caro leitor, para as várias vertentes envolvidas num caso desse.
Disse o Desembargador: “Ocorre que não se pode falar em culpa exclusiva da vítima ou de outrem.
O paciente estava agitado, andava de um lado para outro no corredor e ‘não agüentava ficar no quarto’. Encontrava-se internado em uma enfermaria, com outros pacientes, um recinto sujeito a ampla fiscalização.
Tal comportamento do paciente era de conhecimento do enfermeiro assistente que não o teria comunicado ao médico. E o hospital era sabedor de que o doente era alcoolista desde a sua entrada no estabelecimento, na oportunidade da elaboração de sua ficha.
O médico reconheceu que eram indispensáveis atendimento e cuidados especiais.
Logo, como havia um contrato entre o hospital e o doente, pelo qual este perdera a liberdade de ação, tornando-o sujeito às imposições técnicas do tratamento, precisando ser ‘assistido e vigiado’, nada justificava a falta de atenção dos prepostos responsáveis pela fiscalização dos pacientes.
É acertada a comparação feita à situação de uma criança internada. Quando esta é entregue aos cuidados do hospital, cessa a vigilância familiar, que passa a ser exclusiva do estabelecimento. Essa transferência de responsabilidade está claramente definida no caso presente.”
Como cuidado e caldo de galinha não fazem mal a ninguém, é melhor vigiar o paciente de forma eficaz para não correr o risco de ter que discutir uma questão dessas no Judiciário.