Este tema sempre gera controvérsias e brigas judiciais. Em alguns estados existem liminares que proíbem os hospitais de exigirem, previamente, qualquer tipo de garantia de pagamento, de pacientes particulares ou de convênios.
Normalmente, o pedido desta garantia ocorre em momentos em que entes queridos são submetidos a situações de emergência ou urgência, em condições geralmente aflitivas, em momento dramático e onde as pessoas envolvidas estão alteradas emocionalmente.
Para complicar ainda mais, os prepostos dos hospitais que solicitam a prestação da garantia (cheque caução, no caso, mas poderia ser nota promissória, letra de câmbio etc.) nem sempre são orientados acerca da melhor maneira de fazê-lo, gerando desgaste com o familiar daquele que necessita de cuidados imediatos.
Ousamos dizer que são a falta de paciência e de esclarecimentos dos dois lados os culpados pelo surgimento de rumorosos casos que acabam submetidos à apreciação do Judiciário.
O que é a caução?
Caução é a cautela que se tem ou se toma, em virtude da qual certa pessoa oferece a outrem a garantia ou segurança para o cumprimento de alguma obrigação[1].
Uma das formas que o hospital tem para se resguardar do direito de receber pelos serviços prestados (atendimento médico e de enfermagem, fornecimento de materiais e medicamentos, exames laboratoriais, de imagem, hotelaria etc.) é o cheque caução, sendo sua exigência possível, apenas, a pacientes particulares.
O cheque caução é o título de crédito mais eficaz e que garante, de certa forma, o pagamento das despesas do paciente particular, pois, se ele não honrá-lo, o título poderá ser protestado e executado judicialmente, partindo-se diretamente para penhora de bens para que o credor receba o que lhe é devido.
Há dois aspectos que precisam ser abordados para entendimento do tema:
Aspecto humano
É assegurado constitucionalmente o direito à saúde (art. 196 da Constituição Federal.)
Além da previsão constitucional, a Lei Orgânica da Saúde (art. 2º) reza que “A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício.”
A prestação dos serviços de saúde pelo Estado dá-se por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), com repasse de verbas aos hospitais conveniados.
No entanto, se o hospital não for conveniado ao SUS e a prestação dos serviços for efetivada pela iniciativa privada, ainda assim ele está obrigado ao atendimento do paciente, em caso de emergência ou urgência, sob pena de responder civilmente e na esfera criminal por omissão de socorro, não se esquecendo da afronta aos princípios éticos e morais que envolvem a questão.
Nas hipóteses de urgência ou emergência, nenhum hospital poderá desamparar e deixar de atender qualquer paciente.
Aspecto hospitalar
Quando o cliente de plano ou seguradora privada de assistência à saúde adentra ao hospital para atendimento de urgência/emergência, não há a possibilidade imediata de constatação se todas as exigências contratuais entre aqueles estão satisfeitas, tais como: cobertura do procedimento a ser realizado; pagamento em dia das mensalidades; decurso do prazo de carência etc. Apenas pela apresentação da carteirinha não é possível a checagem de todos estes dados.
O que o estabelecimento hospitalar pretende é dar atendimento digno ao paciente, visando sua recuperação e, se possível, salvando sua vida.
Todavia, o hospital tem que se assegurar de que terá a devida retribuição, não podendo ficar à mercê da vontade (que às vezes é má) do paciente e dos responsáveis em remunerar os serviços.
Proibição de exigência do cheque caução para pacientes de convênios
A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) editou, em 24.07.2003, a Resolução Normativa nº 44, que diz em seu artigo 1o.: “Fica vedada, em qualquer situação, a exigência, por parte dos prestadores de serviços contratados, credenciados, cooperados ou referenciados das operadoras de planos de assistência à saúde e seguradoras especializadas em saúde, de caução, depósito de qualquer natureza, nota promissória ou quaisquer outros títulos de crédito, no ato ou anteriormente à prestação do serviço.”
Portanto, não mais se discute essa questão em relação aos pacientes conveniados. Está proibida a exigência de cheque caução deles. Em que pese a insensibilidade da ANS em relação aos argumentos acima, ela assim decidiu e assim deverá ser cumprido.
Paciente particular
Para todo serviço prestado por estabelecimentos hospitalares a pacientes particulares deve corresponder a respectiva contraprestação pecuniária, que é o pagamento. Nada mais justo, pois será com aquela receita que se pagarão as despesas e os salários dos colaboradores do hospital que atenderam o paciente.
Entendemos que a ANS não tem competência para proibir os hospitais de exigir o cheque caução em relação aos pacientes particulares, pois sua atuação é restrita a “legislar” somente no que diz respeito a assuntos ligados às medicinas de grupo.
Projeto de lei
Tramita no Congresso Nacional Projeto de Lei (nº 95/2001) que pretende a inclusão do seguinte texto na lei dos planos de saúde (9.656/98): Em qualquer situação, fica proibida a exigência, por parte do prestador de serviço, de caução ou depósito de qualquer natureza, no ato da internação ou com anterioridade à prestação de serviço.
A justificação do projeto de lei é por demais singela. Diz o Senador proponente que a exigência de caução provoca situações de constrangimento, é excessiva, injusta e caracteriza prática abusiva.
Parece-nos que o parlamentar esqueceu-se do outro lado. E os hospitais que prestam serviços aos pacientes que se recusam a pagar depois de recebê-los? Estão tais estabelecimentos fadados ao ajuizamento de processo judicial ordinário que se arrastará por anos? Parece que sim.
O novo Código Civil
Para apimentar e complicar ainda mais o tema, o novo código Civil, vigente desde janeiro/2003, trouxe artigos que podem ser aplicados ao cheque caução.
Como ainda não deu tempo para os Tribunais apreciarem casos concretos envolvendo o novo Código Civil e o cheque caução, fica aqui o alerta para a possibilidade de aplicação do seguinte artigo pelos juízes:
Art. 156. Configura-se o estado de perigo quando alguém, premido da necessidade de salvar-se, ou a pessoa de sua família, de grave dano conhecido pela outra parte, assume obrigação excessivamente onerosa.
Parágrafo único – Tratando-se de pessoa não pertencente à família do declarante, o juiz decidirá segundo as circunstâncias.
Fatalidade
Acreditamos que a exigência do cheque caução para pacientes particulares está fadada a ser proibida definitivamente, de uma forma ou de outra, mais cedo ou mais tarde, até em razão do projeto de lei acima mencionado.
Talvez fosse o momento dos hospitais eliminarem a exigência de tal documento de uma vez por todas, inclusive dos particulares.
Contrato bem feito
Em substituição ao cheque caução, entendemos que o melhor instrumento de cobrança é o contrato de prestação de serviços entre o hospital e o paciente (ou seu responsável) onde ele se obriga a pagar pelo serviço que receber. Alguns chamam este contrato por “Termo de Responsabilidade”.
Prestado o serviço, se o paciente (ou o responsável) não pagar, utiliza-se o contrato de prestação de serviços para fazer a cobrança judicial, podendo até, dependendo da forma que ele foi redigido e da assinatura de duas testemunhas, ser instrumento de execução, tal qual o cheque.
O hospital estará resguardado de qualquer maneira. Além disso, devemos ter em mente que o paciente que não quer pagar pelo serviço recebido se esquivará de pagar o cheque, a nota promissória, o contrato ou qualquer outro documento que lhe for apresentado para assinatura. Somente a penhora de contas correntes ou bens fará com que ele quite o débito para com o hospital.
Desgaste
A exigência do cheque caução sempre foi motivo de desgaste, inquéritos policiais e ações judiciais desnecessários, pelos motivos acima mencionados.
A proibição de sua exigência para pacientes de convênios e a até agora possibilidade de exigência para pacientes particulares coloca as pessoas em situações de desigualdade, o que é muitíssimo complicado de se explicar numa sala de internação, onde diversas pessoas procuram o mesmo objetivo mas têm regras distintas. Eles, obviamente, não entenderão isso, inclusive porque alguns não querem entender mesmo.
Os prepostos do hospital estarão despreparados e sem orientação para isso, gerando toda a balbúrdia que conhecemos.
Aliado a tudo isso, está a incerteza de recebimento do valor que consta do cheque dado em caução.
Diante desse quadro, para quê, então, o hospital sofrer este desgaste? É por isso que achamos desnecessário e não indicada a exigência do cheque caução, para quem quer que seja.
Conclusão
Os hospitais estão proibidos de exigir cheque caução de pacientes conveniados.
A proibição ainda não alcançou os pacientes particulares, o que achamos ser questão de tempo.
O desgaste da exigência do cheque caução para os pacientes particulares deve ser substituído por um contrato de prestação de serviços bem elaborado, assinado pelo paciente ou responsável pela internação, pelo representante legal do hospital e por duas testemunhas, o que facilitará a cobrança do crédito do hospital em juízo.
Josenir Teixeira
[1] In Vocabulário Jurídico, De Plácido e Silva, 15ª ed., editora Forense.