Na prática
Suponhamos que um empresário contrate advogado para questionar eventual cobrança (ou retenção) indevida de valores decorrentes de serviços prestados a algum órgão público. Ele ajuíza o procedimento adequado (Mandado de Segurança, por exemplo, cuja liminar deve ser apreciada em 24 horas), ou ação em que pleiteia a antecipação de tutela. O empresário espera a resposta do juiz para decidir acerca da melhor atitude a ser tomada.
Digamos que a máquina judicial, emperrada, impeça que o juiz analise imediatamente o processo e demore mais de um mês para decidir. Ou digamos que o juiz faça “vistas grossas” ao pedido de tutela antecipada (o leitor duvida que isso aconteça?) e simplesmente nada decida? O que o advogado deverá explicar ao cliente que a tudo isso assiste, indefeso e impedido que está de agir no exercício arbitrário das próprias razões? E a rapidez e o ´timing´ com que o empresário necessita tomar decisões acerca de seus negócios? E o advogado, que fica no meio disso tudo, questionado até acerca de sua competência?
O que falar p/ o cliente que faz requerimento que necessita ser apreciado imediatamente pelo Judiciário, mas que para simplesmente juntar a petição aos autos demora 15 dias, e que estes demoram mais 15 dias para ser enviados ao juiz, que demora mais uns 30 (ou bem mais) dias para proferir algum despacho?
O que dizer ao cliente que um processo civil demora quase 6 (seis) anos para ser julgado no Tribunal de Justiça de São Paulo? Que ela esqueça a Justiça e resolva a questão “de outra forma”? Corre-se o risco do cidadão achar (indevidamente, claro) que as funções do Judiciário são desnecessárias. Nossos governantes (eles assim se rotulam) poderiam, nem que fosse por um momento, olhar com mais atenção o abismo a que o Brasil está se aproximando, senão, daqui a uns tempos, nem precisará mais olhar. Eles não devem esquecer que a Justiça que tarda, falha.
“Gorjeta”
Quando o caos se instala, lamentavelmente, vemos “alternativas” antiéticas serem praticadas cada vez mais, tais como “dar uma cervejinha” para que alguém “cumpra com maior rapidez” sua obrigação funcional.
Apocalipse Now
O futuro, infelizmente, é sombrio. Não se vêem investimentos tecnológicos e humanos suficientes para aprimoramento do Judiciário. É tudo um faz de contas. Parece que sua lerdeza e morosidade não preocupam certos setores da sociedade.
Para se ter idéia do cenário, veja o leitor o que disse o ministro Maurício Corrêa, ao ser empossado como presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), corte maior do País, em junho/2003: “O que acontece conosco aqui nesta Corte? São tantos os processos distribuídos a cada um de nós que o Tribunal se acha praticamente inviabilizado. Os números dão bem o sentido dessa caótica e amarga situação, que nos coloca ante o dilema de dar preferência ao julgamento para que ele seja rápido ou zelar pela qualidade da decisão, o que exige tempo, impondo ao magistrado a escolha entre a rapidez e a reflexão. Passados 14 anos de vigência da Constituição, tivemos um movimento processual, em 2002, da ordem de 160.453 processos distribuídos também para onze Ministros, o que significa um aumento absurdo de quase 800% no número de feitos submetidos à deliberação da Corte. Apenas para mensurar o que isso significa, são mais de 14.500 processos por cada Ministro ou 1.450 por mês, número esse superior ao volume de todo o ano de 1998.”
O presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Sepúlveda Pertence, manifestou-se (em 18.08.03, em “O Globo”) sobre a “crise inédita” que envolve a Justiça brasileira afirmando que “a credibilidade não resiste à exacerbação da justa insatisfação popular com a ineficiência, o custo e a lentidão do funcionamento do serviço da Justiça.”
Dá para se empolgar ou ter alguma esperança com um discurso desse?
Sociedade e mídia
A sociedade sempre coloca o Judiciário em xeque. Nos últimos anos, principalmente. E ela faz isso com razão, pois, se o Judiciário emperra, como fica o Estado Democrático de Direito e a segurança jurídica das normas e relações sociais?
E quais os exemplos que vemos? Policiais, fiscais, juízes, desembargadores e ministros dos tribunais superiores citados pela mídia como possivelmente envolvidos com o crime organizado, com venda de habeas corpus a traficantes, com fraude na distribuição de processos (numa forma de “escolha” dos casos onde atuar), até com assédio sexual a seus auxiliares. Seria cômico, se não fosse trágico. Apesar de nosso presidente não ser um ás em seus comentários, ele não estava tão errado quando disse que a “caixa-preta” do Judiciário precisaria ser aberta.
É claro que existem profissionais sérios e honrados e que o número de “criminosos oficiais” é muitíssimo menor. O problema é que a mídia tem tendências de urubu: só gosta do que não presta. Ela não se preocupa muito em mencionar na primeira página de um jornal ou na capa de uma revista a rotina do profissional que cumpre seus deveres e detém valores morais inabaláveis. Quem iria se interessar por isso? Seria muito chato. É mais do que sabido que a população, compradora de jornais e revistas, gosta de sangue, de tumulto, de fofocas, do bizarro. E é exatamente isso que a mídia lhe dá. Tudo se resume a estratégia de marketing e vendas.
Enquanto para o Judiciário deve haver o início do processo, a apuração de fatos, análise de provas, o julgamento e após todos os recursos possíveis e a definição sobre o assunto, a imprensa realiza sozinha todas essas ações, ao mesmo tempo. Dificilmente imprensa e judiciário chegarão ao mesmo resultado. Collor foi condenado pela mídia e absolvido pela Justiça por falta de provas. (Carlos Heitor Cony)
O professor Joaquim Falcão já disse: “Ser o que não se é, é errado. Imprensa não é Justiça. Esta relação é um remendo. Um desvio institucional. Jornal não é fórum. Repórter não é juiz. Nem editor é desembargador. E, quando, por acaso, acreditam ser, transformam a dignidade da informação na arrogância da autoridade que não tem. Não raramente, hoje, alguns jornais ao divulgarem a denúncia alheia, acusam sem apurar. Processam sem ouvir. Colocam o réu, sem defesa, na prisão da opinião pública. Enfim, condenam sem julgar. Na ânsia da denúncia, que vende e dá prestígio, são imprudentes. …” (COAD, boletim 28/04).
A ação fiscalizatória e denunciativa da mídia é importante? Inegável que sim. Diversas questões brasileiras não teriam sido conhecidas se não fosse pela mídia. Mas porque diabos ela só explora o que não presta? Ok, a resposta está acima.
Valores
Não se constrói uma democracia de verdade sem instituições judiciárias fortes. (Sepúlveda Pertence). A situação caótica em que vivemos não pode mais perdurar porque ela aniquila o Estado de Direito, avilta a cidadania, estrangula as forças econômicas produtivas e convida homens de bem – abandonados que estão a sua própria sorte – a se valerem da justiça pelas próprias mãos. (AASP)
Apesar do panorama nada animador e das muitas adversidades, devemos SIM ter esperança de dias melhores, de soluções mais primorosas, justas e rápidas, de respeito aos direitos dos cidadãos.
Devemos fazer valer, a qualquer custo, a democracia que tanto custamos a alcançar.
Os homens éticos e valorosos de índole moral devem se sobrepor aos levianos, aos inconsistentes de caráter, aos indolentes e vadios, aos canalhas volúveis e aos seres humanos inferiores e de má qualidade que destoam dos desígnios para os quais foram criados.
Que Deus continue a olhar pelo Brasil! Sempre.