Em maio, o ministro da Casa Civil, José Dirceu, defendeu a necessidade do crescimento sustentado como forma de o país resolver boa parte de seus problemas. No meio da análise, fez uma previsão sobre a área da Saúde: “em 2005, serão gastos R$ 40 bilhões e se não houver boa gestão, o dinheiro vai para o ralo”. Dois meses antes, porém, em 9 de março, o ministro da saúde Humberto Costa, responsável por gerir a verba antecipada por Dirceu, pode ter seguido no caminho contrário. Costa baixou a portaria nº 350 que revogou a de nº 2.225, de dezembro de 2002, que obrigava os gestores dos hospitais do Sistema Único de Saúde (SUS) a se especializarem em cursos de administração hospitalar e fixava 31 de dezembro deste ano como data para o cumprimento dessa portaria.
“As especializações em administração hospitalar não estão sintonizadas com as políticas de gestão do SUS”, justifica a Coordenadora Geral de Ações Estratégicas de Educação na Saúde do MS, Laura Camargo Macruz Feuerwerker. Médica e especialista em Administração Hospitalar pela Universidade de São Paulo (USP), Laura diz que a exigência de titulação criava um mercado para cursos, mas não garantia a qualidade da formação.
Segundo o Ministério da Saúde, há uma política de educação para o SUS sendo implementada. “Estão sendo criados pólos de educação permanente, reunindo gestores estaduais e municipais do SUS, hospitais universitários, instituições de educação superior, escolas técnicas, além de representantes do controle social e estudantes. Já são 86 pólos, onde muitas das iniciativas de formação e desenvolvimento profissional estão sendo articuladas”.
Ainda que haja alternativas, a revogação da 2.225 foi feita sem nenhuma ampla discussão pública. “Ao editarem a portaria 2.225 houve consulta pública e na revogação não foi feito isso. Sabíamos que talvez não fosse o modelo ideal, mas era um início. Que fôssemos melhorando o processo e não estagnando como aconteceu.”, avalia o administrador Paulo Camara, presidente da Federação Brasileira de Administradores Hospitalares. “Há estudos do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Social) que mostram as carências administrativas e os ganhos com a especialização. Por isso, é preocupante quando se vê que o governo toma uma medida dessa e não abre um canal de comunicação com os representantes da sociedade”. No lugar da 2.225 o MS oferece a “perspectiva” de cursos presenciais e à distância, de especialização e mestrado, que devem incluir elementos de aperfeiçoamento da gestão.
Outra alegação para revogação foi a de que os cursos dão aos alunos uma visão “empresarial” da saúde. “Os cursos estão orientados prio-ritariamente a formar gestores que pensam os hospitais como empresas e não a administrar hospitais que são parte do SUS e que devem estar integrados com outras instâncias do sistema”, explica Laura Camargo. O ex-Secretário de Assistência à Saúde do MS, o médico Renilson Rehen, que criou a Portaria nº 2.225, se declarou decepcionado, ainda que faça questão de dizer que acredita que o Ministério da Saúde vá lançar algum programa para substituir o anterior. “A alegação de que os cursos não estão sintonizados com as políticas do SUS é sem sentido. Devem-se então baixar normas para que esses cursos tenham um percentual de horas sobre administração do sistema público”, enfatiza Rehem. “Dizer que os hospitais públicos não devem ser administrados como empresas é uma visão equivocada. Não se trata de confundir gestão pública com lucro, mas sim administrar os recursos públicos da melhor maneira possível em benefício do usuário”. O presidente da FBAH tem a mesma opinião. “Todos os hospitais tem que ser administrados como empresas. Não com a visão simples do lucro, mas para ter sua viabilidade econômica e com isso garantir o bom atendimento à comunidade, o que não ocorre hoje”.
Para o MS a situação da gestão dos hospitais brasileiros é heterogênea. Segundo a assessoria do órgão, muitas iniciativas para formação de gestores hospitalares já foram desen-cadeadas e financiadas pelo Ministério da Saúde em anos anteriores. Os resultados, segundo as mesmas fontes, não foram “de grande impacto” e agora se está trabalhando em “novas estratégias de formação e de-senvolvimento para os profissionais, inclusive os que estão ocupando postos de gestão nos hospitais”.
Administrar um hospital está entre as tarefas mais complexas que se conhece. Os custos são crescentes e novas tecnologias, que em geral não significa a substituição da mão-de-obra, devem ser agregadas a todo o momento. Por outro lado, ninguém alega que médicos ou enfermeiras, por exemplo, devem deixar de passar por cursos de formação pelo fato de eventualmente esses cursos serem de má qualidade. O que se vê são ótimos profissionais de outras áreas virarem péssimos administradores hospitalares e o usuário pagar por isso.
Debates e iniciativas recentes
Em junho de 2002, foi realizado em Brasília, com apoio da Organização Panamericana de Saúde (Opas), o 2º Seminário Nacional do Projeto de Qualificação de Equipes Gestoras de Sistemas e Serviços de Saúde. Com a presença do então Ministro da Saúde, Barjas Negri, se discutiram as metas de melhoria da gestão, como processos de avaliação, fluxos de informação, acompanhamento dos resultados nos Estados e estímulo ao debate sobre o perfil e as competências de Equipes Gestoras de Sistemas e Serviços de Saúde. Mesmo com todos os debates não se viram avanços significativos.
Já em fevereiro deste ano, a Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde do Ministério da Saúde, em parceria com a Universidade Federal da Bahia, convocou candidatos para o projeto Mestrado Profissional 2004, na área de concentração em Gestão de Sistemas de Saúde. Esse projeto ficou restrito a dirigentes e técnicos do SUS da região Centro-Oeste, ou seja, Brasília, Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. O curso foi iniciado em março, em Brasília. Os pretendentes tiveram que apresentar planos de estudos sobre epidemiologia de doenças transmissíveis e crônico-degenera-tivas, saúde do trabalhador, da mulher, saúde mental, saúde da família, análise de situações de saúde, planejamento e programação em saúde, organização de sistemas e serviços de saúde, gestão de sistemas locais de saúde, avaliação de políticas, sistemas e serviços de saúde, sistemas de informação em saúde, direito à saúde e vigilância sanitária, avaliação de tecnologias em saúde e formação e capacitação de pessoal em saúde.
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