Os órgãos de classe pregam a obrigatoriedade de permanência do farmacêutico durante as vinte e quatro horas do dia na farmácia do hospital.
O tema em tela enseja calorosas discussões e pontos de vista opostos, de modo a não clarear a situação dos hospitais bem como do profissional em questão.
Somos contrários ao entendimento dos órgãos de classe, conforme tentaremos demonstrar nesta oportunidade.
Análise
A discussão inicia-se no art. 27 e § 1º do Decreto 74.170/74 que regulamenta o § 1º do art. 15, da Lei 5.991/73:
“Art. 27 – A farmácia e a drogaria terão obrigatoriamente, a assistência de técnico responsável, inscrito no Conselho Regional de Farmácia, na forma da lei.
§ 1º – A presença do técnico responsável será obrigatória durante todo o horário de funcionamento dos estabelecimentos mencionados neste artigo”.
Ocorre que o artigo acima mencionado foi parcialmente revogado pelo Decreto 793/93, art. 27, conforme abaixo transcrito:
“Art. 27 – A farmácia e a drogaria terão, obrigatoriamente, a assistência de técnico responsável.
§ 1º – O técnico responsável de que trata este artigo será o farmacêutico inscrito no Conselho Regional de Farmácia, na forma da lei.
§ 2º – Contarão, também, obrigatoriamente, com a assistência técnica de farmacêutico responsável os setores de dispensação dos hospitais públicos e privados e demais unidades de saúde, distribuidores de medicamentos, casas de saúde, centros de saúde, clínicas de repouso e similares que dispensem, distribuam ou manipulem medicamentos sob controle especial ou sujeitos a prescrição médica.
§ 3º – A presença do farmacêutico responsável será obrigatória durante todo o horário de funcionamento dos estabelecimentos mencionados no parágrafo anterior e no caput deste artigo”.
É crível dizer que o Decreto 793/93 não revogou total ou parcialmente os conceitos insertos no Decreto 74.170/74, de forma que são válidos e vigentes para todos os fins legais.
O § 3º acima transcrito menciona que o farmacêutico deverá permanecer durante todo o horário de funcionamento dos estabelecimentos mencionados no parágrafo anterior.
Ora, é incorreto aduzir que os estabelecimentos são as casas de saúde, centros de saúde, clínicas de repouso, hospitais públicos ou privados, vez que não é este o conceito dado pela própria lei.
Constata-se que NÃO EXISTE a obrigatoriedade da presença do profissional farmacêutico durante o horário de funcionamento das prestadoras de assistência à saúde, seja hospitalar, casa de saúde ou qualquer outra.
O que se conclui é que, enquanto o estabelecimento (a farmácia) daquelas unidades prestadoras de serviços médicos-hospitalares estiver em funcionamento, há a necessidade do farmacêutico.
Isto porque o estabelecimento de dispensação e o de atendimento privativo de unidade hospitalar ou de qualquer outro equivalente de assistência médica é a farmácia, a teor do disposto na legislação.
Desta forma, é a farmácia da entidade hospitalar que, enquanto funcionar (estiver aberta a expediente interno — durante o horário comercial, por exemplo), deve ter o farmacêutico responsável presente, obrigatoriamente. Não há como interpretar que enquanto o hospital estiver aberto, durante 24 horas e mesmo a farmácia estando fechada, deve haver a presença do farmacêutico, até porque isso fugiria à lógica e ao bom senso, preservados pelo Direito.
Contudo, o Decreto 793/93 foi revogado pelo Decreto 3.181/99, de tal sorte que a celeuma inútil surgida a partir da existência daquele Decreto caiu por terra.
Assim, há que se ressaltar que vem explícito no caput do art. 15 da Lei 5991/73 a obrigatoriedade da permanência do farmacêutico na farmácia e complementa no § 1º que tal obrigatoriedade permanece enquanto funcionar o estabelecimento.
Frise-se: o estabelecimento a que o legislador se refere é a farmácia, jamais a unidade hospitalar, mesmo porque no conceito de farmácia insere-se a palavra “estabelecimento”.
Jurisprudência
Os Tribunais já decidiram a matéria, especialmente o Tribunal Regional Federal de algumas regiões. Tais tribunais foram até mais além da discussão abordada neste artigo.
Decisão do TRF da 2ª Região, de 1993, dá conta que, “em se tratando de dispensário de medicamentos, mantido por unidade hospitalar de menos de DUZENTOS LEITOS, descabe a existência de farmacêutico.”
O TRF da 3ª Região decidiu que “Somente as farmácias e drogarias que manipulam fórmulas estão sujeitas à exigência de manter responsável técnico. Pequenas unidades hospitalares, que operam com dispensário de medicamentos não necessitam ou estão subordinados à essa exigência.”
Conclusão
Desta feita, a conclusão única admissível é a de que existe sim a obrigatoriedade da permanência do profissional farmacêutico, mas somente durante o horário de funcionamento do estabelecimento (setor) ‘farmácia’, JAMAIS durante todo o horário de funcionamento do hospital.
Interpretar diferente do exposto é inovar e criar, sendo que o legislador não deixou ao arbítrio do intérprete fazê-los.
* assessor jurídico da Pró-Saúde e advogado em São Paulo. Colaborou Dra. Verônica Cordeiro da Rocha Mesquita, componente da assessoria jurídica da Pró-Saúde.