Alguns não gostam da palavra “dentista”. Preferem ‘odontólogo’, ‘odontologista’ ou cirurgião-dentista. Questão de semântica, apenas. As palavras são sinônimas. O que interessa mesmo é que o profissional da odontologia, como liberal que é, responde pela qualidade dos serviços que presta, devendo observar, dentre inúmeras regras, as estabelecidas pelo Código de Defesa do Consumidor.
Diferentemente do médico, a obrigação do dentista (adotaremos esta denominação, registrados os protestos) apresenta-se, na maioria das vezes, como sendo de resultado, ou seja, seu serviço deve assegurar um fim desejado, sob pena de arcar com as conseqüências. Algumas especialidades podem ser tidas (dependendo do caso concreto) na categoria de obrigação de resultado: dentística restauradora; odontologia legal; odontologia preventiva e social; ortodontia; prótese dental e radiologia. Quando se inicia um tratamento dentário que envolve a colocação de prótese ou limpeza, sempre voltados para o aspecto estético e higiênico, estar-se-á diante de uma obrigação de resultado, a princípio.
E isso acontece porque a patologia, os processos odontológicos, a sintomatologia, a diagnose e a terapêutica são mais regulares, restritos e definidos nesta área. É claro que tal afirmação comporta exceções. Eventuais desordens patológicas ou reações adversas do organismo podem tornar-se um complicador e o resultado, devido a tais acontecimentos, pode ser impossível de ser atingido, hipótese em que a regularidade da conduta do dentista será respaldada pelo Direito.
Atividades como a cirurgia e traumatologia bucomaxilo-faciais (próteses, também), a endodontia, a periodontia, a odontopediatria e a patologia bucal não podem ser classificadas como obrigação de resultado, de forma genérica. O fato e a situação acontecidos é que classificarão a obrigação.
Que diferença isso faz? Quando a obrigação for de resultado, se o objetivo inicial não for atingido pelo dentista, o paciente, em tese, não precisará provar a culpa do profissional. Caberá ao dentista provar que agiu dentro dos padrões normais de atendimento, que foi diligente no seu mister e que, mesmo assim, aconteceu algo imprevisível. Nas obrigações de meio, cabe ao paciente provar a culpa do dentista no dano em que vir a alegar.
O dentista responderá pelo insucesso do serviço prestado quando agir com dolo (vontade consciente de atingir um determinado resultado criminoso – algo mais raro) ou com culpa, desdobrada em negligência (descuido; falta de interesse; má vontade; deixar de fazer algo que deveria ser feito), imperícia (desconhecimento da técnica; inabilidade; fazer algo além de sua especialidade/capacidade) ou imprudência (falta de atenção; descuido; afoiteza no agir; fazer algo que não deveria ser feito).
No dia-a-dia do Direito vemos que a classificação das obrigações em resultado ou meio não é tão simples e objetiva assim. O caso concreto, com as peculiaridades inerentes, trará ao processo toda uma discussão, inclusive literária, para se identificar o tipo de obrigação que está sendo tratada naquele caso específico.
Assim, por experiência, ressaltamos que a culpa (ou o erro do dentista) deve ser provada inequivocamente em juízo pelo paciente. Isso porque a ‘inversão do ônus da prova’, ou seja, a obrigação do dentista provar que não agiu com erro, que a legislação determina e favorece o consumidor, não é automática. Ela depende de circunstâncias concretas que deverão ser apuradas pelo juiz no contexto da ‘facilitação da defesa’ dos direitos do consumidor. Não se pode simplesmente ajuizar ação alegando um ato defeituoso praticado pelo dentista e esperar que ele se vire para fazer sua defesa. Isso é irresponsabilidade ou, se preferir, aventura jurídica.
O paciente, para propor ação de indenização contra o dentista, deve trazer ao juiz elementos claros, objetivos e concretos de que aquele profissional agiu com culpa, numa de suas modalidades, no tratamento por ele ministrado. Só assim a ação terá condição de prosseguimento. Na seqüência, o dentista deverá demonstrar (se possível, claro) que não agiu com culpa ao realizar aquele serviço, visando livrar-se de eventual condenação. E para fazer isso, ele deverá ter em seu arquivo documentos suficientes e hábeis a justificar seus serviços, tais como: completa anamnese, imagens, relatório do caso demonstrando/indicando a conduta a ser adotada, relatório sobre o cumprimento (ou não), pelos pacientes, das recomendações que lhes foram determinadas etc.
Só assim o dentista poderá exercer sua profissão com certa tranqüilidade.
Infelizmente, estamos vivendo a época dos aproveitadores. E contra eles, nada melhor do que documentos e conhecimento pormenorizado da condição legal em que se inserem os serviços prestados pelo dentista.