Quando o paciente está internado em instituição hospitalar sob os cuidados de médico, é a este que cabe decidir acerca do melhor momento para concessão (ou não) da alta hospitalar, pois que é ele quem detém os conhecimentos técnicos e poderá prever as conseqüências de sua atitude, dentro das circunstâncias normais esperadas.
Porém, há casos em que o próprio paciente, por diversos motivos, não quer ser atendido neste ou naquele hospital e nem por este ou aquele médico. Também acontece de os familiares do paciente (estando este inconsciente ou sendo menor) quererem sua transferência de hospital e para os cuidados de outro médico, por razões várias.
Quando o quadro do paciente é, de certa maneira, estável e não requer cuidados tão rigorosos, a princípio, não haveria problema em se concordar com a saída do paciente do hospital onde encontra-se internado. O problema surge quando o quadro clínico apresentado pelo enfermo não autoriza sua saída do hospital, sendo a transferência contra-indicada naquele momento, sob pena de agravamento de seu estado de saúde, com possíveis conseqüências mais graves e até fatal.
O que o médico e o hospital devem fazer neste momento de impasse?
Caso todos os argumentos usados pelo médico junto ao paciente ou à família (caso inconsciente ou menor) não sejam suficientes para fazê-los mudar de idéia, no sentido de não retirar ou remover o paciente naquele instante, o médico e o hospital deverão redigir, de forma legível, sendo a digitação o mais indicado, um documento que normalmente chamamos de TERMO DE RESPONSABILIDADE POR ALTA A PEDIDO, que deverá ser arquivado juntamente com o prontuário do paciente.
Este documento relatará o quadro clínico do paciente da forma mais detalhada possível, indicando o tratamento a que ele deve ser imediatamente submetido e informando as conseqüências que poderão advir pela não adoção daquelas recomendações.
A redação do termo deverá conter a parte técnica mas também uma parte em que seja usada linguagem acessível e que “traduza” o estado de saúde do paciente, para que a pessoa que o está retirando contra a orientação médica não alegue desconhecer qual era o real estado de saúde do doente naquele momento.
Deve-se colher a assinatura do paciente, do parente ou do seu responsável em tal documento, identificando-o com o nome completo, profissão, número de RG e CPF/MF, endereços e telefones comercial e residencial, celular, além de colher a assinatura de, pelo menos, duas testemunhas que presenciaram o fato, visando, com isso, preservar os direitos do médico e do hospital em eventual questionamento de suas atitudes.
Esquematicamente, o documento deve conter, no mínimo, a seguinte estrutura:
TERMO DE RESPONSABILIDADE POR ALTA A PEDIDO
· Nome do paciente
· Leito
· Quadro clínico atual: redações técnica e leiga
· Motivo pelo qual o paciente deve permanecer internado
· Riscos a que o paciente está sujeito caso seja transferido/removido
· Providência imediata que se deve adotar caso o paciente seja efetivamente removido
· Mencionar dia e hora da redação do termo
· Assinaturas: do médico, da direção administrativa do hospital, do paciente ou seus responsáveis/parente e de duas testemunhas que presenciaram todos os fatos.
Este documento, somado às anotações que devem também ser feitas diretamente no prontuário do paciente, deve ser utilizado para justificar a atitude do médico, procurando evitar que lhe sejam imputadas responsabilidades civil, criminal ou administrativa.
Quando o paciente, seus parentes ou responsável não queiram assinar o termo acima indicado, sugere-se que ele seja feito da mesma forma e que se colha a assinatura de, no mínimo, duas testemunhas que presenciaram os acontecimentos, inclusive a recusa em assiná-lo. O relato dos fatos também deve ser feito no próprio prontuário do paciente, o mais detalhadamente possível.
Mesmo que o quadro do paciente mostre-se o pior possível, o médico e o hospital não poderão impedir a sua saída, desde que haja solicitação expressa, com o devido preenchimento do documento acima sugerido. E é assim porque o Código Penal define como crime o ato de quem, sem fundamento legal, cerceie o direito de liberdade de ir e vir das pessoas, mesmo em casos de doença. O médico, além de não poder decidir por outrem a respeito da sua pretensão de obter alta, corre o risco de ser acusado de praticar crime de cárcere privado (Código Penal, art. 148) caso se recuse a permitir que alguém, maior ou menor, se retire (ou seja retirado) de algum estabelecimento no qual tenha entrado para tratar da saúde.
Para que este direito pudesse ser eventualmente restringido, no caso de doença, é necessário que a lei defina em que circunstâncias e a partir da ordem de qual autoridade isso poderia ocorrer. Nenhuma lei dá ao médico o poder de cercear a liberdade das pessoas, mantendo-a internada contra sua vontade, qualquer que seja o motivo ou pretexto para isso.
Mas, como fica a situação do médico que está convencido de que será uma temeridade a retirada do doente, especialmente se este for pessoa incapaz?
Sugerimos que ele autorize a saída do paciente, preenchendo-se o termo acima indicado, e imediatamente encaminha ao representante do Ministério Público local relatório a respeito das condições de saúde do doente. Caso o Ministério Público entenda que deva tomar alguma providência para acautelar interesse de pessoa incapaz, requererá ao Poder Judiciário o que lhe pareça adequado. Além disso, sugerimos que o médico procure a delegacia de polícia mais próxima e faça elaborar boletim de ocorrência retratando os acontecimentos, visando preservar seus direitos em eventual queixa.
Haverá situações extremas em que o médico, de consciência, está convicto de que, se autorizar a retirada de criança doente, ela morrerá. Nestes casos, estar-se-á diante de situação não tão incomum: a Moral aponta uma direção e o Direito outra. Sendo assim, caso o médico retenha a criança e venha a ser processado criminalmente por isso, certamente ele contratará um bom advogado que alegará a ocorrência de uma justificativa jurídico-penal para buscar sua absolvição: o estado de necessidade de terceira pessoa.[1]
O termo de responsabilidade por alta a pedido é ótimo instrumento, somado a outros, para defender o ato praticado por médicos e hospitais.
[1] Orientação de Adauto Suannes – Desembargador aposentado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo e advogado – in artigo denominado “O sapateiro e as