Reproduzimos conclusão constante da Consulta 40.045/93, elaborada pelo Conselheiro Marco Segre do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, aprovado na 1640ª Reunião Plenária, realizada em 18.01.1995:
“Entendemos que o médico decide acerca da alta hospitalar e, quando a saída do paciente se dá contrariamente à decisão médica, o risco de vida deve ser ponderado. O Termo de Responsabilidade assinado pelo paciente ou duas testemunhas alheias ao caso pode representar defesa hábil e suficiente para o médico.”
Diz o Código de Ética Médica (Res. CFM 1246/88):
“É vedado ao médico:
Art. 46. Efetuar qualquer procedimento médico sem o esclarecimento e o consentimento prévios do paciente ou de seu responsável legal, salvo iminente perigo de vida.
Art. 48. Exercer sua autoridade de maneira a limitar o direito do paciente de declinar livremente sobre a sua pessoa ou seu bem-estar.
Art. 53. Desrespeitar o interesse e a integridade do paciente, ao exercer a profissão em qualquer instituição na qual o mesmo esteja recolhido independentemente da própria vontade.
Parágrafo único. Ocorrendo quaisquer atos lesivos à personalidade e à saúde física ou psíquica dos pacientes a ele confiados, o médico está obrigado a denunciar o fato à autoridade competente e ao Conselho Regional de Medicina.”
Como exceção à regra acima estabelecida, diz o Código Penal Brasileiro:
“Art. 128. Não se pune o aborto praticado por médico:
I – se não há outro meio de salvar a vida da gestante;”
Quando o paciente está sob cuidados médicos, internado em instituição hospitalar, é este quem, sendo detentor dos conhecimentos técnicos, decide acerca do momento da concessão ou não da alta hospitalar, uma vez que é ele quem conhece e poderá prever, dentro das circunstâncias normais, os efeitos decorrentes de tal procedimento.
Há casos em que, o próprio paciente, por diversos fatores, não quer ser atendido em um ou outro hospital e nem por aquele médico que lhe está prestando auxílio.
Há casos também em que, estando o paciente inconsciente, os familiares querem que o mesmo seja transferido, por qualquer motivo que aleguem.
Quando o quadro do paciente é de certa maneira estável e não requer cuidados tão rigorosos, não há problema em se concordar com a saída do paciente do hospital onde o mesmo se encontra.
O problema surge quando o quadro clínico apresentado pelo paciente naquele momento não autoriza sua saída do hospital e nem mesmo sua transferência, sob pena de agravamento de seu estado de saúde, com possíveis consequências fatais.
O que o médico e o hospital devem fazer neste momento?
Caso todos os argumentos usados pelo médico junto à família do paciente inconsciente não sejam suficientes para fazê-la mudar de idéia, no sentido de não retirar ou remover o paciente naquele momento, o médico e o hospital deverão redigir um documento que normalmente se chama TERMO DE RESPONSABILIDADE DE ALTA A PEDIDO (obviamente com letra legível ou de preferência à máquina ou computador) onde relatará o quadro clínico do paciente o mais detalhadamente possível, indicando o tratamento a que o mesmo deve ser imediatamente submetido e informando as consequências que poderão advir pela não adoção daquelas recomendações.
Sugere-se que a redação a ser dada pelo médico em tal documento contenha a parte técnica mas também uma parte em que seja usada linguagem acessível que “traduza” o estado de saúde do paciente, para que a pessoa que o está retirando contra a orientação médica não alegue desconhecer qual era o real estado de saúde do doente naquele momento.
Deve-se colher a assinatura do parente e/ou responsável pelo paciente em tal documento, identificando-se o mesmo com nome completo e qualificação, número de RG e CPF/MF, endereços e telefones comercial e residencial, além de colher a assinatura de uma ou mais testemunhas que presenciaram o fato, visando, com isso, preservar os direitos do médico e do hospital em eventual questionamento de sua atitude.
Salientamos que não deve ser usado modelo que usualmente é adquirido em papelaria, pois seu conteúdo é bastante primário e deficitário.
Tal documento deverá ser arquivado juntamente com o prontuário do paciente.
Entendemos que este documento é suficiente para justificar a atitude do médico naquele momento e isentá-lo de qualquer responsabilidade civil ou criminal.
Mesmo que o quadro do paciente mostre-se o pior possível, o médico e o hospital não poderão impedir a saída do mesmo mediante a solicitação de parente ou responsável. “Isto porque o Código Penal define como crime o ato de quem, sem fundamento legal, venha a cercear o direito de liberdade de que podem desfrutar todas as pessoas. Para que este direito seja restringido, necessário é que a lei defina em que circunstâncias e a partir da ordem de qual autoridade isso poderá ocorrer.
Ora, nenhuma lei — ao que saibamos – dá ao médico o poder de cercear a liberdade das pessoas, mantendo-a internada contra sua vontade, qualquer que seja o motivo ou pretexto para fazer isso. Se se trata de menor, o detentor do pátrio poder é que terá, em princípio, esse poder de escolha.
Logo, o médico, além de não poder decidir por outrem a respeito da sua pretensão de obter alta médica, corre o risco de praticar crime de cárcere privado (CP, art. 148) caso recuse a permitir que alguém, maior ou menor, se retire (ou seja retirado) de algum estabelecimento no qual tenha entrado para tratar da saúde.
Mas, como fica a situação do médico que está convencido de que será uma temeridade a retirada do doente, especialmente se este for pessoa incapaz? A solução é bastante simples: ele autoriza a saída do paciente e imediatamente encaminha ao representante do Ministério Público relatório a respeito das condições de saúde do mesmo. Caso o Ministério Público entenda que deve tomar alguma providência para acautelar interesse de pessoa incapaz, requererá ao Poder Judiciário aquilo que lhe pareça adequado.
É claro que poderá haver aquela situação extrema em que o médico, de consciência, estará convicto de que, se autorizar a retirada da criança, esta fatalmente morrerá.
Em tal caso extremo estaremos diante de uma situação não tão incomum: a Moral aponta uma direção e o Direito outra. Sendo assim, caso retenha a criança e venha a ser processado criminalmente por isso, certamente o médico contratará um bom advogado, que alegará a ocorrência de uma justificativa jurídico-penal para buscar sua absolvição: o estado de necessidade de terceira pessoa.” (Dr. Adauto A. S. Suannes – Desembargador aposentado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo e advogado – in artigo denominado “O sapateiro e as sandálias”)
Sugerimos que o médico, além de comunicar o fato ao Ministério Público, faça elaborar boletim de ocorrência na delegacia de polícia da área, visando preservar seus direitos em eventual queixa no futuro.