Os conceitos básicos e as linhas gerais que norteiam um contrato não foram alterados pelo Novo Código Civil (NCC), em vigor desde janeiro/2003.
A novidade da nova lei foi atribuir ao juiz poderes para intervir e até alterar os termos de um contrato, em prejuízo de uma parte ou em benefício da outra, dependendo do lado que se analisa a questão. Isso não é propriamente novidade. O juiz de direito sempre teve autoridade para alterar as condições de um contrato, sendo seus atos normalmente apoiados pelo Tribunal de Justiça. Novidade mesmo é a inclusão de tais “direitos” do juiz no texto da lei.
Antes do NCC, imperava o princípio que dizia que “o combinado no contrato deve ser cumprido”, chamado tecnicamente pelos operadores de direito de “pacta sunt servanda”.
Como dito, o juiz já tinha poderes para mudar contratos, o que acontecia de forma mais tímida. Agora, o NCC dá, legalmente, superpoderes ao juiz, autorizando-o a alterar profundamente qualquer contrato para restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro entre as partes.
É exatamente neste sentido a redação do dispositivo legal: “Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida (prolongada), se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato.”
Assim, toda nossa preocupação acerca da necessidade de se elaborar um contrato, estampada no artigo “Contratos: dicas para analisá-los”, escrito em janeiro/1999, publicado nesta revista “Notícias Hospitalares”, disponível também no site www.jteixeira.com.br, volta à tona, devendo aquele texto ser incrementado, devido à superveniência da nova legislação.
Os contratos, a partir no NCC, devem ter por ideal o princípio da boa-fé entre as partes. Não que não devessem ter sempre. É que agora o texto da lei é claro ao dizer que “Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios da probidade e da boa-fé.” Estabelece-se uma regra legal de conduta. Elege-se a ética como norte dos negócios jurídicos.
Portanto, não haverá mais espaço para uma pessoa que tenha a intenção de fazer um contrato com outra para “amarrá-la”, atribuindo-lhe obrigações por demais severas ou fora das possibilidades daquela. O “espertinho” verá sua pretensão ir por água abaixo quando o juiz, instado a fazê-lo, alterar as obrigações das partes e restaurar o equilíbrio entre elas.
Vê-se claramente essa linha adotada pelo Novo Código Civil ao se ler, dentre vários, o artigo 413, assim redigido: “A penalidade deve ser reduzida eqüitativamente pelo juiz se a obrigação principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da penalidade for manifestamente excessivo, tendo em vista a natureza e a finalidade do negócio”.
Pretender “amarrar” uma pessoa a um contrato, imputando-lhe obrigações leoninas é má-fé e isso não é permitido pelo Direito. Logo, caro leitor, aja com boa-fé nos contratos. Não tente ser “espertalhão”. Seja justo e leal, senão o feitiço virará contra o feiticeiro e o juiz poderá ser o seu carrasco.
Contrate às claras
Devemos aproveitar este espaço para falar, também, sobre a clareza com que os contratos devem ser redigidos. E fazemos isso não por influência do NCC diretamente, mas pela nossa própria experiência. Depois de muitos anos trabalhando com contratos já vimos um sem número de verdadeiras aberrações jurídicas. Já lemos inúmeras cláusulas que não dizem absolutamente nada. E o mais difícil é fazer o cliente entender que determinado item de um contrato não lhe dá o direito que ele acha que tem, simplesmente porque a redação é claudicante.
O advogado
Quando uma pessoa necessita de um contrato, a atitude mais indicada é procurar um especialista na redação de contratos: o advogado. Foi ele que estudou, na faculdade, ao longo de anos, tudo o que diz respeito aos contratos. É ele que tem a noção exata das conseqüências futuras de se escrever (ou não) isso ou aquilo e o porquê da adoção de tal posicionamento. Pelo menos é o que se espera do verdadeiro advogado, consciente de suas responsabilidades e preocupado com constante atualização doutrinária e jurisprudencial sobre o tema.
Além disso, para que o contrato retrate as condições do negócio a ser realizado de forma abrangente, o advogado não pode ser tolhido de participar, desde o início, da negociação prévia. Detalhes importantíssimos não percebidos pelo administrador, pelo contador ou por qualquer outra pessoa estranha à área do Direito e que esteja à frente da negociação, podem ter crucial importância para o advogado. Deixando-se este profissional à margem da negociação, é possível que uma das partes do contrato não consiga passar a ele aquele detalhe e que, conseqüentemente, não constará do contrato, pois o advogado ainda não é adivinhador.
Acaso isso aconteça e o contrato seja ineficaz por causa da inexistência daquele “detalhe”, a tendência natural, por óbvio, é criticar o advogado, alegando-se que ele foi imperito no seu mister. E isso é feito de forma muito natural pelo cliente, que não assumirá, nunca, que o “detalhe” da negociação não foi repassado ao advogado por sua exclusiva negligência.
Portanto, entendemos que “cada macaco deve pular no seu galho”, ou seja, o administrador deve administrar, o negociador deve negociar, o contador deve cuidar da contabilidade e o advogado deve redigir contratos. A mistura ou absorção de funções de um ou de outro está fadada ao insucesso.
Parte da orientação acima reproduzida foi trazida do artigo denominado “Não existe ‘modelo’ de contrato”, de nossa autoria, disponível no site acima citado.
Ainda como parte deste assunto e como fruto de nossa experiência, devemos dizer que existem algumas expressões que são usadas em contratos e que, apesar de serem bonitinhas, não dizem e não servem para absolutamente nada. Aliás, servem, apenas, para confundir e complicar a interpretação dos instrumentos. Deve-se sempre buscar o objetivismo e a clareza na redação dos contratos.
Exemplos de expressões que devem ser evitadas
® “prazo razoável”. Alguns contratos determinam que uma das partes deverá fazer algo desta forma. O que seria um “prazo razoável”? Para alguns, pode significar algumas horas. Para outros, alguns dias ou até meses. Para outros, ainda, pode significar minutos. Deve-se indicar o prazo que se pretende de forma prática e direta.
® “no menor tempo possível”. Quanto tempo é o ‘menor possível’? Horas, dias, minutos, meses ou ano? Deve-se indicá-lo de forma eficiente e não confusa.
® “o mais rápido possível”. Em horas, dias, minutos ou meses? Não se pode combinar alguma obrigação sem ser específico em relação a este assunto.
® “imediatamente”. Isso deve acontecer instantânea ou proximamente, dali a um dia, por exemplo? Esta expressão pode ser interpretada como horas, dias, minutos ou meses. Depende de quem a lê. Devemos escrever o que efetivamente queremos dizer, de forma concisa, porém eficaz.
® “na melhor forma de direito”. Qual seria a pior forma de direito? Necessário seria descrevê-la, pois, se se contratar a “melhor forma”, deve-se ter um paralelo em relação à “pior forma”. Melhor escrever com todas as letras o que se pretende pactuar.
® “dentro do possível”. Qual atitude poderá ser interpretada como “fora do possível”? Aliás, em que circunstâncias algo estaria “fora” do possível? Quais são os critérios objetivos para se definir se algo está “dentro” ou “fora” do possível? Ou se estipula uma obrigação a ser cumprida ou não. Não se pode esperar que uma parte cumpra uma obrigação somente se estiver “dentro do possível”. Sugerimos objetividade no que se quer dizer, pois cada um que ler essa expressão num contrato a entenderá de forma particular, ou seja, subjetiva, o que é inadmissível e, obviamente, dará margem a divergências.
® “da melhor maneira possível”. Basicamente são os mesmos comentários acima. Se queremos algo com uma determinada configuração devemos descrevê-la com detalhes para que todos que a leiam, entendam-na perfeitamente.
® “o mínimo necessário”. Qual seria este mínimo? Com o que (ou com qual quantidade) a parte se daria por satisfeita? Necessário esclarecer o que se pleiteia, não deixando margem a dúvidas.
® “o máximo possível”. Qual quantidade (e do quê) representa o máximo? Algo que pode ser máximo para mim pode ser mínimo para o leitor. E vice-versa. Qual o paralelo a ser utilizado quando se utiliza essa expressão? O contrato deve ser claro, sob pena de nunca se chegar a um acordo em relação ao que seja o tal “máximo”.
® “a critério da parte”. Se o contrato prever que alguma obrigação deverá ser cumprida desta forma, a outra parte nunca poderá reclamar de nada, pois a mensuração do seu cumprimento está sendo outorgado ao “critério” subjetivo dela. Então, não reclame.
® “mensalmente, anualmente”. Melhor seria se se identificasse o dia do mês e ano em que se pretende que uma parte faça determinada coisa, evitando-se contratempos, pois uma parte pode achar que o dia do mês é o 2 e a outra achar que o dia é o 28. A mesma coisa ocorre em relação ao ano. Deve-se indicar o mês do ano (e o dia) em que deve ser cobrada determinada obrigação.
® “oportunamente”. No entender de uma parte, isso poderá ocorrer daqui a 5 anos e a outra poderá entender que deveria ser dali a 4 meses. Vale a mesma orientação acima: deve-se estipular dia, mês e ano para cumprimento das obrigações.
É imprescindível que se evite escrever em contratos essas e várias outras expressões, pois elas poderão ser fortíssimos pontos de discórdia, desgaste e até litígio judicial entre as partes.
Tais expressões deverão ser substituídas por critérios objetivos e claros, de forma a deixar absolutamente transparente o que se quer dizer ou o que se pretenda que a outra parte faça, sem deixar margem para qualquer interpretação subjetiva.
Caso as partes não consigam escrever de forma objetiva e perceptível o que se pretende, é melhor repensar o próprio contrato ou negócio em si, pois, se elas não conseguem nem exteriorizar de forma nítida o que desejam uma das outras, como irão cobrar os resultados?