A segurança jurídica não pode ser instável, até por coerência etimológica. Uma das condições mínimas para que a sociedade se realize deve ser a certeza de que, uma vez decidida determina situação, num ou noutro sentido, ela não se alterará de um dia para a noite. Infelizmente, não é isso o que vemos nas mais altas cortes judiciárias brasileiras.
Temos constatado que os entendimentos judiciais a respeito de determinados assuntos estão mudando com muita facilidade e rapidez. O juiz brasileiro possui livre convencimento: sua decisão não está atrelada ao que outros juízes, mesmo superiores, já decidiram. Isso é bom para a democracia, mas é ruim para a sociedade porque faz incutir na parte envolvida num processo judicial falsas justiça e esperança.
De nada adianta alguém vencer um processo em primeira e segunda instâncias se o Superior Tribunal de Justiça (STJ) ou o Supremo Tribunal Federal (STF) pensarem diferente. Quando o processo chegar àqueles Tribunais a decisão será reformada e a parte vencedora passará a ser perdedora.
A chamada Súmula Vinculante, em que pese o questionamento de sua constitucionalidade, que teria por objetivo, dentre outros, conter o fluxo irracional de processos nos Tribunais Superiores, serviria para orientar a comunidade jurídica e obrigar os juízes das instâncias inferiores a decidir da mesma forma que eles, mesmo que pensassem de outra forma. Mas ela ainda não está implantada.
A insegurança acontece por vários motivos. Um deles é a renovação dos ministros do STF, que pensam de forma diferente dos ministros que se aposentaram. Seis ministros (dos onze que compõem o STF) foram indicados pelo presidente Lula.
Na área trabalhista, está-se em franca discussão, de novo, a base de cálculo do adicional de insalubridade. O que já era pacífico e sumulado pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) – a base de cálculo é o salário mínimo – poderá ser alterado por recente posicionamento do STF, que entendeu que a base deve ser o salário profissional, o que poderá levar diversas empresas, principalmente hospitais, à bancarrota.
Do ponto de vista tributário, algumas posturas judiciais antigas referentes ao IPI, ICMS e principalmente a COFINS, antes pacíficas (e até sumuladas) estão simplesmente mudando, atraindo aos perdedores condenações que chegarão a pequenas fortunas.
Leiam o que um ministro do STJ decidiu (e desabafou) recentemente, tratando de um caso de COFINS: “Dissemos sempre que sociedade de prestação de serviço não paga a contribuição. Essas sociedades, confiando na Súmula nº 276 do Superior Tribunal de Justiça, programaram-se para não pagar esse tributo. Crentes na súmula, elas fizeram gastos maiores e planejaram suas vidas de determinada forma. Fizeram seu projeto de viabilidade econômica com base nessa decisão. De repente, vem o STJ e diz o contrário: esqueçam o que eu disse; agora vão pagar com multa, correção monetária etc., porque nós, o Superior Tribunal de Justiça, tomamos a lição de um mestre e esse mestre nos disse que estávamos errados. Por isso, voltamos atrás.
Nós somos os condutores, e eu – Ministro de um Tribunal cujas decisões os próprios Ministros não respeitam – sinto-me triste.
Como contribuinte, que também sou, mergulho em insegurança, como um passageiro daquele vôo trágico em que o piloto que se perdeu no meio da noite em cima da selva amazônica: ele virava para a esquerda, dobrava para a direita e os passageiros sem nada saber, até que eles, de repente, descobriram que estavam perdidos: o avião com o Superior Tribunal de Justiça está extremamente perdido. Agora estamos a rever uma Súmula que fixamos há menos de um trimestre. Agora dizemos que está errada, porque alguém nos deu uma lição dizendo que essa Súmula não devia ter sido feita assim.
Nas praias de Turismo, pelo mundo afora, existe um brinquedo em que uma enorme bóia, cheia de pessoas, é arrastada por uma lancha. A função do piloto dessa lancha é fazer derrubar as pessoas montadas no dorso da bóia. Para tanto, a lancha desloca-se em linha reta e, de repente, descreve curvas de quase noventa graus. O jogo só termina quando todos os passageiros da bóia estão dentro do mar. Pois bem, o STJ parece ter assumido o papel do piloto dessa lancha. Nosso papel tem sido derrubar os jurisdicionados.”
Que Deus nos proteja !
Josenir Teixeira
outubro / 2006